Mostrando postagens com marcador psiconautismos - castanedeando. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador psiconautismos - castanedeando. Mostrar todas as postagens

quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

"Enfatizando que o contato com a cultura indígena permite o acesso a uma realidade à parte que valeria a pena ser explorada e que pode mudar nossa percepção de mundo, a obra de Carlos Castaneda apresenta a religião ou espiritualidade nativa como um reservatório de ensinamentos para o indivíduo ocidental desorientado: os xamãs são mestres em um caminho de evolução pessoal, o acesso a esta sabedoria mística pode transformar-nos radicalmente, e tudo isso é medido em termos dos resultados alcançados." - SARRAZIN, Jean-Paul. "New Age en Colombia y la busqueda de la espiritualidad indigena" In Revista Colombiana de Antropologia volume 48 (2), 2012. |Tradução minha.

Este autor, Sarrazin, não considera o Castaneda como um antropólogo. Chamando aqui o Roy Wagner, podemos dizer que o que o Sarrazin chama de "desorientado", o Roy Wagner nomearia de "racional". O Castaneda recupera ensinamentos indígenas de acesso a uma outra realidade que não está fundamentada na relação de causa e efeito que rege a razão ocidental.

É importante frizar também que para Castaneda, os xamãs não são mestres em um caminho de evolução pessoal, mas sim mestres em regenerar universos, cosmos e mundos. A atividade do xamã é em direção a cura e transformação do cosmos que o rodeia, e com o qual ele se conecta de forma xamânica, isto é, em conexão com seus ancestrais, espíritos da floresta e do céu, atravessando tempos e espaços. ("O xamã como construtor de mundos").


"Os livros de Castaneda são a crônica de uma conversão, o relato de um despertar espiritual, ao mesmo tempo, são o redescobrimento e a defesa de um saber desprezado pelo Ocidente e pela ciência contemporânea." - Octavio Paz.

domingo, 21 de novembro de 2010

O duplo de Don Juan Maltus

Em The Eagle's Gift (1981), Carlos Castaneda revela ao leitor que era o homem duplicado de Don Juan Maltus. Don Juan conta a Castaneda sua saga em busca de sua mulher nagual duplicada, e de seu homem duplicado. Depois de muitos anos, Don Juan finalmente se depara com seu homem duplicado: "Este homem era eu.", diz Castaneda (O presente da águia, p. 179, versão Scribd).

Daqui em diante, toda a aproximação de Castaneda com Don Juan via interesse antropológico é novamente recontada, agora sob a perspectiva de um agenciamento feiticeiro de Don Juan, que chamou Castaneda até seu campo de visão, e até uma intimidade maior a partir do "aprendizado", sob a tática do stalking.

Foi interessante descobrir, ou redescobrir isso. Quando eu lia que as discípulas de Castaneda se diziam discípulas de Don Juan, eu sempre tivera a impressão de que elas não haviam conhecido o nagual, mas sim se referiam a Castaneda: Castaneda como o Don Juan incorporado, ou como o outro Don Juan. É muito interessante essa perspectiva de Castaneda como o duplo de Don Juan Maltus: o que corrobora ainda mais para a riqueza de sua autobiografia e biografia, já que aqui, literalmente, ao falar de seu outro, ele está falando de si mesmo.


Vejamos o excerto dessa mais uma recontação daquele primeiro encontro de Castaneda com Don Juan. Temos essa contação primeira no Erva do Diabo, depois contação de novo, sob outro ponto de vista, no seu segundo livro, e agora neste sexto livro, mais uma vez vemos a mesma história do primeiro encontro, sob uma perspectiva totalmente diferente:

"Depois que Dom Juan e seu grupo de guerreiros perderam as esperanças — ou melhor, como disse ele, depois que ele e os guerreiros homens chegaram ao fundo do poço e as mulheres encontraram meios adequados de mantê-los de bom humor — ele finalmente deparou com um homem duplicado. Esse homem era eu. Ele disse que já que ninguém no seu juízo normal vai se oferecer para um projeto tão absurdo como a luta pela liberdade, teve de seguir os ensinamentos do seu benfeitor e, num estilo de verdadeiro espreitador, ir me buscar como buscara os membros do seu próprio grupo. Precisaria estar sozinho comigo num lugar onde pudesse aplicar uma pressão física no meu corpo, e seria necessário que eu fosse lá pela própria vontade. Atraiu-me à sua casa com grande desenvoltura — mas, disse ele, assegurar o homem duplicado nunca é um grande problema. A dificuldade é encontrar um que esteja disponível.

Aquela primeira visita foi, do ponto de vista de minha conscientização diária, uma sessão sem conseqüência. Dom Juan foi muito charmoso e brincou comigo. Levou a conversa para assuntos como a fadiga do corpo, depois de longas horas guiando um carro, assunto esse que me pareceu bastante inconseqüente, por eu ser estudioso em antropologia. Depois fez um comentário acidental de que minhas costas pareciam estar fora de alinhamento, e sem dizer mais nada pôs a mão no meu peito, endireitou meu corpo e me deu um soco forte nas costas. Pegou-me tão distraído que eu desmaiei. Quando abri os olhos achei que ele tinha quebrado minha espinha, mas no fundo sabia que não era nada disso. Eu era outra pessoa e não a pessoa de sempre. Dali por diante, sempre que o via ele me fazia mudar minha conscientização do lado direito para o lado esquerdo, e então me revelava o regulamento."


Assim, desse novo ponto de vista, todas as experiências relatadas em A Erva do Diabo são, agora, as revelações do regulamento nagual.

A polêmica de Florinda Donner

Em dezembro de 1983, depois de quatro resenhas publicadas em diversos jornais e na American Anthropologist sobre seu primeiro livro Shabono, três responsáveis pela antropologia da UCLA publicam a seguinte carta no Anthropology Newsletter, explicando o posicionamento da faculdade a respeito de Shabono e de Florinda Donner:

JOURNEY TO A SHABONO

Published in Anthropology Newsletter. (American Anthropological Association) December 1983, pp 2,7.
Shabono has been described by one reviewer (Kendall 1982) as an "anthro-romance", by another (Vesper 1982) as a "modern-day version of the British colonial novel", and in the pages of the American Anthropologist Picchi (1983:674) as well-written but with a narcissistic focus. Adding to the evaluations of this book is not the purpose of our commentary. As the former committee of a previously registered graduate student, now turned author, it is incumbent on us to provide some information to the serious implications raised by Holmes (AA 1983:664), who strongly suggests affinities of this book with a previously published account of life with the Yanoáma by Helena Valero (1971). When Shabono was first published, this committee did express our concern privately to a prominent Yanomama scholar. Since that time three issues now force us to make a public statement. The first is the commentary by Holmes; the second is the fact that the author of Shabono, Florinda Donner, has been reported by the press as currently pursing her studies at UCLA (Japenga 1983), and the third is the reported chronology of the Yanomama peregrination which appears to show that it was done while Donner was a student under our supervision.
Legal and confidential factors constrain what her committee can report. We are not able, for example, to reveal Donner's name under which she was registered at UCLA. For convenience we will refer to her as Donner.
It should be immediately pointed out that the publication of Shabono was four years after Donner had allowed her graduate studies at UCLA to lapse, and that there had been no formal connection between this student and her committee since the fall of 1977. Indeed, on publication of this book in 1982,, this committee was not even aware that its author was our ex-student. It was only after one reviewer, learning from the publishers that Donner had been at UCLA and eventually tracking down her chairman, that the connection was made (reported in Vesperi 1982). On learning that her student identity had now been discovered, Donner telephoned the chairman and acknowledged that she had changed her name and written this book.
Briefly, all that we are advised to report on Donner's graduate career is the historical record. She entered the anthropology department as a graduate in 1972. She was advanced to doctoral candidacy in April, 1976. She applied successfully for leave of absence for 1977-78, after which time she never re-registered. It is true to state that Ms. Donner was in good scholastic standing when she left.
Donner's graduate committee approved her dissertation proposal, which was for the study of curing practices at Curiepe, on the coastal region of Venezuela, which she subsequently reported. It may be pertinent to state that the graduate record indicated that another research proposal was earlier made in the spring of 1973 for a study of curanderos in Tucipata, described as an urban center on the Orinoco river in Venezuela. This proposal stated that she had already made a visit to this town.
All the time that Donner was under our supervision she never informed this committee of any extended visit, research or contact with the Yanomama. We find it perplexing that she failed to tell us of this undoubtedly exciting trip and of her traumatic experiences with the people there. Thus this committee regrets that we are unable to provide any information on this reported field experience. It would be helpful if Donner had been precise as to exactly when this trip was made. In Shabono there are no dates whatsoever. It was only subsequent to publication of the book that some dates have been reported to reporters for local presses. These dates have left this committee further puzzled. From Vesperi (1982) the chronology was given out as 1976-77. From Japenga (1983) the dating was extended to "about 10 years ago". This implies that the period was 1974-75, or perhaps 1975-76, which would mean that it was before her research visit to the coast. It is possible that will never know for sure, as from the helpful interview with Japenga (1983) we learn that "Donner said she gave up keeping track of the years when she lived with Ritimi, Tutemi and Texoma, her Yanomama friends, who never saw a need to count higher than three".
Holmes makes the point that by "coincidence" Carlos Castaneda graced the jacket cover with his comments. By further coincidence, and as an aficionado of the Don Juan series could scarcely miss, an entire chapter in Castaneda's sixth book (1981) was devoted to a certain sorceress by name of Florinda. This lady taught Castaneda the art of "stalking" (original italics). Alluding to stalkers she said: "If they're not afraid of being a fool, they can fool anyone" (Castaneda 1981:293). Perhaps there is some truth in this.
D.R. Price-Williams 
R.B. Edgerton
L.L. Langness 
University of California, Los Angeles.


REFERENCES CITED
Castaneda, Carlos. 1981. The Eagle's Gift. New York: Simon and Schuster Holmes, Rebecca. 1983 "Shabono: Scandal or superb social science?" American Anthropologist, 85: 664-667. 
Japenga, Ann. 1983. "The saga of a cultural cross-over". Los Angeles Times, September 11 
Kendall, Elaine. 1982. "Review of Shabono by Florinda Donner." Los Angeles Times, May 9 
Picchi, Debra. 1983. "Review of Shabono by Florinda Donner. American Anthropologist 86: 674-675 
Valero, Helena: as told to Ettore Biocca. 1971 Yanoáma: the narrative of a white girl kidnapped by Amazonian Indians. New York: E.P. Dutton 
Vesperi, Maria D. 1982. "Mystery clouds the air in tale of Indian life". St. Petersburg Times (Florida), April 25.

domingo, 20 de junho de 2010

Carlos Castaneda, um antropólogo

"Da forma como os Azande os concebem, bruxos não podem evidentemente existir." (Evans-Pritchard)


"Everything you can imagine is real." (Pablo Picasso)


"... nosso trabalho precisa ser um reflexo completo de nossas vidas." (Carlos Castaneda, Prefácio para The Witchs'Dream, de Florinda Donner)


Carlos Castaneda e seus discípulos:

1) Amy Wallace

Amy Wallace é autora do livro Aprendiz de feiticeito: minha vida com Carlos Castaneda. Sua figura se tornou bastante central na concepção do público americano em relação a Castaneda. Quanto a esta relação, que se torna central para o público, entre o antropólogo e uma mulher, é interessante pensar à luz de Michel De Certeau:

“A estrutura binária formada (juízes – feiticeiros) se torna ternária, e é o terceiro termo, as mulheres possuídas, quem recebe a maior proporção da atenção pública: em outras palavras, as mulheres se tornam vítimas, e já não são mais culpadas." (The Possession at Loudun, p. 4)

2) Florinda Donner-Grau

Conheceu Castaneda quando estudava antropologia na UCLA, e este havia publicado seu livro Uma Estranha Realidade. Florinda inicia sua carreira de antropologia na UCLA, realizando seu mestrado e entrando para o doutoramento. É considerada, pela narrativa norte-americana em torno de Carlos Castaneda, uma de suas feiticeiras-seguidoras, ou seja, uma antropóloga-feiticeira.

Publicou os seguintes livros:
Shabono: A visit to a remote and magical world in the South American rainforest (1982)
The Witch's Dream (a versão traduzida para o português pela Editora Record - Coleção Nova Era, leva o título A bruxa e a arte do sonhar)
Being-In-Dreaming: An Initiation Into the Sorcerers' World (a versão para o português leva o título Sonhos Lúcidos e está amplamente difundida em versão nuvem)

Em 1983, a American Anthropology (vol. 85, p. 664) publica o artigo "Shabono: Scandal or Superb Social Science?", que alegava que o livro Shabono, de Florinda, tinha muitas semelhanças com um livro publicado em 1971 por Ettore Bioca, o livro se chamava Yanoáma e se tratava de uma autobiografia oral de Helena Valero. Muito da narrativa (des)legitimadora do público norte-americano considera as obras de Florinda Donner-Grau ficções inspiradas na antropologia, uma contadora de histórias pseudo-antropológicas. Um bom filé para ser pensada nos termos de Roy Wagner, defensor da idéia de que toda antropologia é ficção.

3) Taisha Abelar

Se formou em antropologia na UCLA e lá conheceu Carlos Castaneda, de quem ficou muito próxima. Publicou o livro The Sorcerer’s Crossing: A Woman’s Journey em 1992.


Carlos Castaneda: bom para pensar

(1) A estreita relação entre a antropologia e a feitiçaria; assim como entre o feiticeiro e o antropólogo (VIVEIROS DE CASTRO, "Zenão e a arte da arquearia");

(2) Uma experiência antropológica que levou aos extremos a máxima do "levar a sério" o que os nativos pensam, chegando ao ponto de o antropólogo alegar estar perdendo suas próprias bases cosmológicas;

(3) A compreensão de um feiticeiro, a partir da aproximação que Castaneda intentou realizar, envolveu outro elemento interessantíssimo para tensionar a máxima antropológica do "levar a sério": a saber, a ingestão, da parte do antropólogo, de substâncias psicoativas (BURROUGHS, Naked Lunch);

(4) O quarto ponto diz respeito e costura todos os outros três: o que a obra e a experiência de Castaneda tensiona é o próprio estatuto do real. Sem apelar para as fracas concepções de crença ou pensamento, o que Castaneda corajosamente disse em seus livros é que aquilo que Don Juan lhe ensinara (e foram ensinamentos do olhar, do ver), existia.

(5) Exploração do inconsciente individual. Autoconhecimento via alteridade.

(6) Castaneda se torna um best-seller dos anos 70. Documentos históricos evidenciam seu maior sucesso entre jovens da contraculutura. A narrativa de seus três primeiros livros se aproxima bastante do estilo dos livros da contracultura: a velha história do jovem garoto se iniciando em um "outro tipo" de realidade está nos livros de Herman Hesse, Jack Kerouac (aqui a iniciação é na realidade do Zen budismo), o Holden Caufield de Apanhador no Campo de Centeio (iniciação da criança à juventude) e o cara que escreveu Trout fish in America (que é uma iniciação doida também a uma coisa parecida com um Tao Americano). Tudo isso pode ser pensado conectando o belo curso de literatura norte-americana que fiz com o professor Eric em 2009.

(7) O mundo tem se tornado coerente pela nossa descrição dele. Desde o momento do nascimento, este mundo tem sido descrito para nós. O que vemos é apenas uma descrição.", palavras de Castaneda segundo a reportagem da TIME Magazine de 1973. Isso dá conta da necessidade da escrita, da construção de uma narrativa para as experiências tanto de Castaneda como de suas discípulas, que se tornarão bruxas e escreverão sobre isso.

sábado, 5 de junho de 2010

Florinda Donner - Shabono




"My experience with the Iticoteri, the inhabitants of one of these unknownshabonos, is what this book is about. It is a subjective account of the surplus data, so to speak, of anthropological field research I conducted on curing practices in Venezuela.

The most important part of my training as an anthropologist emphasized the fact that objectivity is what gives validity to anthropological work. It happened that throughout my stay with thisYanomama group I did not keep the distance and detachment required of objective research. Special links of gratitude and friendship with them made it impossible for me to interpret facts or draw conclusions from what I witnessed and learned. Because I am a woman; and because of my physical appearance, and a certain bent of character, I posed no threat to the Indians. They accepted me as an amenable oddity, and I was able to fit, if only for a moment in time, into the peculiar rhythm of their lives."
(DONNER, "Author's Note")

Duante seu campo, Florinda se vê confrontada pela validez de sua pesquisa: a coleta de dados se mostrava cada dia mais inútil, na medida em que as práticas de cura dos curanderos yanomami, quando escritas em papéis, de nada adiantavam, pois a cada dia que passava, os curanderos se negavam ter dito aquilo que Florinda anotara. Isto porque o passado ou o futuro nada representam para os yanomami. Como diz Dona Mercedes à Florinda,"If I really said these things, it's your doing. Every time you ask me about curing I start talking without really knowing what I am saying. You always put words into my mouth. If you knew how to cure, you wouldn't bother writing or talking about it. You would just do it.". Ou seja, dona Mercedes dizia que escrever as palavras era o que Florinda fazia: se ela soubesse curar, ela não escreveria, apenas curaria.


"After transcribing, translating, and analyzing the numerous tapes and hundreds of pages of notes gathered during months of field work among three curers in the Barlovento area, I had seriously begun doubting the validity and purpose of my research. My endeavor to organize the data into a meaningful theoretical framework proved to be futile, in that the material was ridden with inconsistencies and contradictions.

The emphasis of my work had been directed toward discovering the meaning that curing practices have for the healers and for their patients in the context of their everyday life activities. My concern had been in discerning how social reality, in terms of health and illness, was created out of their interlocked activity. I reasoned that I needed to master the manner in which practitioners regard each other and their knowledge, for only then would I be able to operate in their social setting and within their own system of interpretation. And thus the analysis of my data would come from the system in which I had been operating and would not be superimposed from my own cultural milieu.

(...)

However, dona Mercedes was not interested at all in what she had said months earlier. To her that was something in the past and thus had no validity. Boldly she gave me to understand that the tape recorder was at fault for having recorded something she had no memory of having said. "If I really said these things, it's your doing. Every time you ask me about curing I start talking without really knowing what I am saying. You always put words into my mouth. If you knew how to cure, you wouldn't bother writing or talking about it. You would just do it. (...) "I really can't understand why you get so upset about what your machine says and what I say," dona Mercedes observed, lighting another candle on the altar. "What difference does it make about what I do now and what I did a few months ago? All that matters is that the patients get well. Years ago, a psychologist and a sociologist came here and recorded everything I said on a machine like yours. I believe it was a better machine: It was much larger. They were only here for a week. With the information they got, they wrote a book about curing.""


Florinda não queria acreditar que todo seu trabalho resultava inútil. Até que, cheia de cólera, disse a dona Mercedes que, se escrever as curas era tão inútil, que ela queimasse todas as anotações de Florinda. Dona Mercedes queimou, folha por folha, as anotações de Florinda. Para Mercedes, a única forma de se aprender algo sobre a cura era praticando-a. Dona Mercedes diz que Florinda deveria desencanar um pouco dessa história de etnografia da cura e ir caçar com seus amigos. Mercedes diz, misteriosamente a Florinda, que quando ela voltasse, nada daquilo faria mais sentido para ela.

Florinda parte com seus amigos para uma missão de padres, mais adentro da floresta, mas não vai caçar com eles. Lá chegando, é interpretada por uma velha índia, Angelica, que acha que Florinda é uma mulher tão esperada por ela: quando moça, um adivinho disse à Angélica que alguém viria somente para levá-la de volta à sua terra. Florinda é posicionada por Angélica, e se deixa posicionar: parte com Angélica e seu filho, Milagros, para o interior da floresta, em direção a aldeia de origem de Angélica.


"I knew it was you who would take me to my people- I knew it the moment I saw you." There was a long pause. She either did not want to say anything else or was trying to find the appropriate words. She was watching me, a vague smile on her lips. "You also knew it- otherwise you wouldn't be here," she finally said with utter conviction.
I giggled nervously; she always succeeded in making me uneasy with that intense glint in
her eyes. "I'm not sure what I'm doing here," I said. "I don't know why I'm going with you."
"You knew you were meant to come here," Angelica insisted.
(...)
"I waited a long time," Angelica went on. "I had almost forgotten that you were supposed to come to me. But when I saw you I knew that the man had been right. Not that I ever doubted him, but he had told me so long ago that I believed I had missed my chance."
"What man?" I asked, lifting my head from her lap. "Who told you I was coming?"
"I'll tell you another time."



No sexto dia de caminhada, Angélica morre. Seu filho Milagros queima seu corpo, colocando suas cinzas e seus ossos em piras, para levá-la ao seu povo. É então que Milagros revela à Florinda:

"One of our shamans told Angelica that although she would leave her settlement, she would die among her own people, and her soul would remain a part of her tribe." Milagros looked at me sharply as I was about to interrupt him. "The shaman assured her that a girl with the color of your hair and eyes would make sure that she did."

(...)

Florinda se deixa posicionar, é colocada na posição de irmã de Ritimi, se pinta, dorme com os índios, mantém contato físico: até aí, tudo bem, nada de novo para a antropologia. O que é nova é essa sua narrativa subjetiva (ou melhor, nova para seu tempo, os anos setenta), uma antropóloga que se coloca, e se coloca muitas vezes no dilema de não conseguir ser tratada como uma antropóloga. Florinda recebe, para beber, uma sopa contendo as cinzas de Angelica: é então que ela percebe que os ianomami haviam-na deixado percorrer cabana por cabana, fazendo perguntas e conhecendo as famílias, não porque ela era uma antropóloga, mas porque ela deveria ser os olhos que Angélica não teve para rever a sua tribo pela última vez.

Quando estava caminhando pelas montanhas com Etewa e Ritimi em direção ao shabono, após uma viagem a uma tribo inimiga para participar de uma festa, Florinda avança nesta percepção de o que ela signifcava para os ianomami, além de objetivar a nova relação com o tempo que havia aprendido com os ianomami, deixando para trás a percepção de tempo que carregara anteriormente:

"Soube repentinamente que se os iticoteris nunca haviam se mostrado curiosos a respeito de meu passado era por eleição e não por falta de interesse. Para eles, eu não tinha história pessoal. Somente assim poderiam me aceitar como algo mais que um ser estranho. Os acontecimentos e relações do passado haviam começado a desaparecer da minha cabeça. Não que eu os houvesse esquecido: simplesmente havia deixado de pensar neles, porque não tinham significado ali, na floresta. Como os iticoteris, eu havia aprendido a viver o presente. O tempo estava fora de mim. Era algo que eu deveria utilizar somente no momento. Uma vez usado, se fundia novamente em si mesmo e se convertia em uma parte imperceptivel em meu ser interior."

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Michel Foucault, História da Loucura

"A Igreja não aplica sanções contra um sacerdote que se torna insano; mas em Nuremberg, em 1421, um padre louco é expulso com uma particular solenidade, como se a impureza se acentuasse pelo caráter sacro da personagem, e a cidade retira de seu orçamento o dinheiro que devia servir-lhe de viático." (FOUCAULT, p. 11, Ed. Perspectiva 2004)

A nau dos loucos (Sultifera Navis, Narrenschiff), ou sobre confiar os loucos aos marinheiros:


A Sultifera Navis de Hieronimus Bosch. Quem são esses religiosos? Comporiam, também, a tripulação de loucos? Bosch se inspirou na sátira Das Narrenschiff (1494), de Sebastian Brant, para formular este quadro. Sobre Bosch, ver também MILLER, Henry, "Big Sur and the oranges of Hieronimus Bosch".


"Esta navegação do louco é simultaneamente a divisão rigorosa e a Passagem absoluta. Num certo sentido, ela não faz mais que devolver, ao longo de uma geografia semi-real, semi-imaginária, a situaçào liminar do louco no horizonte das preocupações do homem medieval - situação simbólica e realizada ao mesmo tempo pelo privilégio que se dá ao louco de ser fechado às portas da cidade: sua exclusão deve encerrá-lo; se ele não pode nem deve ter outra prisão que o próprio limiar, seguram-no no lugar de passagem, Ele é colocado no interior do exterior, e inversamente. Postura altamente simbólica, e que permanecerá sem dúvida a sua até nossos dias, se admitirmos que aquilo que outrora foi fortaleza visível da ordem tornou-se agora castelo da nossa consciência. (...) É o Passageiro por excelência, isto é, o prisioneiro da passagem. E a terra a qual aportará não é conhecida, assim como não se sabe, quando desembarca, de que terra vem. Sua única verdade e sua única pátria são essa extensão estéril entre duas terras que não lhe podem pertencer. (...) Uma coisa pelo menos é certa: a água e a loucura estarão ligadas por muito tempo no sonho do homem europeu." (FOUCAULT, p. 12, Ed. Perspectiva 2004)

A navegação dos loucos, marcante em toda a Idade Média, só vêm à tona nas iconografias e na literatura bruscamente no século XV, pois a nau "simboliza toda uma inquietude, soerguida subitamente no horizonte da cultura européia, por volta do fim da Idade Média. A loucura e o louco tornam-se personagens maiores em sua ambiguidade: ameaça e irrisão, vertiginoso desatino do mundo e medíocre ridículo dos homens." (FOUCAULT, p. 14, Ed. Perspectiva 2004)

A loucura e o fim do mundo: um animal espreita o homem


Pintura de Grunewald, A Tentação de Santo Antônio. Temos aqui o santo ermitão assolado por um completo arsenal de monstros infernais. Pintura rica em implicações sobre o fantástico, o drama do duplo, as alucinações ou estados alterados de consciência como tragédia, quando relacionados aos dramas do demônio e da culpa.

"... agora a sabedoria consistirá em denunciar a loucura por toda parte, em ensinar aos homens que eles não são mais que mortos (...) (FOUCAULT, p.16).

Somos covardes, mesquinhos e indolentes
velhos, cobiçosos e maldizentes,
Vejo apenas loucas e loucos
O fim se aproxima em verdade.
Tudo vai mal (EUSTACHE DESCHAMPS, citado por Foucault, p. 16)

"Agora, os elementos inverteram-se. Não é mais o fim dos tempos e do mundo que mostrará retrospectivamente que os homens eram uns loucos por não se preocuparem com isso; é a ascensão da loucura, sua surda invasão, que indica que o mundo está próximo de sua derradeira catástrofe, é a demência dos homens que a invoca e a torna necessária." (FOUCAULT, p. 17)

"No pensamento da Idade Média, as legiões de animais, batizados definitivamente por Adão, ostentavam simbolicamente os valores da humanidade. Mas no começo da Renascença, as relações com a animalidade se invertem: a besta se liberta, escapa do mundo da fábula e da ilustração moral a fim de adquirir um fantástico que lhe é próprio. E, por uma surpreendente inversão, é o animal, agora, que vai espreitar o homem, apoderar-se dele e revelar-lhe sua própria verdade. (...) A animalidade escapou à domesticação pelos valores e pelos símbolos humanos; e se ela agora fascina o homem com sua desordem, seu furor, sua riqueza de monstruosas impossibilidades,é ela quem desvenda a raiva obscura, a loucura estéril que reside no coração dos homens." (FOUCAULT, p. 18)


A simbolização da loucura traz consigo os animais enquanto bestas perigosas e impuras: traz consigo a verdadeira desordem de um fim catastrófico do mundo, no entrecruzamento de sentidos, ou excesso de sentidos sobre as coisas. Este século XV, da passagem entre uma Idade Média e a Idade Moderna, vivencia deveras a Passagem: é o Satã quem vai ser recuperado, e quem vai espreitar os homens em sua locuura e animalidade, que os habita internamente. "Trata-se de um perigo mudo, de uma alteridade que provém "do outro mundo", mas que invade esse como que saindo das entranhas da própria terra. E o sábio, diante dessa alteridade, se inclina, fascinado por esse murmúrio que pode revelar a própria verdade do homem." (segundo um texto de Catatau)

A tragédia da loucura e o nascimento do sujeito

O século XVII, com Descartes, vê o advento da ratio (razão). Com e para a ratio, o século XVII criou diversas casas de internação, inventou o hospital para loucos e solidificou a idéia de que o louco deveria ser internado. “A não-razão do século XVI constituía uma espécie de ameaça aberta cujos perigos podiam sempre, pelo menos de direito, comprometer as relações da subjetividade e da verdade.” (FOUCAULT, p. 47). O inevitável cortejo da razão precisa da loucura como sua alteridade, como sua régua de medida. “Sob controle, a loucura mantém todas as aparências de seu império. Doravante, ela faz parte das medidas da razão e do trabalho da verdade.” (FOUCAULT, p. 43)


Para talhar este sujeito racional, será preciso todo um suporte moral, cosmológico e espacial: a subsistência, a boa conduta, a ordem geral. Mas a loucura continuará sempre à espreita, junto com outros sinônimos seus, os pobres, doentes, miseráveis; todos eles se opondo simbolicamente a esta ordem (e coerencia) esterilizada que se quer instituir. “(...) preocupação burguesa de pôr em ordem o mundo da miséria; o desejo de ajudar e a necessidade de reprimir; o dever de caridade e a vontade de punir; toda uma prática equívoca cujo sentido é necessário isolar, sentido simbolizado sem dúvida por esses leprosários, vazios desde a Renascença mas repentinamente reativados no século XVII e que foram rearmados com obscuros poderes. O Classicismo inventou o internamento, um pouco como a Idade Média a segregação dos leprosos (...)” (p. 53). A miséria (e sinônimos vadiagem, insanidade, má conduta) se insere numa relação entre a ordem e a desordem, passando de uma experiência religiosa que santifica para uma concepção moral que a condena. Toda essa coerencia implantada sob a ótica da ordem acontece junto ao processo da Reforma Protestante, que traz consigo a cosmologia capitalista de que trabalhar é bom e faz você ir para o céu. Desse modo, cria-se uma sensibilidade que inventa um policiamento para impedir a mendicância e a ociosidade, bem como as fontes de todas as desordens. A miséria e a mendicância é assim despida de todo seu sentido místico e sagrado – este sagrado impuro – e a partir de então, este tema não será mais tão claro, posto que se enviezaram mística e moral (uma moral que sustenta todo um sistema econômico).

sexta-feira, 19 de março de 2010

Carlos Castaneda - bibliografia a respeito

LUCAS FELIX DE OLIVEIRA
Mestrado em Mestrado em Ciências e Valores Humanos .
Universidade de Uberaba, UNIUBE, Brasil.
Título: Convergências entre a antropologia de Carlos Castaneda e a Psicologia transpessoal, Ano de Obtenção: 1999.
Orientador: Prof. Dr. Carlos Rodrigues Brandão.
Palavras-chave: Psicologia; Psicoterapia; antropologia.
Grande área: Ciências Humanas / Área: Psicologia / Subárea: Tratamento e Prevenção Psicológica.
Setores de atividade: Saúde e Serviços Sociais.



FREDERICO CËSAR BARBOSA DE OLIVEIRA
Mestrado em Antropologia Social .
Universidade de Brasília.
Título: Carlos Castaneda e uma viagem pela alteridade, Ano de Obtenção: 2005.
Orientador: Lia Zanotta Machado.
Bolsista do(a): Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, , .
Palavras-chave: Antropologia do Conhecimento; Emoção no Encontro Etnográfico; Alteridade.

Artigos completos publicados em periódicos
1. BARBOSA DE OLIVEIRA, Frederico César . A estrutura outrem no processo de conhecimento de outros mundos possíveis. Revista Brasileira de Sociologia da Emoção, v. 6, p. 102-117, 2007.
2. BARBOSA DE OLIVEIRA, Frederico César . O projeto das Antropologias Mundiais diante dos desafios da alteridade no mundo globalizado. Revista Anthropológicas, v. 18, p. 7-35, 2007.
3. BARBOSA DE OLIVEIRA, Frederico César . O lugar da emoção no encontro etnográfico: Carlos Castaneda e a linguagem da diferença.. Revista Ecos (Cáceres), Cáceres/MT, v. 10, p. 35-49, 2006.
Trabalhos completos publicados em anais de congressos
1. BARBOSA DE OLIVEIRA, Frederico César . Uma teoria sobre a alteridade na obra de Carlos Castaneda: como texto em sua forma ritual é capaz de produzir o convencimento. In: XXIV Reunião Brasileira de Antropologia, 2006, Goiânia. Anais da XXV RBA REUNIÃO BRASILEIRA DE ANTROPOLOGIA, 2006.

Richard de Mille

DE MILLE, R. Castaneda's Journey: the power and the alegory (2000)

DE MILLE, R. The Don Juan papers: further Castaneda controversies [1980] -> Esse livro parece ser bem legal, o cara reúne um monte de gente para escrever pequenos textos sobre o Castaneda ser uma farsa. Inclusive tem um texto da Mary Douglas, "The Autenticity of Castaneda".


Daniel Noel

Escreveu uma biografia sobre Carlos Castaneda: Carlos Castaneda - ombres et lumières

Também escreveu:

NOEL, Daniel. “Taking Castaneda Seriously - paths of explanation” In In a Wayward Mood: Selected Writings 1969-2002

NOEL, Daniel. The soul of shamanism: western fantasies, imaginal realities (1998)

NOEL, Daniel. Seeing Castaneda: reactions to the "Don Juan" writings of Carlos Castaneda

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Ninth Floor

http://www.antropologiavisual.cl/giordano.htm#16

http://mediastorm.org/0021.htm

http://blog.photoshelter.com/2008/04/jessica-dimmock-and-the-ninth-floor.html

http://blog.innerpendejo.net/category/fotografia

domingo, 24 de janeiro de 2010

Regime Psicodélico

"O regime psicodélico permitirá a cada um compreender que não é um robô posto sobre a terra para receber um número de seguro social e ser agregado às agrupações que são a escola, a carreira, os seguros, os funerais, as despedidas. Graças ao LSD todo ser humano saberá compreender que a história completa da evolução está registrada em seu corpo" - Antonio Escohotado, Historia de las Drogas Madrid: Alianza Editorial, 1995, p. 64

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Poder local e xamãs urbanos: Manuela Carneiro da Cunha

Excertos do artigo:
CARNEIRO DA CUNHA, Manuela. "Pontos de vista sobre a floresta amazônica: xamanismo e tradução" MANA, vol. 4, n. 1, 1998.


Há aqui uma ressonância ¾ que não terá passado despercebida aos antropólogos ¾ com o xamã da "Introdução à Obra de Marcel Mauss" (Lévi-Strauss 1950), com a diferença que Lévi-Strauss, se acredita na pretensão, certamente não subscreve a realidade de uma língua adâmica. Mas a transposição de contradições reais em diferentes códigos, como se, de tanto traduzi-las, fosse possível resolvê-las, a dolorosa sensibilidade do xamã às dificuldades e armadilhas dessas passagens entre códigos que jamais são inteiramente equivalentes, não é nisto que consiste o trabalho do tradutor?

A síntese original, o sistema sintagmático no qual há necessidade de aderência entre o som e o sentido, no qual o som e o sentido se ajustam sem falhas como o fruto e sua pele (Benjamin 1968), tudo isso se dissolveu. O que se trata de (re)construir é uma síntese original, uma nova maneira de pôr em relação níveis, códigos, pô-los em ressonância, em correspondência, de modo que esse mundo novo ganhe a consistência desejada para que se torne evidente (Taylor 1995). Em suma, que adquira um sentido, pois o sentido é, ao fim e ao cabo, a percepção de relações, uma "rede de associações que se referem umas às outras, semelhante a um dicionário ou a um banco de dados relacional" (Crick e Koch 1997:33). Quanto mais essas conexões se multiplicam, mais o sentido se enriquece: fórmulas da neurociência que lembram imediatamente a antiga questão do que, na análise estrutural dos mitos, significa "significar". O trabalho do xamã, sua esfera de competência, é essa tentativa de reconstrução do sentido, de estabelecer relações, de encontrar íntimas ligações. Não é, portanto, a coerência interna do discurso o que se procura, sua consistência advém antes do reforço mútuo dos planos em que se exprime, do habitus em suma.

Um exemplo: entre os Shipibo-Conibo (Gebhardt-Sayer 1986) ¾ grupos Pano ribeirinhos ¾, os textos dos cantos xamânicos obedecem a regras distintas das que regem as melodias. Amplamente improvisadas, as palavras descrevem um itinerário, balizam-no, traçam o sentido de seu percurso. Em contrapartida, as melodias, que formam um corpus que não de umas trinta unidades, são a tradução sonora de desenhos, de motivos pictóricos ¾ os quene (ou kene) ¾ que o dono do ayahuasca exibe ao xamã e que este transpõe simultaneamente para um código sonoro. Este código é decifrável, visto que pode ser retraduzido em uma forma visual. Conta-se (e pouco importa se a história é autêntica) que, antigamente, duas mulheres, sentadas de lados opostos de um grande vaso a ser decorado, eram capazes ¾ sem se verem e unicamente guiadas pelos cantos xamânicos ¾ de pintar os mesmos motivos e de fazê-los se juntarem nas extremidades (Gebhardt-Sayer 1986:210-211). A codificação sonora das visões e sua decifração permitem, assim, obter tanto desenhos imateriais, aplicados sobre os doentes a serem curados, quanto desenhos materializados sobre vasos, tecidos e corpos. Os aromas acrescentam um código olfativo aos precedentes, de tal modo que "os sons, as cores e os odores correspondem".

Carlito é Kaxinawá. Vende picolé nas ruas de Rio Branco, capital do Acre, e vez por outra trabalha como assistente de antropólogos e de uma ONG. Mas é xamã também, misturando técnicas emprestadas dos Yawanaua e Katukina do Gregório e do Tarauacá, combinadas com rituais tomados da umbanda, aprendidos em Belém e Manaus. Sua clientela é formada por sua própria e grande família e por antigos seringueiros dos bairros mais pobres de Rio Branco. Nada disso nos surpreende mais. Tampouco nos surpreendem seu conhecimento das crenças xamânicas ashaninka e seu relativismo.

(...)

Todos os japós são humanos. Isto todo mundo percebe, já que eles vivem em sociedade, e tecem seus ninhos: são, em suma, tecelões como os Ashaninka. Os xamãs que, sob o efeito do ayahuasca, sabem ver de forma adequada, comprovam essa condição humana dos japós: vivem ao modo dos homens, cultivam mandioca, bebem kamarãpi (ayahuasca), bebem cerveja de mandioca (caissuma). São inclusive superiores aos homens, na medida em que observam a paz interna e vivem sem discórdia. São os filhos que Pawa, o sol, deixou na terra, são os filhos do ayahuasca. Entre os japós, pássaros tecelões, o tsirotsi ou japiim (Cacicus cela) ocupa uma posição particular e suscita um interesse muito especial. Os tsirotsi vivem em bandos de uns trinta pássaros, particularmente associados, que tecem seus ninhos muito perto uns dos outros em uma mesma árvore. Escolhem a árvore por ela abrigar ninhos de certas vespas ou formigas cujas picadas são especialmente dolorosas. É esta, diz-se, a sua polícia, que os protege dos predadores, como o gambá, por exemplo. Os tsirotsi são pacíficos e só se tornam ferozes quando é o caso de defender os ovos brancos com pintas contra a cobiça dos tucanos e dos araçaris. O macho e a fêmea guardam os ovos juntos, mas só a fêmea trabalha, ao passo que o macho canta. Nada disso é muito excepcional entre os japós. O que, no entanto, distingue os japiim de todos os outros pássaros, é a capacidade que lhes é atribuída de imitarem os chamados e os ruídos que escutam, sejam estes os cantos de outros pássaros, o tambor dos Ashaninka, o latido dos cães ou o choro das crianças (Pianko e Mendes no prelo).

Os xamãs têm uma associação muito especial com o tsirotsi, o japiim. Como Carlito afirma, este pássaro é um poderoso xamã. Os tsirotsi (ou tsiroti), segundo uma história recolhida junto a outros Ashaninka por Fernandez (1986:70 e ss.), são inclusive os descendentes de xamãs, que o personagem mítico Avireri, aquele que transformou alguns Ashaninka em animais, mudou, por distração, em pássaros. Esses xamãs ¾ pai e filho ¾ sabiam imitar todos os gritos de animais e eram, por conseguinte, grandes caçadores. O filho casou-se com uma mulher de olhos azuis: todos os seus descendentes tinham olhos azuis também. Eis aqui explicitada a relação xamã-caçador, por intermédio do japiim. A particularidade de imitar os chamados de outros animais é posta a serviço da caça. Com efeito, é assim que procede o bom caçador: finge utilizar uma linguagem que não é a sua, uma linguagem de sedução, aquela por meio da qual os machos e as fêmeas se atraem. A relação da caça e da sedução é um tema tipicamente amazônico (ver, p. ex., Descola 1986), mas, aqui, esse tema se encarna em uma linguagem que não comunica, ou melhor, cuja única mensagem é o grito que atrai, que seduz. É um chamariz, uma isca. Um som sem sentido, um som com sentido único.

O japiim fala línguas que não são as suas, línguas estrangeiras que, nele, nada comunicam, exceto a sedução e a predação. Ele é uma ponte ilusória entre formas do ser. Corresponde, no mundo animal, àquela escada xamânica que liga mundos cortados entre si. É notável que na ausência do personagem japiim, utilizado para outros fins entre os grupos Pano da floresta, a mesma associação entre cantos xamânicos, mimetismo sonoro e caça esteja presente entre os yaminahua do Peru (Townsley 1993:454).

(...)

Vimos que na prática xamânica opera um princípio semelhante, e isto não nos deve surpreender, dada a circularidade que opera na construção de esquemas conceituais. Para o xamã de um mundo novo, de pouca valia serão seus antigos instrumentos, as escadas xamânicas que lhe dão acesso aos diversos planos cosmológicos (Weiss 1969; Chaumeil 1983), sua aprendizagem, seus espíritos auxiliares, suas técnicas; montagens de outras técnicas podem ser preferíveis. Mas, ainda assim, cabe-lhe, "por dever de ofício", mais do que pelos instrumentos conceituais tradicionais, reunir em si mais de um ponto de vista. Pois, apenas ele, por definição, pode ver de diferentes modos, colocar-se em perspectiva, assumir o olhar de outrem (Viveiros de Castro 1996). E é por isso que, por vocação, desses mundos disjuntos e alternativos, incomensuráveis de algum modo, ele é o geógrafo, o decifrador, o tradutor.

Vê-se, portanto, que o "perspectivismo" amazônico que Eduardo Viveiros de Castro (1996) pôs em destaque em um artigo notável, e do qual extraiu várias implicações, se manifesta como um esquema em vários planos. Pois o problema geral do perspectivismo, aquele que Leibniz e Giordano Bruno descobriram, é justamente a questão da unidade, do invólucro, da convergência no sentido matemático, da série dos pontos de vista. Em suma, o problema da tradução. Não é sem dúvida fortuito que Leibniz e Benjamin adiantem uma solução semelhante: o que permite a totalização dos pontos de vista singulares e irredutíveis é a ressonância, a harmonia (Benjamin 1968:79, 81; Deleuze 1988:33). Na Amazônia, diríamos: é o xamã.

(...)

De maneira fantasmática e à falta de outras instâncias, o controle se realiza pela conjunção, vista acima, entre o que é mais local e o que é mais global: Crispim, criado a jusante, se estabelece nas cabeceiras, na divisão das águas. O local mantém seus poderes, é até a fonte dos maiores poderes, e é nele que os xamãs urbanos irão prover-se. Mais uma vez, é seguindo os meandros de raciocínios aparentemente contraditórios que se pode esperar ultrapassar os paradoxos (Taylor 1995). Cabe, então, ao mais fraco, àquele que se acha o mais a montante na cadeia, ao colonizado, ao estrangeiro, efetuar uma tradução privilegiada: é por seu intermédio que o novo penetra o mundo (Bhabha 1994). Mas a inanidade da empresa permanece. Poder-se-ia ver nos esforços de tradução, de totalização, que evoquei, a tentativa, sempre votada ao fracasso, em qualquer escala que se a considere ¾ e no entanto sempre recomeçada ¾ de construir sentido.

O xamã de Introdução à Obra de Marcel Mauss

Reporto a um excerto do texto de Lévi-Strauss, Introdução à obra de Marcel Mauss, seguindo a perspicaz observação de Manuela Carneiro da Cunha em seu brilhante Pontos de vista sobre a floresta amazônica: xamanismo e tradução (MANA, vol.4, n. 1, 1998). Neste artigo, a autora sublinha o modo como Lévi-Strauss constrói a problemática do xamã a partir de Marcel Mauss, colocando em relação a psicopatologia ocidental e as condutas xamanísticas.

"Vê-se portanto que os etnólogos que pretendem dissociar completamente certos rituais de todo contexto psicopatológico são movidos de uma boa vontade um tanto timorata. A analogia é manifesta e as relações são talvez mesmo suscetíveis de medida. Isso não significa que as sociedades ditas primitivas se coloquem sob a autoridade de loucos, mas sim que nós mesmos tratamos às cegas fenômenos sociológicos como se eles pertencessem à patologia, quando nada tem a ver com ela, ou, pelo menos, quando os dois aspectos devem ser rigorosamente dissociados. Na realidade, é a noção mesma de doença mental que está em causa. Pois, se o mental e o social se confundem, como afirma MAuss, seria absurdo, nos casos em que o social e o fisiológico estão diretamente em contato, aplicar a uma das duas ordens uma noção (como a de doença) que só tem sentido na outra.
Ao entregarmo-nos a uma excursão, que alguns por certo julgarão imprudente, aos mais extremos confins do pensamento de Mauss e talvez até mais além, quisemos apenas mostrar a riqueza e a fecundidade dos temas que ele oferecia à meditação de seus leitures ou ouvintes. Sob esse aspecto, sua reivindicação do simbolismo como pertencendo integralmente às disciplinas sociológicas pode ser, como em Durkheim, imprudentemente formulada: pois, na comunicação sobre as Relações entre a psicologia e a sociologia, Mauss julga ainda possível elaborar uma teoria sociológicca do simbolismo, quando é preciso evidentemente buscar uma origem simbólica da sociedade. (...) Ainda assim é verdade que todas as ilusões ligadas hoje à noção de "personalidade modal" ou de "caráter nacional", com os círculos viciosos decorrentes, devem-se à crença de que o caráter individual é simbólico por si mesmo, quando, como Mauss nos advertia (e excetuados os fenômenos psicopatológicos), ele fornece apenas a matéria-prima, ou os elementos, de um simbolismo que - como vimos mais acima - mesmo no plano do grupo não chega nunca a se completar. (COSAC-NAIFY, p. 19-20).

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

D. M. TURNER, UM PSICONAUTA

D.M. Turner (born Joseph Vivian; 5 October 1962 - 31 December 1996) was an author, psychedelic researcher and psychonaut who wrote two books on psychoactives and entheogens. His more prominent book, The Essential Psychedelic Guide was the first of its kind and contains Turner's views on the subjective effects of various psychoactive and hallucinogenic mind-altering substances.

His other book, Salvinorin addressed salvinorin.

Turner died on New Year's Eve 1996 after injecting an unknown quantity of ketamine while in a bathtub[1]. It is believed that he drowned while incapacitated by the effects of the drug.


Writings


* The Essential Psychedelic Guide. Turner, D.M. 1994. (ISBN 0-9642636-1-0)
* Salvinorin: The Psychedelic Essence of Salvia divinorum. Turner, D.M. 1996. (ISBN 0-9642636-2-9)


SHAMANIC SACRAMENTS
- D. M. Turner


INTENSITY: 3 to 8 for most experiences.

MATERIAL:
Mescaline is a naturally occurring psychedelic found in several cactus species, most notably, Peyote (Lophophora williamsii) and San Pedro (Trichocereus pachanoi). Several other members of the trichocereus family also contain mescaline.

Mescaline belongs to a family of compounds known as phenethylamines, making it quite distinct from the other major psychedelics which belong to the indole family. LSD, psilocybin, harmaline, and DMT are all indoles. Many synthetic "designer" psychedelics, such as ecstasy (MDMA) and 2C-B, are phenethylamines, and are related to the chemistry of mescaline.

In addition to containing mescaline, the cacti mentioned above contain a large variety of related psychoactive compounds, and will produce experiences that are qualitatively different than pure mescaline. The experience produced by Peyote is also quite distinct from that produced by cacti from the trichocereus family.

The literature I've read indicates that many members of the trichocereus family are psychoactive. I've only tried three or four of these and found them to be basically equal in potency. Many references indicate that one variety, Trichocereus peruvianus, is several times as potent by weight as the other trichocereus species. Psychoactive species include:

T. bridgesii, T. cuzcoensis, T. fulvinanus, T. macrogonus, T. pachanoi, T. peruvianus, T. taquimbalensis, T. tersheckii, T. validus, T. werdermannius.

HISTORY:
Peyote and San Pedro are New World psychedelics. In ancient times their use was concentrated in the regions to which they are native. Peyote was used throughout Mexico to as far north as Texas, San Pedro in the Andes mountain region of South America. The earliest known depiction of San Pedro cactus is on a stone tablet found in Peru dating to 1300 B.C. Ritual objects containing images of Peyote have been found dating back to 500 B.C. The introduction of Peyote into the U.S. and Canada, and its use by North American Indian tribes, occurred much more recently, beginning sometime in the late 1800s.

As with mushrooms, the Roman Catholic church tried to abolish the use of Peyote and San Pedro. However, they were only partially successful. Peyote use spread from Mexico to North America, and the Native American Church was formed in 1918 to preserve Native Americans' right to use Peyote. And with San Pedro, the ceremony practiced by many South American shamans continued while incorporating several Christian symbols into the rituals. The name of a Christian saint was even adopted for the cactus.

Mescaline was the first psychedelic compound to be extracted and isolated, which occurred in 1896. In 1919 it became the first psychedelic to be synthesized. For the next 35 years it remained a somewhat obscure compound known primarily to the psychiatric community. In 1953 the popular novelist Aldous Huxley read about mescaline. Soon thereafter Huxley tried mescaline, and brought it to the attention of the public by writing The Doors of Perception.

Today, natives throughout North America still perform sacred Peyote rituals. In South America shamans continue to hold traditional San Pedro ceremonies which are associated with healing, imparting or counteracting witchcraft, and putting one in touch with supernatural and divinatory powers. A claim frequently heard about the San Pedro experience is that the user embarks on a flight of a telepathic nature being transported across time and space. A user who embarks on this "astral journey" may perceive events happening in distant parts of the world, or in metaphysical realms. This flight phenomenon, which I have not encountered in my experience with San Pedro, may result from solanaceous plants which are frequently included in the San Pedro brew and contain the Belladonna alkaloids.

SOURCES:
In the U.S. Peyote is illegal for all but members of the Native American Church, and it is seldom seen in the psychedelic underground. Apparently there is even becoming a shortage for the Native American population, since the cactus grows at a very slow rate. A typical 2" diameter Peyote button may require 20 years to reach that size, and it has been harvested much faster than it can grow for many years.

Synthetic or pure crystalline mescaline is one of the rarest psychedelics, and misrepresentation of other substances as being mescaline is very common. I've only come across true synthetic mescaline once in my life, but have seen items ranging from LSD to DOB (a relative of 2C-B) being sold as mescaline several times.

Illegal drug labs rarely produce mescaline for the underground market because of its inefficiency, high cost, and lack of a market. It requires approximately 1/2 gram of mescaline sulfate to produce a psychedelic trip. This same amount of material would represent 4 doses of ecstasy, 20 doses of 2C-B, 50 doses of psilocin, or 2500 doses of LSD. And without the large market of substances like ecstasy, smaller, less efficient batches must be produced, raising the cost of production even higher. The small amount of mescaline that is produced for the psychedelic underground typically fetches from $100 to $200 per gram, ($50 to $100 per dose), clearly too expensive to become a popular street drug.

Mescaline sulfate can be distinguished by the structure of its crystals. These are approximately 1/4" long and look like fine needles or shards of glass. The amount of mescaline needed for a high can fill two double 0 gelatin caps. Those who claim they've had mescaline in tiny microdot pills, or as a white powder in a capsule where only 1/8th of a gram produced a powerful experience, have been given something other than real mescaline. Another form of mescaline which I've never tried, mescaline hydrochloride, is said to be about 25% more potent than mescaline sulfate.

The most readily available source of mescaline is trichocereus cacti which can be found in many large nurseries, particularly ones that deal exclusively in cacti and succulents. I tend to buy only from nurseries that mark their cacti with the botanical names, and try to avoid asking for psychoactive cacti by name. I was quite blown out when a redneck cacti wholesaler responded to my request for Trichocereus peruvianus with "That's supposed to be a high alkaloidal content cactus, I don't know if that's the reason you're looking for it." Another cacti wholesaler sold me an unmarked cactus claiming it to be T. peruvianus. It was psychoactive, but no more so than other trichocereus species I've tried.

If the cacti sellers do not know people are buying their cacti for psychoactive purposes it is less likely to become an issue with the authorities. And since this magical plant is one of my favorite "legal" highs, I'd like to see it remain legal and available indefinitely. Trichocereus cacti are considered legal for ornamental purposes only. It is illegal to ingest, extract, or sell for psychoactive purposes: a fairly gray area of the law.

Before going cactus shopping I've found it useful to look at pictures and read physical descriptions of these varieties. Many large libraries will have a selection of books on cacti and possibly lexicons. Most varieties of trichocereus are difficult to tell apart, and I've even seen conflicting information in the keys of lexicons. However, these books should at least give one an idea of which cacti to examine the name tags on. These cacti are also frequently available from various herb and plant dealers that cater to the underground.

DOSAGE and PREPARATION:
The amount of mescaline sulfate required for a full experience is about 500 mg. (or approximately 350 mg. of mescaline hydrochloride) Pure mescaline should be taken in two half-doses about 30 minutes apart. This will minimize disturbance of the stomach, which usually passes after the first couple hours of the high. When consuming whole cacti one is actually taking a combination of alkaloids which synergistically interact with each other, producing an experience which is different, and sometimes more desirable, than pure mescaline.

The potency of Peyote, as well as different people's tolerance to it, seems to vary widely. Some people report powerful experiences from as few as three or four Peyote buttons. More often users consume 12 to 15 buttons, and eating more than two dozen is not unheard of. The amount of San Pedro one must consume to obtain the full effects is a piece approximately 10" long and 3" in diameter. Cactus is most potent when harvested during the hotter times of the year.

Trichocereus cacti are relatively quick growing and easy to make cuttings of. Each plant may produce one or more highs worth per year. When harvesting these cacti the top four inches of growing tip can be cut off to be replanted. A length from beneath this can then be cut to consume. The remaining cactus stub will also continue to grow, frequently putting out several branches where it was cut off. The tip cutting should be laid on its side in the sun until the exposed flesh calluses. Once this has occurred, it should be placed upright in a half soil/half sand mixture with good drainage. When cutting the lower, consumable section of the cactus, care should be taken to cut at an angle, going upwards toward the middle of the plant. The fleshy part of the cactus will shrink in where it was cut, and if cut straight across it will form a bowl that will hold water and tend to mold.

To prepare San Pedro for consumption I first cut out the spines, which is fairly easy to do on most trichocereus. The next step I take is to cut the skin off in "V" strips, cutting from the outside of each rib into the central section of the cactus. These "V" strips are saved as they contain the most potent flesh, although the skin itself is thick, waxy and not edible.

The process of eating San Pedro is definitely not fun. It can be tolerated by most serious trippers, but it is difficult to consume enough cactus to get a powerful high. The taste of different trichocereus species ranges from very bitter to tasteless, the varieties with less taste tending to have a slimy consistency. With these varieties the texture is the main obstacle to consuming large quantities. I chew the cactus to a pulp and then wash it down with some liquid. It also helps to eat some full-grain bread as I'm doing this to soak up the liquid in my stomach.

The dark green flesh next to the skin is the most potent part of the cactus and should be eaten first. I do this by flattening out the "V" strips and scraping the flesh off of the skin with my teeth. I then proceed to the central part of the cactus. This should be eaten around like corn on the cob. The flesh on the protruding ribs should be eaten first. The core is woody and not edible. The high begins coming on some 45 minutes after ingesting, and since it takes a while to consume the cactus, one may start feeling high while they are still eating.

The psychoactive alkaloids can also be extracted using water or alcohol. To extract in water one needs to mash the cactus and boil for several hours. One friend reports excellent results by boiling just the skin with 3/8" of flesh attached to it, evaporating off all the liquid at about 140 degrees F, and then powderizing the resulting residue and packing it in gelatin capsules.

Peyote is even more difficult to eat than San Pedro as the taste is extremely bitter. Some people find that by accepting the flavor and not cringing from it they are able to get past any aversion to eating it. One friend even told me that dried Peyote took on the flavor and consistency of good chocolate. However, those like myself who find the taste intolerable can pulverize the dried buttons and pack them into gelatin capsules.

THE HIGH:
The mescaline experience is my favorite of the traditional psychedelics (LSD, psilocybin, mescaline). I find it has the advantages of acid: a lucid, penetrating, focused ability of the mind, rather than the more dreamy, drifting state I get from mushrooms. However, I feel totally relaxed with mescaline, even calmer than I feel on mushrooms, and there's no trace of the metallic edge usually felt on acid.

Eating whole cactus produces a more body-oriented high than pure mescaline. San Pedro usually produces a very smooth, flowing experience. However, the effects of Peyote are quite different due to its unique mixture of alkaloids. With Peyote, the first couple hours of the experience are very dream-like, drifting, almost a delirium type state. During this time I feel groggy and sleepy and can do little more than lay back and sink into the feeling, which is not unpleasant. Some element of Peyote also acts as an emetic, making most people nauseous about two hours into the trip.

I find the mescaline experience to be more visual than mushrooms or acid. However, I've only experienced really spectacular visuals when using synthetic mescaline. My high tolerance to most psychedelics, along with the capacity of my stomach, has prevented me from ever being as high as I would have liked when eating whole cactus. Like psilocybin, mescaline tends to link me with collective evolutionary consciousness more than synthetics like LSD. The experiences produced by these natural psychedelics seem more "significant" than an acid high, which is more analytical. An acid high often seems to be a by-product of magnifying the mind, whereas with mushrooms and cactus one feels they are in touch with something ancient, spiritual, and personal. Mescaline has a unique signature in this context which I find most magical, a feeling that the Gods or protective allies are smiling down on me. The duration can be 6 to 14 hours depending on the amount consumed. The "coming back" portion of a mescaline trip is smoother than with the other traditional psychedelics. And I've never felt the "drained of energy" or "neural overload" feeling that can come after an intense acid trip. This allows for a more conscious and therapeutic return to regular consciousness, after which I can easily sink into sleep and wake up feeling refreshed.

Some aspects of the mescaline high are quite distinct from LSD or mushrooms. The visions produced by mescaline have a different character and structure. When being overtaken by a full strength mescaline trip, I've felt more than with any traditional psychedelic that I was an extraterrestrial being, immersing myself in new sensory phenomena for the first time. Where LSD or psilocybin heighten and clarify the sense of hearing, mescaline produces auditory hallucinations, heightening the hearing sense but also causing sounds to be quite different than normal. Mescaline also sharpens the olfactory sense to a much finer degree than LSD or psilocybin. I've particularly noted this in my ability to perceive the smells of numerous different plants when using synthetic mescaline outdoors. As for aphrodisiacal use of mescaline, wow!, it brought energies out of me that I never knew I had.

At the conclusion of this chapter is one of my favorite descriptions of a psychedelic experience. It illustrates the depth and spiritual significance that a mescaline experience can produce. This is a description of a Peyote experience which Bernard Roseman undertook with members of the Native American Church in the late l950s. It was published in The Peyote Story, Wilshire Book Company, 1963.
(FONTE: MESCALINE.COM)


PSYCHONAUT


Figura: cena de Altered States (1980), de Ken Russel.

A psychonaut (also spelled psychanaut or psychenaut) (deriving from the Greek ψυχή (soul) and ναύτης (sailor), that is, a sailor of the mind/soul) is a person who intentionally induces altered states of consciousness in an attempt to investigate his or her mind, and possibly to address spiritual questions through direct experience. Psychonauts tend to be pluralistic, willing to explore mystical traditions from established world religions, lucid dreaming, technologies such as brainwave entrainment, psychedelic drugs, entheogens, tantra, and sensory deprivation. Because techniques that alter consciousness can be dangerous, and can induce a state of extreme susceptibility, psychonauts generally prefer to undertake these explorations either alone, or in the company of people they trust.

Goals of psychonautic practices may be to answer questions about how the mind works, improve one's psychological state, answer existential or spiritual questions, or improve cognitive performance in everyday life.

(FONTE: WIKIPEDIA

E-mail para Maíra Vergotti

(em 20 de janeiro de 2010)

Má!

Que legal seu relato, me faz lembrar que a experiência existe de maneira tão bacana na escrita.

Cara, eu fiquei muito impressionada com o tamanho das mochilas que vcs carregaram para subir montanhas, 20-30kg! Meu deus, eu mal aguentei carregar minha pequena mochilinha pelas andanças nos Andes urbanos....

Pensei muito em vcs enquanto eu estava na Bolívia, na especialidade de vcs em lugares ermos, fiquei a fim de um estágio! Esse ano vou dar um upgrade na minha resistência física, e daí eu tento subir alguma coisa com vcs no fim do ano: vc deixa?? rs...

Bom, as coisas aqui em Campinas andam nas mesmas, tudo igual e dias lindos de férias de verão. Eu estou às voltas com um relatório científico para a fapesp, mas para falar a verdade, eu fiquei bastante impressionada com os xamãs urbanos que encontrei por La Paz, e mais ainda com um lance que usamos e descobrimos por lá, o cacto San Pedro, que é pura mescalina, usada demais pelo pessoal índio por lá.

Resultado: não páro de ler coisas incríveis sobre xamanismo (inclusive um artigo fascinante da Manuela Carneiro da Cunha que descobri ontem, sobre a ascensão do xamanismo urbano em situações de dominação), e tô tentada a dar um tempo, depois desse mestrado, nesses ares andinos, conviver um pouco com essa galera e depois ver se dá para fazer alguma coisa com isso na antropologia.

Bom, toda essa empolgação novidadeira está acabando com o meu tezão em estudar religião. O saco é ter que fazer um relatório sem ter feito campo algum. Por outro lado, estou empolgada em retornar meu tema para estudar o povo da rua, ou melhor, enfocar a etnografia na assistência que rola na rua: tive uma experiência louquíssima na cracolândia da Luz, que me suscitou umas revisões da proposta que eu tinha de estudar os toqueiros...

Mas sei lá, parece que eu tô cada vez mais certa de que queria estudar algum lance relacionado com uso de psicoativos, alteração dos estados de consciência, a la Castaneda, de preferência em algum povo exótico que faça uso de plantas alucinógenas em uma relação predatória, estética e fundamental.

Estou com muita saudade de conversar com vcs, ao vivo, que eu adoro.

Divirtam-se pelas neves aí!

bjos,
Fly,

Terence Mckenna e Política Psicodélica

LIVRO: CAOS, CRIATIVIDADE E O RETORNO DO SAGRADO: TRIÁLOGO NAS FRONTEIRAS DO OCIDENTE - Ralph Abraham, Terence Mckenna e Rupert Sheldrake. Editora Cultrix.


McKenna: A ciência e a política verde podem ser sacralizadas por meio da experiência psicodélica. A pessoa psicodélica sabe que o cientista que despreza pessoas curvadas em oração é um pobre tolo. Um partido verde que utilizasse uma linguagem mística, uma linguagem psicodélica, uma linguagem de integração com a natureza e com a emoção seria atraente ao extremo. É por isso que Rupert se mostra tão apaixonado pelos cultos da ayahuasca no Brasil, pois, em um novo nível, eles procuram preservar as florestas chuvosas e ajudar o povo dos duendes, mas, em outro nível, eles oferecem uma religião psicodélica que diz respeito à à imaginação, ao coração e à alma do mundo.


*** Este livro é a versão traduzida para uma jam entre os três autores: no original, a referência é a seguinte:

THE EVOLUTIONARY MIND
Conversations on Science, Imagination & Spirit

Rupert Sheldrake, Terence McKenna &
Ralph Abraham

DISPONÍVEL NO 4SHARED PARA BAIXAR.


TERENCE MCKENNA
Nov 16, 1946 - Apr 3, 2000 (2:15 am)

Summary

Terence McKenna was a psychedelic author, explorer, and showman. He was born in 1946 and grew up in Paonia, Colorado. In high school he moved to Los Altos, California and from there attended U.C. Berkeley for two years before setting off to travel. He travelled widely in Asia, South America, and Europe during his college years and his first book, co-authored with his brother Dennis McKenna, was based on their 1971 investigations of Amazonian hallucinogens.

In 1975, Terence graduated from Berkeley with a degree in ecology, resource conservation, and shamanism. Soon thereafter, he and Dennis pseudonymously published one of the earliest psilocybin mushroom growing guides under the names Oss and Oeric. Terence then spent some time doing large-scale farming of psilocybin mushrooms during the 1980s.

In 1985, Terence co-founded the non-profit Botanical Dimensions, with Kathleen Harrison-McKenna, to collect and propagate medicinal and shamanic plants from the tropics around the world. During the 90s, he wrote and lectured widely about shamanism, ethnopharmacology, and psychoactive plants and chemicals (especially psilocybin mushrooms and DMT). His sometimes fantasic theories, lectures, and writings led some to dismiss him as a kook, some to follow him as a visionary, and others to enjoy him as an intellectual entertainer.

He spent the last few years of his life living in Hawaii and died of brain cancer in 2000 at the age of 54.

Author of (Books)

# Entheogens and the Future of Religion (Contributor, 1997)
# The Politics of Consciousness (1995)
# True Hallucinations (1994)
# Food of the Gods (1992)
# Archaic Revival (1992)
# Trialogues at the Edge of the West (1992)
# Psilocybin: Magic Mushroom Grower's Guide (1976)
# The Invisible Landscape (1975)


Author of (Articles)


# The Oversoul as Saucer (excerpt from True Hallucinations) (1994)
# Alien Dreamtime Lyrics (1993)
#
Tryptamine Hallucinogens and Consciousness (1992)
# The DMT Experience (1992)
# Time and Mind (1990)
# New Maps of Hyperspace (1989)
# Re: Evolution

Writings & Info

# Terence McKenna Bibliography (best on the web, 2003)
# The Non-Ordinary Conhibition Rhetoric of Terence McKenna
# A Psychedelic Trip up the Ladder of Evolution (1993)
# "Food of the Gods" Review by Schultes
# Words with the Sham Man
# Annotated McKenna Bibliography
# Another McKenna Bibliography

Interviews


# Wired: Terence McKenna's Last Trip, by Erik Davis
# Interview in SF Chronicle
# High Times: Interview with Terence
# Interview with McKenna, by Gracie & Zarkov
# Shamans of the Amazon - video w/ T. McKenna interview

Remembrances

# Struck by Noetic Lightning
# Terence McKenna's Ex-Library


Links


# MatrixMasters Audio Recordings as Podcasts and Blog posts
# SecondAttention.org Audio Downloads
# Mind Food of the Gods
# Sound Photosynthesis: Live recordings of McKenna for sale
# Hyperborea (mostly broken)

Wachuma - Cacto San Pedro

UMA CONVERSA IMPORTANTE

- Fly, por quê você não estuda os xamãs urbanos e o uso de San Pedro nos Andes, em vez de estudar o metal do Senhor? - Capi, para mim no dia 19 de janeiro de 2010.


BREVE PESQUISA SOBRE O SAN PEDRO

1) FONTE: NATUREZA DIVINA

Estima-se que o cacto de San Pedro (Trichocereus pachanoi) venha sendo usado pelos nativos americanos há muitos séculos em especial pelos índios do Peru, da Venezuela e também pelos Yanomami do Brasil (cujas terras fazem fronteira com a Venezuela). Também conhecido como "O cactos dos quatro Ventos", o San Pedro tem um formato de coluna com quatro ou mais gomos e era utilizado em práticas rituais similares à tradição dos índios mexicanos que consumiam o peyote. A finalidade da ingestão era a mesma: o contato com os deuses e as visões mágicas proporcionadas pela planta sagrada produzem a cura de doenças físicas e psíquicas.



O uso do cacto Trichocereus Pachanoi, popularmente conhecido com San Pedro, no panorama americano do uso de plantas enteógenas está ligada à área do mescalinismo. O uso deste cacto tem fins terapêuticos e adivinhatórios e deve ser estudado no contexto geral dentro dos rituais xamânicos.

No que se refere aos nomes populares do San Pedro, podemos estabelecer uma relação mítica cultural com a função do homônimo "santo" que têm as chaves do céu dentro do credo Cristão. Também nos mitos de origem do uso do San Pedro, planta e "santo" existe uma relação simbólica e funcional muito estreita. No norte andino, o nome San Pedro se alterna Wachuma/Guachuma, que parece haver sido o nome antigo, e outros nomes como erva santa, cardo santo, huando hermoso e remédio porque o cacto é usado pelos xamãs para determinar em suas visões ou sonhos, como devem proceder num processo de cura.



No que se refere ao nome huanto, é evidente a derivação do “quechua wantuq” que significa "elevado", em relação à altura alcançada do cacto, tendo uma relação significativa com o simbolismo do vôo do xamã. O uso popular da planta fez com que descobrissem duas espécies distintas do cactos: Trichocereus Pachanoi e o Trichocereus Peruvianus, sendo esse último com mais espinhos, geralmente agrupado em número de três, uma maior e outras de tamanhos iguais.

O Trichocereus Pachanoi é o autêntico, que é distinguido pela quase ausência de espinhos. As espinhosas recebem o nome de San Pedro Cimarron e têm a cor verde-amarela e não verde como o Trichocereus Pachanoi.



Os xamãs jovens que não foram instruídos por mestres mais velhos, usam indistintamente as duas espécies, enquanto os mais velhos só usam o legítimo. O Cimarron é usado geralmente pelos Maleros (bruxos negros) e essa planta não tem o poder da visão. O uso de plantas no xamanismo e nas práticas religiosas ameríndias, se explica conhecendo a fundo a estrutura do pensamento religioso dessas culturas e seu ícones. Estes consideram o campo da "realidade" e do "real" mais amplo que os limites da consciência sensorial. Por conseguinte, estende o conceito "conhecer" os estados de consciência distinta da percepção sensorial.

Chamaremos a estes estados de "alternativos", pois esta Segunda definição implica que se defina previamente um conceito de "normalidade" que dificilmente escaparia ao nosso etnocentrismo. As culturas que empregam as plantas sacramentais as usam porque negam a realidade material o direito de ser a única forma de realidade, o conhecimento sensorial e "racional" o direito de ser a única forma de conhecer o mundo. No pensamento "religioso" ameríndio o microcosmo humano tem uma profunda relação em todos os níveis do ser (o físico, emocional, mental e espiritual) com seus correspondentes níveis macro-cósmicos. Na visão ameríndia do mundo, não existem objetos inanimados:

No conceito de "anima" o espírito não é exclusivo do ser humano, também abarca animais e plantas, lagoa, fontes e rios, pedras e montanhas. Entre as plantas, aquelas de poderes enteógenos, são receptáculos, o "corpo" de um "espírito" que abre as portas da visão, auxilia e inspira os xamãs como um verdadeiro "mestre". Este é o conceito de Plantas Mestras. Em muitas regiões andinas o San Pedro é chamado de "mestre dos mestres". Graças a está consideração mítico-religiosa de que gozam certas plantas, o uso das mesmas é regulado por estruturas ritualísticas e seu uso é limitado dentro do campo religioso. Se quisermos uma definição sintética da função do xamã nas culturas mundiais, devemos dizer que este é a ponte entre o aspecto visível e a contraparte invisível da realidade, ou seja, entre "corpo" e "alma" de todas as coisas. Entre o microcosmo e o macrocosmo, entre o humano e o sagrado. Os Incas definiam os xamãs como punku que literalmente significa "porta" ou "entrada". O xamã atua como uma ligação entre o "corpo" e a "alma" de seus pacientes e entre "corpo" e "alma" de sua tradição, ou seja, os mitos e verdades aprendidas pela fé e pelas vivências dentro de sua tradição.

No que concerne a função terapêutica do San Pedro e de outras Plantas Mestras, é necessário realizar sessões com os pacientes, tendo como conceito de cura a necessidade de que para curar o corpo, é necessário curar a alma. As Plantas Mestras ajudam a visualizar, em uma formulação simbólica e mítica dentro da "visão" que ela nos propicia, mostrando-nos as causas psíquicas que há contribuído para que a enfermidade se desencadeasse. Permitem sobrepor a enfermidade reafirmando, a "visão", a autoridade do terapeuta e do sistema mítico-médico tradicional de cura andina.

O poder terapêutico de uma planta, nas tradições xamânicas andinas, manifesta a qualidade peculiar da planta, seu "poder" ou "virtude", e este poder, que é o caso das plantas sagradas e de certas plantas que gozam de especial prestígio mágico e terapêutico, manifesta a presença de um espírito. Por isso, dentro dessa tradição, "poder", "virtude" e "espírito", são sinônimos.

A ingestão de San Pedro, como de outras Plantas Mestras, tem um valor "sacramental", pois permite a união com a entidade espiritual que se manifesta através da planta. Existe uma série de ações e ritos para colher, preparar e ingerir o San Pedro: O San Pedro nunca é colhido como uma planta qualquer porque seu espírito tem que ter uma relação ritualística correta para que seu poder não malogre quem a colher e conceda uma visão limpa e verídica ao xamã e seus pacientes. Geralmente elas são recolhidas depois das 3 da tarde durante o plenilúnio, mas isso não é obrigatório, a intuição do xamã é que conta na maioria das vezes. Eles são plantados em lugares áridos e secos, os que crescem perto de lugares sagrados e cemitérios são mais fortes. Quem recolhe o San Pedro observa o jejum de sexo na noite anterior. Existe também uma pureza em relação aos instrumentos que serão utilizados para auxiliar na coleta, eles devem ser limpos de qualquer contato com alimentos proibidos. A faca não deve ter cortado carne, nem tocado sangue, nem haver cortado cebola ou alho, pois provocaria a perda do poder da planta. Oferece-se especialmente mel, suco de limão, açúcar branco, farinha de milho branco, perfume de sementes da selva. Às vezes oferece-se álcool. No momento da oferenda e corte do San Pedro, se faz alguma invocação dirigida ao poder da planta para que siga o mestre, para que conceda uma visão limpa, sem perigo e para afastar qualquer negatividade. Na preparação do chá, durante o corte do cacto em rodas, tem que utilizar a faca nos mesmo requisito solicitada para a coleta. O cozimento deve ser feito à tarde ou nas primeiras horas da noite, e deve ser utilizada panela nova ou que nunca tenha sido usada para cozinhar alimentos proibidos (alho, sal e carne). Não deve deixar água cair sobre o fogo durante o cozimento, pois provocaria o corte do efeito visionário.

Existem certos cantos ritualísticos que devem ser cantados durante o cozimento. Outro fato importante, é que a pessoa que corta e prepara a planta deve ser a mesma que distribui aos participantes durante a cerimônia. É imprescindível que essa pessoa esteja purificada e tenha mantido jejum sexual, pois senão aparecerá uma visão erótica durante as visões. Se uma mulher menstruada corta e prepara o chá, na visão se verá sangue. Existe um período certo de cozimento que é guardado a sete chaves pelos xamãs mais velhos. Porém a maioria é cozida em panelas de barros por mais de duas horas, podendo chegar até cinco horas de cozimento. No momento da distribuição do chá, segue-se o sentido horário e todos bebem na mesma taça. Os participantes fazem um semicírculo em volta da Mesa de objetos sagrados do Xamã.


2) ANTHONY HENMAN E O CACTO SAN PEDRITO - ENTREVISTA POR BIA LABATE

O antropólogo Anthony Henman é um desses personagens liminares que nos fazem perguntar: “porque levo a vida que tenho?”. É daquelas pessoas híbridas, cuja identidade cultural é algo imprecisa, do tipo que já virou um pouco “nativo” (apesar de seus quase 1,90 m de altura e pele rosadinha). Mistura de brasileiro, inglês e argentino, divide seu tempo entre uma casa de campo no País de Gales e uma cobertura no charmoso bairro colonial de Barranco, em Lima. A casa peruana serve como base para suas viagens pelo interior do país em busca de espécies do cacto São Pedro ou wachuma (Echinopsis pachanoi) – um potente alucinógeno cujo princípio ativo é a mescalina (o mesmo presente no peiote, que ficou internacionalmente conhecido através da obra de Castañeda).

Com 54 anos, Anthony foi um dos pioneiros da discussão sociológica sobre drogas no Brasil. Ex-professor da Unicamp, organizou duas coletâneas e escreveu três livros. Sua obra mais conhecida é provavelmente Mama Coca, publicada em Londres com um pseudônimo, no final da década de 70. Trata-se de um dos primeiros escritos acadêmicos contemporâneos a abordar a questão dos usos indígenas da folha de coca (Erythroxylum coca) e a criticar os discursos autoritários e etnocidas contidos na agenda política da assim chamada “guerra contra as drogas”. Seu currículo inclui também pesquisas sobre o uso da diamba (Cannabis sativa) entre os índios Tenetehara do Maranhão, a religião ayahuasqueira União do Vegetal, o guaraná entre os Saterê-Maué, o consumo de heroína e cocaína na Europa e nos EUA, bem como a análise das políticas de “redução de danos” (estratégias públicas para diminuir os problemas causados pelo consumo de psicoativos ao invés de pretender sua completa proibição).

Do alto de seus cabelos brancos e desgrenhados, Anthony declara sem cerimônia que abandonou definitivamente a academia. Acima de tudo é um empirista ou, noutras palavras, um amante das plantas. Suas favoritas são a coca e o São Pedro, que cultiva carinhosamente em seu jardim mágico e cozinha a partir de técnicas que inventou. Costuma consumir este último de forma solitária, ao lado das folhas de coca que masca diariamente (como é costume em algumas etnias indígenas). Seria difícil precisar seu vasto currículo de experimentações psicodélicas, que conta com uma quase overdose de heroína numa ocasião em que pesquisava junkies.

Pai de seis filhos, ex-marido de quatro mulheres (de várias nacionalidades), Anthony é um homem carismático, que soube trocar os pesados impostos e inverno europeus pelo calor das cholitas peruanas. Ele concedeu esta entrevista durante visita a São Paulo, no início de 2004.

- B: O que é o cacto São Pedro?

- A: O São Pedro compreende várias espécies de um gênero que antigamente era chamado Trichocereus e agora foi reunido dentro do gênero Echinopsis. São pelo menos 3 espécies principais: a E. pachanoi é originária do Equador e norte do Peru, estendendo-se até Huarás e Huánuco; a E. peruvianus começa no departamento de Lima e vai até Cuzco; a E. bridgesii corre ao redor do lago Titicaca e chega a La Paz. No sul da Bolívia e no norte da Argentina há mais umas duas ou três espécies que não se conhecem muito bem. São bastante diferentes entre si: enquanto umas medem de 5 a 6 metros, outras nunca passam de 1,5m; algumas têm troncos de 30 cm de espessura e outras de apenas 7 cm; há espécies com 4, 5 ou até 12 segmentos ou divisões laterais. A quantidade de espinhos também varia muito. Mas todas as espécies contém o mesmo princípio ativo, a mescalina. Esta aparece sempre mais ou menos na mesma concentração, por volta de 1,2% do peso da planta verde. Uma dose ativa de mescalina é cerca de 300 mg, então para se ter um bom efeito é necessário processar 250 g de planta em estado cru.

- B: Mas o termo “wachuma” também é utilizado para se referir à planta, não?

- A: Wachuma é o nome indígena antigo do São Pedro. A primeira descrição detalhada do seu uso é do padre Bernabé Cobo, um jesuíta que fez um trabalho sobre plantas, animais e minerais no século XVII. A mudança do nome para São Pedro tem a ver com a utilização mestiça desta planta, que se desenvolveu nos últimos 200, 300 anos.

- B: Quando a mescalina foi identificada no cacto São Pedro?

- A: Esta é uma questão interessante, porque a identificação da mescalina no São Pedro não foi imediata. A mescalina, em si, já tinha sido isolada na década de 1890, nos EUA, a partir do peiote (Lophophora williamsii). Nesta época, poetas e intelectuais experimentaram um efeito alucinógeno pela primeira vez na era moderna e industrial. Paralelamente, na década de 1930 a variedade E. pachanoi de São Pedro foi amplamente distribuída como uma curiosidade botânica e como base de enxerto para outras espécies de cactos, tornando-se presente em quase todos os viveiros de cactos do mundo. Mas isto ocorreu antes de as pessoas se darem conta de que esta espécie continha mescalina. Embora houvesse usos tradicionais do São Pedro no Peru, os botânicos não se interessaram muito em pesquisá-los. Nos anos 40, alguns médicos em Lima sugeriram que poderia haver mescalina no São Pedro mas não conseguiram fazer as análises necessárias. Foi só em 1960 que se deu esta identificação e a publicação do achado. Se pensarmos na descoberta dos cogumelos, da mescalina presente no peiote, ou do LSD, ela se deu em data relativamente tardia.

- B: E qual é o status legal da mescalina?

- A: Ela está em todas as listas de substâncias proibidas e acho que isso, infelizmente, vai ser muito difícil de mudar. Ao mesmo tempo, as espécies vegetais que contêm mescalina estão numa terra de ninguém, não são propriamente nem legais, nem ilegais. Nos países andinos, não houve ainda um debate legal significativo em torno do estatuto do São Pedro. O peiote, ao contrário, gerou bastante polêmica, como resultado do seu consumo pela Native American Church (NAC) nos EUA e pelos Huicholes no México. Nos dois casos, o resultado da discussão legal foi o pior possível, pois firmou-se um apartheid étnico onde você só pode ser da NAC se tiver sangue indígena, e no México, só os Huicholes estão autorizados a coletar e consumir peiote – nem sendo indígena de outra etnia você tem este direito.

- B: Cientistas sociais insistem em que é necessário estudar o consumo das drogas a partir de um modelo que leve em conta o setting (contexto social) e o set (expectativa do indivíduo), opondo-se às leituras mais estritamente médicas e farmacológicas que geralmente são predominantes no debate público. Porque você tem criticado o modelo do set e setting?

- A: Norman Zinberg estabeleceu estes conceitos durante os anos 1960. Suas pesquisas foram importantes porque demonstraram que as pessoas podiam ter uma relação não problemática com os opiáceos, na época considerados o fim da picada, que levavam inevitavelmente ao vício etc. Mas, do ponto de vista teórico, a separação entre estas esferas veio dos comportamentalistas, uma escola de psicologia norte-americana cujas raízes, na década de 1940 e 50, assumiam uma divisão pouco refletida entre ‘mente’ e ‘corpo’. Set e setting são, no fundo, uma reedição desse dualismo: as expectativas do sujeito (set) representam o aspecto mental, e o ambiente cultural (setting), o corpo. Quando esses conceitos são fetichizados, você acaba com um modelo um pouco mecânico – há uma substância x, que combinada com uma expectativa y e um ambiente z, vai produzir tal efeito. Mas ao analisarmos a experiência de uma pessoa, vemos que a coisa é mais complicada. Há muitos feed back loops (“voltas de retroalimentação”): coisas que vêm da cabeça e vão para o corpo e vice-versa. É muito difícil dizer exatamente se uma sensação que está no corpo vem de uma euforia cerebral ou vice-versa. Preferiria um modelo onde se assume que o efeito de uma substância é de alguma maneira imprevisível. O homem nunca conseguirá domesticar totalmente a experiência. Essa magia é, do ponto de vista indígena sul-americano, o que se concebe como o “espírito da planta”. Esse espírito é autônomo, tem sua própria força. E isto está para além da divisão mente/ corpo. Eu defendo o conceito da planta maestra (professora), a planta que ensina, que reduz essa prepotência humana de que tudo pode ser controlado por meio de disciplinas físicas e mentais.

- B: Quais são as diferentes técnicas de preparação do São Pedro?

- A: Começamos a entrar aí na questão da relação que o homem andino teve com o São Pedro desde as primeiras épocas pré-cerâmicas, entre 2 ou 3 mil anos A/C. Restos da planta seca foram encontrados em várias escavações no litoral peruano. Mas nestes locais a wachuma não cresce naturalmente, pois ela dá entre 2 ou 3 mil metros de altitude. Dadas as condições de transporte da época – e considerando que uma caminhada da serra até a praia seria de pelo menos 80 km – é muito pouco provável que se transportasse o cacto no seu estado verde. Provavelmente foi assim que surgiu a técnica de deixar o São Pedro secar ao sol. Independentemente do registro arqueológico, o que predomina atualmente no Peru é o cozimento da planta verde: você corta o cacto em fatias e cozinha por várias horas. Depois coa e elimina as partes sólidas da planta, para tomar o líquido viscoso que sobra. Recentemente, algumas pessoas, eu inclusive, têm redescoberto a técnica original de secar a planta antes de cozinhá-la. Creio que, de alguma forma, isto afeta seu rendimento, fazendo com que alguns alcalóides precursores da mescalina se convertam em mescalina, potencializando o efeito total.

- B: Existem outras espécies botânicas que são adicionadas ao cozimento do São Pedro?

- A: Na tradição do norte do Peru, os curandeiros usam plantas chamadas michas, que eles dizem que aumentam o poder da bebida. Servem para “seguir o rastro” (“rastrear” em espanhol), quer dizer, seguir uma pista para o tratamento de doenças provocadas por causas mágicas. O uso destas espécies favoreceria a interpretação das alucinações do curandeiro e do paciente. Mas várias destas plantas não têm nenhum poder psicoativo, ou seja, têm apenas “eficácia simbólica”. Aquelas que possuem algum conteúdo farmacológico ativo são da família das Solanaceas, principalmente Brugmansias, que se concentram no noroeste amazônico e nas áreas adjacentes dos Andes. A Brugmansia candida é uma variedade com flor branca que a gente vê na Serra do Mar e na Mantiqueira; outra que se cultiva muito nos jardins da Amazônia é o Toé.

- B: Você é um colecionador de São Pedro. Qual é a sua experiência cultivando-o?

- A: Ele gosta de um terreno bem drenado, com um pouco de areia e pedra. Em geral, eu deixo o São Pedro uns seis meses sem água no início para desenvolver bem a sua raiz. Uma vez que as raízes já estão presentes, a planta deve ter um regime parecido com o do cerrado no Brasil: chuvas razoáveis por uns seis meses do ano, e seis meses de seca completa. Quando cultivamos essas plantas na intimidade do nosso próprio jardim, elas acabam virando personagens. Todo dia quando eu levanto tenho um momento de concentração em frente a estas plantas, tenho uma relação com cada uma delas. Além disso, por questão de adubo, mas também por razões mágicas, jogo coisas vegetais ao redor do São Pedro, como pontinhas de cigarro, resto de chá, café, mate etc. Parece que ele gosta.

- B: Descreva um pouco mais o seu jardim.

- A: Em Lima, tenho umas cem plantas em vasos de diferentes tamanhos. Algumas já estão com dois ou três metros e outras são mudas que acabo de colher e estão em vasos pequenos, desenvolvendo-se bem. Na Inglaterra, que possui um clima não muito favorável (úmido e frio), criei artificialmente um inverno seco andino. Entre outubro e março não dou água nenhuma e deixo-as dentro de casa, onde recebem calefação e sol. Durante o verão europeu, coloco-as para fora. Como chove bastante, acaba sendo parecido com o verão da serra do Peru. Mas em Lima o mesmo cacto cresce duas vezes mais.

: O que se sabe sobre a tradição nativa pré-colombiana de consumo do São Pedro?

- A: Há evidências arqueológicas de que o São Pedro era usado ritualmente no Horizonte de Chavín, uma das primeiras civilizações peruanas, por volta dos 800 A/C, especialmente no centro ceremonial de Chavín de Huántar. Neste lugar há representações de sacerdotes com o cacto na mão, mas é difícil saber os detalhes do culto que lá se praticava. Provavelmente, incluía um momento de concentração num pátio externo à pirâmide e depois as pessoas passavam para dentro, onde havia uma série de pequenos corredores e quartinhos e um sistema muito complexo para deixar passar ar e água – o que produzia efeitos sonoros bem interessantes no interior da pirâmide. É possível visitar esses locais, eu já estive lá e posso dizer que é fascinante! Em seguida, os participantes eram conduzidos a um grande monolito de pedra que representava a sua maior divindade, um grande felino – mais que um simples jaguar – com atributos de cobra, pássaro e outros animais. O arqueólogo Richard Burger, da Universidade de Yale, afirma que o ritual incluía também a ingestão de uma outra substância. De acordo com o pesquisador – e concordo com a sua visão –, no momento de maior intensidade provavelmente eles cheiravam uma dose de paricá.

: O que é o paricá? Quais são as evidências de que ele era consumido junto ao São Pedro?

- A: O paricá é um pó preparado a partir das sementes da Anadenanthera peregrina, uma árvore muito comum na selva, que cresce dos Andes até São Paulo. Esta semente contém dimetiltriptamina, o mesmo princípio ativo da ayahuasca (Banisteriopsis caapi + Psychotria viridis). Quando você toma o São Pedro e adiciona o paricá, você faz com o que a viagem que até aí teria sido mescalínica – ou seja, sem grandes vôos visuais – provoque uma alteração pronunciada no campo visual. Esse efeito [do paricá] dura de meia a uma hora no máximo. Provavelmente neste momento as pessoas eram colocadas diante da imagem felínica. Esta tese apoia-se na existência, em Chavín, de uma série de cabeças incrustadas nas paredes da pirâmide em vários estágios de transformação: desde um humano totalmente humano até um felino totalmente dragão. A metamorfose, como mostraram alguns pesquisadores, está claramente associada com o inchaço do nariz. Portanto, a minha interpretação é que, ao adicionar o paricá – que é cheirado –, produzia-se uma transformação felínica, uma verdadeira “encarnação” do espírito tutelar do culto. Há também muitas evidências do uso conjunto das duas substâncias [São Pedro e paricá] em outras culturas que apareceram depois, no Horizonte Médio do Peru, entre os Mochica, os Nasca e os Wari.

- B: Mas o paricá e o São Pedro nem sempre são consumidos em conjunto.

- A: É verdade. As “tabletas” de paricá, espécie de bandejinhas para cheirar o pó, também foram amplamente distribuídas em épocas pré-hispânicas no sul andino, até o norte do Chile e o norte da Argentina. Aí não se sabe ao certo se as pessoas usavam o cacto também – é difícil precisar se as duas plantas sempre foram associadas ou em alguns casos usadas separadamente. No caso amazônico, é claro que o paricá foi usado sem São Pedro, numa extensa área que incluía parte do Brasil. Mas as evidências de Chavín me estimularam a fazer experiências comigo mesmo e com pelo menos vinte pessoas sob minha orientação. Todos parecem concordar em que o efeito combinado de São Pedro e paricá é mais interessante, levando a espaços mais insólitos do que aqueles provocados por cada uma das substâncias separadamente.

- B: Existem evidências históricas de que os Incas utilizavam a wachuma? Este tipo de idéia parece ser moeda corrente entre grupos esotéricos contemporâneos.

- A: Não há absolutamente nenhuma evidência histórica neste sentido, assim como não há provas arqueológicas, nem etnográficas de que os Incas consumissem a ayahuasca. Há certeza, sim, de que usavam folhas de coca e que consumiam as sementes de paricá moídas, misturadas na chicha (bebida de milho fermentado).

- B: Como se caracteriza a tradição do consumo mestiço do São Pedro pelos maestros (curandeiros) do norte do Peru?

- A: O consumo do São Pedro foi marginalizado pelos missionários, sendo atribuído a ele uma carga pesada de bruxaria, de rito satânico. As novas práticas mestiças – que adotaram a terminologia ‘São Pedro’ numa referência à simbologia cristã, e com o claro objetivo de legitimar o seu consumo – surgiram a partir de uma tradição que existia antes, de raízes indígenas, mas que foi fortemente afetada pela colonização espanhola. As práticas indígenas foram retrabalhadas a partir não só do cristianismo, mas de conceitos mágicos esotéricos do Mediterrâneo, os quais, por sua vez, incorporavam elementos árabes, clássicos, pagãos, cabalísticos, etc. Este novo tipo de uso permaneceu sociologicamente invisível até a década de 1930, quando se naturalizou dentro das demais tradições medicinais folclóricas peruanas, chegando a ser hoje totalmente aceito como parte da “cultura popular”.

- B: Os curandeiros trabalham muito com a idéia de feitiçaria, à qual freqüentemente atribuem a responsabilidade por doenças e morte. Como você vê este sistema?

A: Pode funcionar muito bem para certos tipos de estados psíquicos, depressões etc. Tem a virtude de dar à pessoa a sensação de que está enfrentando algum mal, conseguindo extirpá-lo. O problema é que as coisas sempre se explicam dentro de um marco meio paranóico – tudo é resultado de influências más, negativas. O tema preponderante é o da inveja. Tantas vezes escutei: “Todo es envidia!” [“Tudo é inveja!”].

- B: Na tradição nortenha peruana tanto o paciente quanto o curandeiro tomam o São Pedro?

- A: Sim, mas a dose de São Pedro que os participantes tomam não é suficientemente forte para produzir efeitos marcantes. Os curandeiros conhecem o efeito real do São Pedro porque fazem as suas dietas, tomam maiores quantidades e em concentrações mais fortes. Mas a grande maioria dos seus pacientes toma a planta por razões quase simbólicas. Isso fica claro também em outro aspecto do ritual, que é a singada. Esta é um preparo de aguardente com rapé de tabaco, São Pedro, água florida e outras águas perfumadas, que é aspirado pelo nariz por meio de uma concha. Tal mistura queima por dentro como pimenta, limpa a cabeça, mas não tem efeitos alucinógenos. A singada seria uma espécie de sobrevivência simbólica do que antigamente teria sido o uso do paricá associado à wachuma.

- B: Por que persistem hoje tradições indígenas de consumo de vários alucinógenos (como os ‘clássicos’ ayahuasca, cogumelos e peiote) e, no caso do São Pedro, resta apenas a vertente mestiça?

- A: Não tenho propriamente uma explicação. O que se deu historicamente foi que o uso do São Pedro passou a ocorrer em uma área onde ainda predominavam populações indígenas em termos raciais, mas com culturas locais muito afetadas pela adoção de valores europeus. Comparado ao consumo da ayahuasca, do paricá, do peiote ou dos cogumelos, o número de pessoas que participam hoje dos rituais com o São Pedro é muito maior. O cacto é usado literalmente por dezenas, se não centenas de milhares de pessoas, enquanto os demais cultos com plantas alucinógenas permaneceram ligados a contextos indígenas relativamente restritos em termos numéricos. Por isso, é curioso que a literatura sobre o uso do São Pedro seja tão limitada em comparação com a da ayahuasca.

- B: Chama também a atenção que o São Pedro tenha ganho menos destaque no ambiente artístico, político e cultural da contracultura ou da experimentação psiconáutica num cenário transnacional. Como você explica essa relativa invisibilidade da wachuma?

- A: Isso é meio relativo. Há grupos na Califórnia, no Texas, na Espanha e no sul da França, ou mesmo em Lima, usando o São Pedro de uma forma “não tradicional”. Mas eles não atingem tanta visibilidade por pelo menos duas razões. A primeira é que não existe uma tradição indígena “pura” do São Pedro que serviria como bandeira – como ocorre com os Huicholes e o peiote, os Mazatecas mexicanos e os cogumelos, ou os grupos indígenas da Amazônia ocidental e a ayahuasca. O modelo que existe, com seus ecos de magia medieval, casa mal com a percepção do pessoal alternativo interessado nestas coisas. Outra razão é que, dentro dessa tradição atual mestiça, como já disse antes, a planta é preparada de uma maneira muito fraca. Assim, algumas poucas pessoas que foram até o Peru têm voltado dizendo que a substância “não bate”. Seria interessante criar um novo ambiente ideológico para o San Pedrito – pessoalmente, estou trabalhando neste sentido. Ainda não surgiu uma nova religião ao redor do São Pedro e eu acho isto até positivo. Não gostaria de ver um tipo de Santo Daime [religião brasileira onde se consome a ayahuasca] de São Pedro...

- B: Por quê? Na sua opinião, qual é o contexto ideal para se consumir o São Pedro?

- A: Eu acho que a mescalina permite uma ritualização mais solta, não requer uma disciplina tão estrita como a ayahuasca. O seu efeito é mais sóbrio, menos assustador para a pessoa que toma pela primeira vez. Um tipo de ritual próprio para el San Pedro teria que levar em conta o fato que o efeito dura bastante e demora para subir – depois de duas horas você ainda não sente completamente; só “bate” mesmo a partir da terceira, quarta ou quinta hora. Aí vem um período relativamente comprido, de umas boas quatro horas, em que você está no ‘meião’ da experiência. Depois, mais três ou quatro horas durante as quais o efeito vai diminuindo. Seria bom, então, organizar as atividades conforme esses três blocos. Nas primeiras horas, as pessoas sentem muitas vezes baixa de pressão, sono e frio. Elas têm que ser animadas – acho que um tipo de atividade ritual como música, dança etc. poderia ajudar a trazer a força da bebida. Já na fase principal, seria legal o silêncio, a possibilidade de cada um entrar nas suas coisas, mirações... Na fase da descida, talvez fosse possível combinar o efeito do São Pedro com outras substâncias, como maconha, folha de coca, álcool, de forma a sair da experiência de forma ordenada... ajudar a aterrissagem.

- B: Como você descreveria a “personalidade” do São Pedro? O que ele significa para você?

- A: Nos primeiros 25 anos, tomei-o de forma bem irregular, talvez uma vez a cada 5 ou 10 anos. Nesta época, às vezes batia bem forte e às vezes não. Comecei a tomar com mais seriedade a partir de 1996 e, de lá para cá, venho tomando em média uma vez por mês. O cacto cresce embaixo de raios implacáveis do sol. Ele tem uma energia muito solar, você sente aquela cor amarelo-laranja. Isto se traduz também no tipo de alterações visuais que o São Pedro produz, muitas das quais têm uma forma mandálica. Essas formas geralmente tem um centro, são equilibradas, estáveis – enquanto as triptaminas (cogumelos, ayahuasca, LSD) produzem alterações visuais com voltas, mais como serpentes, rabinhos que desaparecem, espirais que somem. É muito importante para mim tomar São Pedro. Primeiro para manter uma certa saúde física. Eu sinto que cada sessão dá uma “regulada geral”, é como se os espinhos do cacto penetrassem em cada espacinho do meu corpo, ajustando-o e alinhando-o. Eu acredito que também limpa a cabeça. Consigo perceber melhor as minhas obsessões amorosas, profissionais etc. Ainda, certas portinhas no fundo da nossa mente se ligam umas às outras, estabelecendo conexões, evocando memórias e pensamentos que normalmente não aparecem.

- B: Você poderia fazer uma invocação típica do São Pedro, alguma oração, cantiga ou referência que associa a ele?

- A: Para mim, duas frases que vêm do contexto tradicional do norte do Peru encerram a sabedoria do São Pedro. Uma é: “Vamos levantando, vamos levantando!”. Aqui está presente a visão de que o São Pedro te põe de pé, te fortalece, te faz enfrentar as coisas. Tem muito a ver com a força que vem do cacto. A outra que sempre usam é: “Vamos florescer os caminhos!”. A idéia agora é de um florescimento das possibilidades – como desenvolver um trabalho, uma relação, como fazê-la florescer. A metáfora é boa – as plantas nascem para florescer e nós deveríamos agir da mesma maneira, levantando e florescendo.


3)FONTE: XAMANISMO.COM

Wachuma - San Pedro

* · O Cacto do Jaguar

O nome quéchua do cacto Trichocereus Panachoi é “Wachuma”. O nome San Pedro, lhe é atribuído por dar ao iniciado a “chave” para entrar no Céu. Trata-se de um cacto que chega a atingir a mais de dois metros de altura, tendo a mescalina (Peiote) como princípio ativo.
Tem sido utilizado há séculos pelos índios do Peru e do Equador. É conhecido por xamãs por estar sempre em harmonia com os poderes dos animais, de seres e personagens fortes, de seres sobrenaturais, principalmente o Jaguar.

O uso atual do San Pedro concentra-se nas regiões costeiras do Peru e nos Andes do Peru e Bolívia, e tem recebido forte influência cristã. É aplicado para curar enfermidades, incluindo o alcoolismo e problemas mentais, para adivinhações, poções amorosas, para combater feitiçaria,purificação, etc.

É conhecido também por huachuma, achuma, agua colla, cardo, huando hermoso, gigantón, San Pedrito, San Pedrillo.

Sanguirardi Jr:

" O emprego religioso, pelo índio, da bebida extraida do San Pedro é tradição secular, que se perdeu para sempre. Hoje, o uso ritual com finalidades mágicas e curativas ocorre em práticas nas quais as raízes ameríndias são enxertadas com o catolicismo, o espiritismo e a feitiçaria européia.

Mesmo na forma sincrética atual, seu conhecimento pelos estudiosos é recente.

Por que São Pedro ?

O cacto abre as portas do Céu. Daí ter recebido o nome do apóstolo a quem disse Jesus : " Dar-te-ei as chaves do Reino dos Céus: o que ligares sobre a Terra será ligado aos céus..." (Matheus 16:19).
A mesma ligação é estabelecida pelo San Pedro, que dá ao xamã as chaves que abrem as portas do mundo invisível, fonte dos seus poderes mágicos, divinató0rios e terapêuticos.

Em Plants of the Gods de Schultes e Hofmann :

O San Pedro possui um símbolo do curandeirismo, pois sempre está em harmonia com os poderes dos animais, do seres fortes, dos seres sobrenaturais.

É uma das plantas mais antigas da América do Sul. A prova mais antiga remonta o ano de 1.200 a.C. Na imagem uma mulher com cara de coruja, possivelmente uma xamã, segurando um cacto San Pedro.

Quando os espanhóis chegaram ao Peru, usava-se muito San Pedro. Um texto eclesiástico diziam que os xamãs tomavam a bebida chamada Achuma, e como era muito forte, depois de tomaram perdiam o juízo e ficavam privados dos sentidos, tinham visões nas quais aparecia sómente o diabo. Como aconteceu com o Peyote no México.

Atualmente o São pedro é empregado para curar enfermidades, incluindo o alcooolismo e a loucura, par adivinhação, paa namoros, para combater qualquer tipo de feitiçaria e para assegurar êxito nas empresas pessoais.
Os xamãs distinguem quatro tipos de cactos à partir de suas costelas. Os mais raros são aqueles que tem quatro, e são considerados os mais potentes, possuem poderes sobrenaturais especiais, sendo que as quatro costelas representam os quatro ventos, os quatro caminhos.

Em 1992, estávamos Agustin,eu, e um grupo de norte-americanos em Machu Pichu. Tomamos a decisão de realizar um trabalho com Wachuma nas ruínas. E lá fomos.

Chegamos à tarde nas ruínas, e, quando foi por volta das 21:00 hs. iniciamos o trabalho, nenhuma pessoa mais estava presente, a não ser os Espíritos de Machu Pichu.Agustin tinha levado dois rapazes que ficavam tocando flautas andinas o tempo todo, o que ajudou muito na harmonização do trabalho.

Após duas horas, já na segunda dose de San Pedro, as visões. Machu Pichu, sem utilizar nenhuma planta, já conduz as pessoas a estados alterados de consciência. Podia perceber os Espíritos Incas, como se tivesse voltado no tempo. Os rituais, a Festa do Sol. Olhando para cima...num instante as nuvens se transformaram num imenso Condor..

Num momento pedí a Agustin, que falasse um pouco sobre os Incas. E, ele nos indicou uma pedra e pediu que encostássemos nossa testa nela. Foi, a melhor resposta, me senti como recebendo um "pen drive" em minha mente. Pude compreeender sem palavras a cosmologia do Povo Inca. O legítimo Império do Sol. Sentia muita emoção. Sabia que já tinha feito parte daquela história. Senti-me resgatando um pedaço do meu ser, que estava perdido no tempo e espaço.

Estávamos no Alto, as nuvens passavam por nosso corpo, parando nos joelhos e, acima o céu estava limpo e cheio de estrelas, as nuvens iam formando fendas, dando para ver a cidade embaixo. Tive a impressão de estar no céu, caminhando pelas nuvens.
O ponto que iniciamos o trabalho, era nas Fontes Sagradas, que ficam a 850 m. ao sul da cidade, onde as águas corriam por um canal de pedra despejando-se por cima de um terraço do Templo do Sol.Estávamos em centros religiosos onde realizavam-se as festas principais do calendário Inca e os cerimoniais ligados à água (setembro a março) e à agricultura.Foram também centros de purificação de iniciados e de sacerdotes conferindo-lhes renovação e conhecimentos místicos.

Era costume dos sacerdotes realizar cerimônias e rituais com oferendas de conchas do mar, chamadas : As Filhas do Mar. As conchas eram o alimento dos deuses do Yakumama, Serpente de Uma Cabeça.

Pude ver animais guardiões dos portais da cidade. Nesse trabalho pude compreender que Machu Pichu, ainda está muito habitada graças a força de Wachuma

4) FONTE: MESCALINE.COM

from
The Encyclopedia of Psychoactive Substances
by Richard Rudgley
Little, Brown and Company (1998)

The San Pedro cactus is the name given to psychoactive species of the genus Trichocereus (T. pachanoi, T. peruvianus) which comprises about thirty species, mainly found in the Andes. It is a large columnar cactus that grows up to heights of twenty feet and it contains mescaline, as does the well-known peyote cactus. The San Pedro cactus has also been found to have other psychoactive alkaloids. The mescaline seems to be most highly concentrated in the skin, which can be peeled, dried and made into a powder for consumption.

The usual native preparation of the cactus involves boiling slices of the stem for a number of hours and then, once cooled, the resulting liquid is drunk. Sometimes the San Pedro is used in conjunction with other psychoactive plants, such as coca, tobacco, Brugmansia and Anadenanthera. The hallucinogenic properties of its traditional use, including aguacolla, cardo, cuchuma, gigantón, hermoso, huando and, of course, San Pedro.

Like many other of the entheogenic substances used in the aboriginal religions of the Americas, the use of the hallucinogenic San Pedro cactus is ancient and its use has been a continuous tradition in Peru for over 3,000 years. The earliest depiction of the cactus is a carving which shows a mythological being holding the San Pedro. It belongs to the Chavín culture (c. 1400-400 BC) and was found in an old temple at Chavín de Huantar in the northern highlands of Peru, and dates about 1300 BC. A particularly surprising discovery was made by a Peruvian archaeologist named Rosa Fung in a pile of ancient refuse at the Chavín site of Las Aldas near Casma; namely what seem to be remnants of cigars made from the cactus. Artistic renderings of it also appear on later Chavín artefacts such as textiles and pottery (ranging from about 700-500 BC). The San Pedro is also a decorative motif of later Peruvian ceramic traditions, such as the Salinar style (c. 400-200 BC), the Nasca urns (c. 100 BC-AD 700). It has also been proposed that a recurrent snail motif in Moche art represents a mescaline-soaked snail which has partaken of the San Pedro. If this is the case then the snail may be added to the list of animals having psychoactive properties.

Not surprisingly, considering their general contempt for native life and particularly the use of psychoactive plants, European missionaries were very negative when reporting the use of the San Pedro. Yet a Spanish missionary, cited by Christian Rätsch, grudgingly admitted the cactus' medicinal value in the midst of a tirade reviling it:

it is a plant with whose aid the devil is able to strengthen the Indians in their idolatry; those who drink its juice lose their senses and are as if dead; they are almost carried away by the drink and dream a thousand unusual things and believe that they are true. The juice is good against burning of the kidneys and, in small amounts, is also good against high fever, hepatitis, and burning in the bladder.

An account of the cactus by a shaman is in radical contrast to this rather contemptuous view:

the drug first ... produces ... drowsiness or a dreamy state and a feeling of lethargy ... a slight dizziness ... then a great 'vision', a clearing of all the faculties ... it produces a light numbness in the body and afterward a tranquillity. And then comes detachment, a type of visual force ... inclusive of all the senses ... including the sixth sense, the telepathic sense of transmitting oneself across time and matter ... like a kind of removal of one's thought to a distant dimension.

The entheogenic status of the cactus remains as strong today as it always was. Not only do its uses in shamanic trances and healing sessions continue but it is also used to combat more recent problems such as alcoholism. The peyote cactus used widely by the North American Indians is also considered a medicine against alcoholism and this parallel is all the more striking as both cacti contain mescaline.