segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Human Terrain System





Novo documentario sobre o uso de antropologos em guerras contemporaneas.
"Human Terrain Systems" e' um emergente programa militar americano que visa
"operacionalizar" a cultura como instrumento de combate nao-convencional.
Desde o treinamento de tropas em "sensibilidade cultural" ate' o trabalho de
campo atraves de "inteligencia etnografica" no front de batalha, o filme
retrata o emprego direto e crescente de recursos e profissionais academicos
no esforco de guerra atual. Ver abaixo o link para o trailler e a sinopse.

http://www.youtube. com/watch? v=2ZOYjok4BPs


Ver também "Human Terrain System" na Wikipedia... assustador.

sábado, 11 de dezembro de 2010

Impressões ao transcrever entrevistas com quilombolas




Entrevistas organizadas por professores, preocupados que estão em garantir a educação e a alfabetização naquelas comunidades. Esses professores estão vendo que o acesso à escola ali naqueles sítios sempre foi muito difícil, e vêem como a glória a inauguração de escolas no quintal das casas de comunidades com pouco menos de 300 pessoas cada. Em uma das falas, alguma professora importante para o projeto fica falando que eles precisam se identificar enquanto quilombolas, porque eles eram descendentes de escravos e isso faz deles uns excluídos sociais. Mas é muito louco como nas falas dos moradores de lá, não tem nada de escravo, as histórias são como as dos povo antigo que trabalhavam no sítio, como meus avós, tudo difícil, tudo longe, e eles ali no meio do mato. A lei para remanescentes de quilombo garante a eles o território (em cartório e tudo mais, a terra é deles, com a lei) e os acessos à educação, saúde e saneamento. Os intelectuais ficam dizendo como é importante e lindo isso, como isso é tipo um reconhecimento da liberdade dos negros, que sofreram tanto com a escravidão. Mas os moradores desse lugar que eu estou transcrevendo, eu percebo, eles querem ser reconhecidos como brasileiros, e não como ex-escravos. É certo que o acesso à educação empodera essas pessoas, esse povo da roça que, por ser analfabeto, é excluído nos trâmites que tentam fazer na cidade (comércio dos seus produtos e tudo mais). Mas essa lei de quilombola é, na minha opinião, pura armação do governo de esquerda que, em vez de fazer uma reforma agrária e reconhecer que todos, enquanto cidadãos brasileiros DEVEM ter acesso à terra, à saúde, à educação e ao saneamento, como garante a constituição, quer passar para os brasileiros que eles vão ter tudo isso por um RECONHECIMENTO ÉTNICO DE UMA CONDIÇÃO EX-ESCRAVA, de uma condição histórica. O Estado esquerdista quer que essas pessoas acreditem que eles merecer tudo isso POR SEU PASSADO HISTÓRICO, e não por SEUS DIREITOS DE CIDADÃOS. Não é a toa que muitos moradores sacam isso, esse pacote todo do projeto que o governo, junto com os intelectuais inventam, e desistem de serem quilombos para tentarem serem brasileiros. Querer ser brasileiro, querer se identificar com a nação, não é bem visto pelos intelectuais, que acham que os moradores devem se identificar ou com a África ou com a cultura local. Os intelectuais acham que os quilombos são a resistência, o tipo de luta que garante as benfeitorias do Estado pelas vias da identidade. Eu acho esse tipo de resistência via identidade é a maior furada. Por que, por eles serem descendentes de negros, ou ex-escravos, eles merecem a terra? TODOS MERECEM A TERRA. TODOS CIDADÃOS MERECEM A TERRA. Isso o Governo não quer que a gente pense. Quer que a gente, descendentes de imigrantes fudidos, só por sermos brancos, more em apartamentos minúsculos e não tenha terra nenhuma, e continue pagando impostos. O Governo, e esses intelectuais, não quer que a gente pense que terra, saúde e educação seja DIREITO de todos, , quer que pense que é merecimento de alguns, ou uma espécie de redenção pelo passado sofrido de uns.

Que é que o Estado quer? Que toda gente crie uma comunidade étnica para poder ter assegurado nosso direito à terra, à educação e à saúde e à água??? Porra, mano!! O Umberto tem razão, precisamos criar uma comunidade étnica se quisermos terra. Uma revolução florestal, de malucos plantando árvores e desbravando terras-de-ninguém. Descolonizar os colonizadores latifundiários da soja com argumentos étnicos e armas tribais: eis a "revolução possível" do momento.

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

The Jesus movement and social network analysis

http://findarticles.com/p/articles/mi_m0LAL/is_4_29/ai_94332368/pg_2/?tag=content;col1

O Deus Escandaloso

http://www.editorasinodal.com.br/produto.php?id=85

terça-feira, 30 de novembro de 2010

Jack Kerouac e uma deliciosa torta de maçã com sorvete de creme




Essa é a minha capa preferida de todos os livros de Kerouac: Tristessa, edição de 1978. Já tive ela em minha estante, hoje o livro se encontra à venda por modestos cinquenta mangos na Estante Virtual, aguardando por um ávido e apaixonado leitor. Há dias que vivo na miséria e tenho sentido tanta fome que acabei compreendendo por que Kerouac tanto descreve os pratos de comida que comia na sua caminhada incessante e peregrina pela estrada. Hoje, ao conseguir um prato de feijão com filé de frango e farofa no Mercadão da cidade, me lembrei de quando chegamos a Santarém depois de uma viagem de três dias em um navio-motor. Três dias que passamos nos alimentando de haribo, frango e arroz branco. Passados os três dias, chegamos na cidade, e ávidos que estávamos por conhecer o paraíso de Alter do Chão, corremos para lá logo que pisamos no porto. Lá chegando, almoçamos apenas um pescado com um suco de nome estranho, e passamos a infinita tarde nas doces águas do rio Tapajós. Um pouco mais tarde, sentimos fome, mas já não havia mais nada aberto no vilarejo e tivemos que tomar um sorvete. No dia seguinte, iríamos partir para o navio-motor Nélio Corrêia, para uma viagem de mais dois dias e meio até chegar em Belém. Subimos no navio, deixamos as nossas malas e redes por lá, e nos informamos com o capitão sobre o horário de saída do navio-motor. Ainda tínhamos duas horas pela frente, então atravessamos as ruas do porto para dentro da cidade de Santarém, e demos a sorte de encontrarmos, em uma avenida, uma generosa e bela moça de pele marrom que trabalhava em um modesto restaurante de esquina. Percebendo nossa magreza e perguntando se iríamos embarcar no Nélio, a moça encheu nosso prato feito (de 7 reais) com três pedaços fartos de bife acebolado, mais uma porção generosa de verdura e muita salada - acompanhados de arroz branco e feijão, e uma estupidamente gelada jarra de água que sempre era reposta quando acabava (a jarra estava inclusa nos 7 reais). É isso, no on the road, não há como não descrever à exaustão tudo aquilo que comemos como se fosse o manjar dos deuses bem ali na nossa frente.

Hoje fiquei degustando a prosa de Kerouac em Tristessa por infinitas horas de prazer. Leio Kerouac devagarinho, como a fruição de pequenos diamantes, por saber que sua obra é curta, e por querer levá-lo comigo, inédito para mim, pela vida toda.

domingo, 28 de novembro de 2010

Tsc, feministas

Hoje as feministas universitárias enviaram uma mensagem sobre um Ato em que pedem por seguranças homens e armados nas entradas e saídas do campus para protegerem seus corpos dóceis de possíveis estupradores.

não entendo vocês, feministas, diante desses casos de violência corporal ... pedem seguranças homens e armados nas saídas do campus para a proteção de seus corpos dóceis...

deviam era se espelhar em Yim Wing Chun e não sair de casa sem seus nunchakus! A defesa pessoal é bem público e direito da mulher a ser conquistado! Valham-se por si próprias, se querem serem livres e autônomas de homens estupradores! Transformem seus corpos em máquinas mortíferas, lutando pelo direito das mulheres em terem custeado pelo Estado uma educação corporal de defesa de si próprias! Se até hoje no nosso país temos homens que decidem o que fazemos ou não com os nossos corpos (como na questão do aborto), é porque a luta nunca foi pensada em termos de uma construção da autonomia corporal da mulher.

Um pouco mais tarde, recebi uma mensagem de que as garotas se organizaram e pediram a dois amigos que seguissem e abordassem o possível suspeito da tentativa de estupro, que pegaram o cara e deram um pau nele. Precisa, gente? As mulheres, em busca de sua liberdade e autonomia, já deveriam há tempos ter formado grupos de mulheres ninjas para se vingar de caras assim.

domingo, 21 de novembro de 2010

O duplo de Don Juan Maltus

Em The Eagle's Gift (1981), Carlos Castaneda revela ao leitor que era o homem duplicado de Don Juan Maltus. Don Juan conta a Castaneda sua saga em busca de sua mulher nagual duplicada, e de seu homem duplicado. Depois de muitos anos, Don Juan finalmente se depara com seu homem duplicado: "Este homem era eu.", diz Castaneda (O presente da águia, p. 179, versão Scribd).

Daqui em diante, toda a aproximação de Castaneda com Don Juan via interesse antropológico é novamente recontada, agora sob a perspectiva de um agenciamento feiticeiro de Don Juan, que chamou Castaneda até seu campo de visão, e até uma intimidade maior a partir do "aprendizado", sob a tática do stalking.

Foi interessante descobrir, ou redescobrir isso. Quando eu lia que as discípulas de Castaneda se diziam discípulas de Don Juan, eu sempre tivera a impressão de que elas não haviam conhecido o nagual, mas sim se referiam a Castaneda: Castaneda como o Don Juan incorporado, ou como o outro Don Juan. É muito interessante essa perspectiva de Castaneda como o duplo de Don Juan Maltus: o que corrobora ainda mais para a riqueza de sua autobiografia e biografia, já que aqui, literalmente, ao falar de seu outro, ele está falando de si mesmo.


Vejamos o excerto dessa mais uma recontação daquele primeiro encontro de Castaneda com Don Juan. Temos essa contação primeira no Erva do Diabo, depois contação de novo, sob outro ponto de vista, no seu segundo livro, e agora neste sexto livro, mais uma vez vemos a mesma história do primeiro encontro, sob uma perspectiva totalmente diferente:

"Depois que Dom Juan e seu grupo de guerreiros perderam as esperanças — ou melhor, como disse ele, depois que ele e os guerreiros homens chegaram ao fundo do poço e as mulheres encontraram meios adequados de mantê-los de bom humor — ele finalmente deparou com um homem duplicado. Esse homem era eu. Ele disse que já que ninguém no seu juízo normal vai se oferecer para um projeto tão absurdo como a luta pela liberdade, teve de seguir os ensinamentos do seu benfeitor e, num estilo de verdadeiro espreitador, ir me buscar como buscara os membros do seu próprio grupo. Precisaria estar sozinho comigo num lugar onde pudesse aplicar uma pressão física no meu corpo, e seria necessário que eu fosse lá pela própria vontade. Atraiu-me à sua casa com grande desenvoltura — mas, disse ele, assegurar o homem duplicado nunca é um grande problema. A dificuldade é encontrar um que esteja disponível.

Aquela primeira visita foi, do ponto de vista de minha conscientização diária, uma sessão sem conseqüência. Dom Juan foi muito charmoso e brincou comigo. Levou a conversa para assuntos como a fadiga do corpo, depois de longas horas guiando um carro, assunto esse que me pareceu bastante inconseqüente, por eu ser estudioso em antropologia. Depois fez um comentário acidental de que minhas costas pareciam estar fora de alinhamento, e sem dizer mais nada pôs a mão no meu peito, endireitou meu corpo e me deu um soco forte nas costas. Pegou-me tão distraído que eu desmaiei. Quando abri os olhos achei que ele tinha quebrado minha espinha, mas no fundo sabia que não era nada disso. Eu era outra pessoa e não a pessoa de sempre. Dali por diante, sempre que o via ele me fazia mudar minha conscientização do lado direito para o lado esquerdo, e então me revelava o regulamento."


Assim, desse novo ponto de vista, todas as experiências relatadas em A Erva do Diabo são, agora, as revelações do regulamento nagual.

A polêmica de Florinda Donner

Em dezembro de 1983, depois de quatro resenhas publicadas em diversos jornais e na American Anthropologist sobre seu primeiro livro Shabono, três responsáveis pela antropologia da UCLA publicam a seguinte carta no Anthropology Newsletter, explicando o posicionamento da faculdade a respeito de Shabono e de Florinda Donner:

JOURNEY TO A SHABONO

Published in Anthropology Newsletter. (American Anthropological Association) December 1983, pp 2,7.
Shabono has been described by one reviewer (Kendall 1982) as an "anthro-romance", by another (Vesper 1982) as a "modern-day version of the British colonial novel", and in the pages of the American Anthropologist Picchi (1983:674) as well-written but with a narcissistic focus. Adding to the evaluations of this book is not the purpose of our commentary. As the former committee of a previously registered graduate student, now turned author, it is incumbent on us to provide some information to the serious implications raised by Holmes (AA 1983:664), who strongly suggests affinities of this book with a previously published account of life with the Yanoáma by Helena Valero (1971). When Shabono was first published, this committee did express our concern privately to a prominent Yanomama scholar. Since that time three issues now force us to make a public statement. The first is the commentary by Holmes; the second is the fact that the author of Shabono, Florinda Donner, has been reported by the press as currently pursing her studies at UCLA (Japenga 1983), and the third is the reported chronology of the Yanomama peregrination which appears to show that it was done while Donner was a student under our supervision.
Legal and confidential factors constrain what her committee can report. We are not able, for example, to reveal Donner's name under which she was registered at UCLA. For convenience we will refer to her as Donner.
It should be immediately pointed out that the publication of Shabono was four years after Donner had allowed her graduate studies at UCLA to lapse, and that there had been no formal connection between this student and her committee since the fall of 1977. Indeed, on publication of this book in 1982,, this committee was not even aware that its author was our ex-student. It was only after one reviewer, learning from the publishers that Donner had been at UCLA and eventually tracking down her chairman, that the connection was made (reported in Vesperi 1982). On learning that her student identity had now been discovered, Donner telephoned the chairman and acknowledged that she had changed her name and written this book.
Briefly, all that we are advised to report on Donner's graduate career is the historical record. She entered the anthropology department as a graduate in 1972. She was advanced to doctoral candidacy in April, 1976. She applied successfully for leave of absence for 1977-78, after which time she never re-registered. It is true to state that Ms. Donner was in good scholastic standing when she left.
Donner's graduate committee approved her dissertation proposal, which was for the study of curing practices at Curiepe, on the coastal region of Venezuela, which she subsequently reported. It may be pertinent to state that the graduate record indicated that another research proposal was earlier made in the spring of 1973 for a study of curanderos in Tucipata, described as an urban center on the Orinoco river in Venezuela. This proposal stated that she had already made a visit to this town.
All the time that Donner was under our supervision she never informed this committee of any extended visit, research or contact with the Yanomama. We find it perplexing that she failed to tell us of this undoubtedly exciting trip and of her traumatic experiences with the people there. Thus this committee regrets that we are unable to provide any information on this reported field experience. It would be helpful if Donner had been precise as to exactly when this trip was made. In Shabono there are no dates whatsoever. It was only subsequent to publication of the book that some dates have been reported to reporters for local presses. These dates have left this committee further puzzled. From Vesperi (1982) the chronology was given out as 1976-77. From Japenga (1983) the dating was extended to "about 10 years ago". This implies that the period was 1974-75, or perhaps 1975-76, which would mean that it was before her research visit to the coast. It is possible that will never know for sure, as from the helpful interview with Japenga (1983) we learn that "Donner said she gave up keeping track of the years when she lived with Ritimi, Tutemi and Texoma, her Yanomama friends, who never saw a need to count higher than three".
Holmes makes the point that by "coincidence" Carlos Castaneda graced the jacket cover with his comments. By further coincidence, and as an aficionado of the Don Juan series could scarcely miss, an entire chapter in Castaneda's sixth book (1981) was devoted to a certain sorceress by name of Florinda. This lady taught Castaneda the art of "stalking" (original italics). Alluding to stalkers she said: "If they're not afraid of being a fool, they can fool anyone" (Castaneda 1981:293). Perhaps there is some truth in this.
D.R. Price-Williams 
R.B. Edgerton
L.L. Langness 
University of California, Los Angeles.


REFERENCES CITED
Castaneda, Carlos. 1981. The Eagle's Gift. New York: Simon and Schuster Holmes, Rebecca. 1983 "Shabono: Scandal or superb social science?" American Anthropologist, 85: 664-667. 
Japenga, Ann. 1983. "The saga of a cultural cross-over". Los Angeles Times, September 11 
Kendall, Elaine. 1982. "Review of Shabono by Florinda Donner." Los Angeles Times, May 9 
Picchi, Debra. 1983. "Review of Shabono by Florinda Donner. American Anthropologist 86: 674-675 
Valero, Helena: as told to Ettore Biocca. 1971 Yanoáma: the narrative of a white girl kidnapped by Amazonian Indians. New York: E.P. Dutton 
Vesperi, Maria D. 1982. "Mystery clouds the air in tale of Indian life". St. Petersburg Times (Florida), April 25.

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Lançamento do Livro: Jovens religiosos e a subjetividade




Mais um livro para comprar.

Da Sílvia Regina Fernandes.

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Mais um amor que chega ao fim

(ATENÇÃO: este depoimento terá a narrativa da conversão mística. O sentimento que se quer evidenciar não condiz exatamente com uma estrutura antes/depois, porém sua autora encontra-se ligeiramente alterada por uma alta quantidade de leitura de livros de padres.)

Antes, o barulho do mundo era um som raivoso de guitarras death metal e gutural.
mas você me fez escutar a melodia do baixo,
dos sinos,
o som que a água faz quando pinga,
o som que tem o cheiro de um vapor de chá
e a cor da música,
o céu de bolinhos muffins com simpáticos homenzinhos rechonchudos voando feito bolha de um vinil cremoso.

foi você, ou foi a primavera?


(satori de alan's psychedelic breakfast na alta, e veloz, madrugada
)


para Luiz Henrique Cruz, ex-amor que, ao chegar a primavera do ano seguinte, decidiu cortar com faca todas as flores do nosso jardim.

domingo, 7 de novembro de 2010

Redirecionando o fluxo de dinheiro

O que é dinheiro? Se pergunta Strathern em "Cutting the Network".

Irmã Dorothy construía seu hospital pedindo dinheiro para os ricaços do nordeste: ela redirecionava o fluxo de grana invocando a "boa obra".

O padre redirecionava o fluxo de dinheiro dos ricos da RCC, convencendo-os que ao invés de comprarem o carrão do ano, deveriam doar sua grana para Jesus Cristo: esse deus encarnado no povo da rua. Então os ricões compravam casas e doavam para a obra do padre. Acontece que no meio desse fluxo de grana, surgiu um novo nó: a Igreja. O redirecionamento do fluxo de grana, agenciado pelo padre, agora tinha que passar por um nó da conexão, a Igreja. E os ricos se negaram a tanto, pensando neste nó-Igreja como uma barragem do fluxo. A Igreja, que sempre cobrou impostos (o dízimo) não podia estar ali mediando a situação, com leis, cartórios, entrega das escrituras de casa para o nome da Igreja, este ente que ninguém sabe ao certo o que é. Então, para os ricões, a Toca era uma coisa, e a Igreja era outra. Doar direto pro mendigo, ou pro toqueiro, era bom; agora, entrar nas legalidades de doação da Igreja, já não era assim tão interessante.

Isso é um protesto claro contra uma Igreja do tipo Diocese.
Isso é um protesto claro contra uma imaginação social de Igreja, e em prol de uma outra Igreja imaginada em termos de comunidade (local e fraterna).

sábado, 6 de novembro de 2010

Laura Palmer

"Gosto da idéia de colocar todos os meus pensamentos num único lugar, como um cérebro onde se possa olhar dentro." - Diário Secreto de Laura Palmer.

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Candomblé vira caso de polícia

ILHÉUS – URGENTE

RACISMO – INTOLERÂNCIA RELIGIOSA VIOLÊNCIA CONTRA MULHER – ABUSO DE AUTORIDADE-TORTURA

Sábado dia vinte e três de outubro de 2010, por volta das 14: 00 hora, um pelotão da Polícia Militar da Bahia, invadiu o assentamento D. Helder Câmara, em Ilhéus, levando a comunidade de trabalhadores e trabalhadoras rurais a viverem um momento de terror, tortura e violência racial.
Os fatos: Ao ser questionado pela coordenadora do assentamento e sacerdotisa (filha de Oxossi) Bernadete Souza, sobre a ilegalidade da presença do pelotão da polícia na área do assentamento, por ser este uma jurisdição do INCRA – Instituto Nacional e Colonização de Reforma Agrária e, portanto a polícia sem justificativa e sem mandato judicial não poderia estar ali. Menos ainda, enquadrando homens, mulheres e crianças, sob mira de metralhadoras, pistolas e fuzil, o que se constitui numa grave violação de direitos humanos. Diante deste questionamento, o comandante alegando “desacato a autoridade” autorizou que Bernadete fosse algemada para ser conduzida à delegacia. Neste momento o orixá Oxossi incorporou a sacerdotisa que algemada foi colocada e mantida pelos PMs Júlio Guedes e seu colega identificado como “Jesus”, num formigueiro onde foi atacada por milhares de formigas provocando graves lesões, enquanto os PMs gritavam que as formigas eram para “afastar satanás”. Quando os membros da comunidade tentaram se aproximar para socorrê-la um dos policiais apontou a pistola para cabeça da sacerdotisa, ameaçado que se alguém da comunidade se aproximasse ele atirava. Spray de pimenta foi atirado contra os trabalhadores. O desespero tomou conta da comunidade, crianças choravam, idosos passavam mal. Enquanto Bernadete (Oxossi) algemada, era arrastada pelos cabelos por quase 500 metros e em seguida jogada na viatura, os policiais numa clara demonstração de racismo e intolerância religiosa, gritavam “fora satanás”! Na delegacia da Polícia Civil para onde foi conduzida, Bernadete ainda incorporada bastante machucada foi colocada algemada em uma cela onde havia homens, enquanto policias riam e ironizavam que tinham chicote para afastar “satanás”, e que os Sem Terras fossem se queixar ao Governador e ao Presidente.
A delegacia foi trancada para impedir o acesso de pessoas solidarias a Bernadete, enquanto os policias regozijavam – se relatando aos presentes que lá no assentamento além dos ataques a Oxossi (incorporado em Bernadete) também empurraram Obaluaê manifestado em outro sacerdote atirando o mesmo nas maquinas de bombear água. Os policias militares registraram na delegacia que a manifestação dos orixás na sacerdotisa Bernadete se tratava de insanidade mental.
A comunidade D. Hélder Câmara exige Justiça e punição rigorosa aos culpados e conclama a todas as Organizações e pessoas comprometidas com a nossa causa.
Contra o racismo, contra a intolerância religiosa, contra a violência policial, contra a violência à mulher, pela reforma agrária e pela paz.
Projeto de Reforma Agrária D. Hélder Câmara
Ylê Axé Odé Omí Uá

domingo, 17 de outubro de 2010

Livro de Emerson da Sena Silveira

Carismáticos católicos em foco


SILVEIRA, Emerson J. Sena da. Corpo, emoção e rito: antropologia dos carismáticos católicos. Porto Alegre: Armazém Digital, 2008.


"Corpo, Emoção e Rito: Antropologia dos Carismáticos Católicos" traz um conjunto de idéias derivado do estudo do surgimento e desenvolvimento da Renovação Carismática Católica (RCC). A instauração ritual do carisma, da emoção e da espacialidade carismática são alguns dos temas trabalhados na publicação, que acompanha uma religiosidade que está entre as mais expressivas do panorama contemporâneo. O livro de Emerson Sena da Silveira é resultado de dez anos de pesquisa (1996-2006) em cursos de Especialização, Mestrado e Doutorado no Programa de Pós-Graduação em Ciência da Religião da Universidade Federal de Juiz de Fora.

A partir da leitura do conjunto de escritos do livro, percebe-se que as práticas carismáticas vivenciadas pelos fiéis, principalmente no que diz respeito ao fenômeno da cura, têm provocado polêmicas entre os católicos conservadores e também os de libertação, acusando-as de serem pseudo-psicoterapias ou alienadas, misticismo e prática new age ou esotérica disfarçada.

O livro cobre uma série de fenômenos e estruturas da RCC, desde sua inserção no mundo da política até sua presença na internet, a juventude, os grupos de oração etc. No capítulo "Estética e Salvação: subjetividade e "cuidado de si" no movimento carismático", a discussão do carisma e suas peculiaridades podem ser identificadas no fenômeno de cura interior e "batismo no Espírito".

A idéia de cura na RCC volta-se, na linguagem dos carismáticos, para um combate à "profanação", ao "mundo materialista". Sob uma perspectiva sociológica, trata-se da inserção das trajetórias individuais / familiares num "quadro" de construção de sentidos. Em outras palavras, as experiências vividas pelo sujeito como desagregadoras do sentido, da "harmonia interior e familiar", vividas como traumáticas, são reinterpretadas / reinseridas numa construção intersubjetiva que resolve a conflitividade inerente a essas situações.

Esses procedimentos levam os fiéis a um contato com o poder de Deus, desencadeado para combater aquilo que, para os carismáticos, seria a "profanação": dos corpos (prostituição, aborto); a dogmática (multiplicação de seitas, práticas esotéricas e as ligadas às religiões afro-brasileiras) e a psicossomática (as "doenças" corporais e especialmente as ligadas à psique, como as depressões e angústias). Essa sensação de "poder" atua como uma poderosa retórica na vida do adepto, permitindo que cultive atitudes como auto-estima, confiança, entre outras, em sua subjetividade.

Assim, no âmbito ritual, o dispositivo central é a revelação divina através do ministro de cura, o qual trabalha com a intersubjetividade, ou seja, emoção e memória se reúnem tornando-se humanas e sagradas. Humanização por conta da corporeidade (união de sentidos); e sacralização porque o Espírito Santo, na crença dos carismáticos, vem se apossar da humanidade e à medida que a revelação divina é acionada, esta propicia a sinergia entre corpo e subjetividade. As práticas de cura interior desenvolvidas pela Renovação Carismática Católica (RCC) trazem uma complexa tecnologia de reconstrução da memória autobiográfica (tecnologia mnemônica), estabelecendo uma interação com conteúdos de cunho coletivo e individual.

A tecnologia mnemônica, no movimento carismático, segundo o estudo, desenvolve no sujeito a expansão de sua interioridade, fazendo com que os mesmos reflitam e reconstituam em seu interior a sua trajetória de vida, fazendo uma grande circulação de emoções e de trabalho de produção da memória. Essa "tecnologia do eu" passa a se constituir numa mediação entre biografia individual, fragmentada entre memórias perdidas, e a grande narrativa da tradição religiosa.

No catolicismo tradicional, o corpo é o lugar da ascese, ou seja, aspiração às mais altas virtudes; do martírio e da batalha contra as paixões. As músicas, orações, práticas sacramentais seriam executadas a partir de uma determinada configuração: relembrar as verdades e a monumentalidade da fé católica. Assim, na RCC, o corpo, antes de ser "domado", é para ser habitado pelo "Espírito", para ser lócus de "alegria". Assim, ritmos diversificados, como samba e rock, penetram as "partituras" das composições de bandas surgidas dentro do movimento carismático e trazem para a subjetividade um horizonte de ressignificação da própria modernidade.

As orações organizam e tornam densas as experiências do sujeito, especialmente quando estas possuem um caráter disruptivo (traumas, medos, depressões, angústias, rancores), em outras palavras, quando não foram integradas numa ordenação que permita ao sujeito construir um sentido e um espaço de manifestação das mesmas. Quanto mais a oração concentra-se sob o aspecto da experiência afetual do sujeito, mais ela constrói o ambiente propício ao florescimento de uma "cultura de si". O fenômeno do "batismo do Espírito" estaria aí incluído.

Com foco nas performances dos rituais carismáticos, o livro procura compreender o sentido que os fiéis atribuíam a essas experiências com o "Espírito Santo" na direção da construção de suas subjetividades. A etnografia revela que os carismáticos, à sua maneira, aproximam o catolicismo da (pós) modernidade, ao embutir, no mesmo processo de significado, dimensões modernas (adesão individual, subjetividade), tradicionais (dogmas, estruturas holísticas, mitos de origem) e pós-modernas (emocionalidade, corporeidade)".

Texto preparado pelo autor do livro. Contato: emsena@terra.com.br

Imagem: editora Armazem Digital

O livro pode ser adquirido pelo site: http://www.armazemdigital.com.br/v2/ad.php?idmenu=5

sábado, 16 de outubro de 2010

Vegetarianismo e Aborto

Vegetarianos a favor do aborto comem carne de vitela?

Protestos no Brasil




No Brasil, a massa só protesta quando o assunto é futebol. E ainda assim, a torcida manda seus representantes protestarem, ou seja, a torcida organizada.
(Sobre os protestos da Fiel, torcida organizada do Corinthians, realizados ontem contra os jogadores).

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Piadinhas de José Serra

"O fato de eu ter batalhado contra o hábito do cigarro não implica que eu seja contra a produção de tabaco,"

"O fato de que o cigarro faça mal não implica que vai acabar o consumo e que não se exporte. É uma atividade que gera empregos, que merece ser apoiada e vai ter meu apoio."

Frases de seu discurso em Pelotas, 13 de outubro de 2010.
Muito bem, Serra, dê o bom exemplo ao mundo: cuide da saúde dos paulistas e deixe os europeus e americanos morrerem de câncer! O que será que eles vão pensar quando ouvirem isso, hein?

Agora só estou esperando o senhor dizer: "O fato de eu ser contrário ao aborto não implica que a minha mulher não possa abortar."

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Jesus e a Blasfêmia

"Os judeus responderam, dizendo-lhe: Não te apedrejamos por alguma obra boa, mas pela blasfêmia; porque, sendo tu homem, te fazes Deus a ti mesmo."- João 10:33




É bem interessante ver esse cara provar isso com os evangelhos tradicionais, eu já logo concordei com a afirmação dele porque no mesmo instante me lembrei do Atos de Pilatos, o Evangelho de Pilatos, que relata exatamente isso, a condenação por blasfêmia, por dizer que era o filho do Pai.

É preciso comer o tutano do forte

"Globalização é sinônimo de homogeneização e não de trans-culturação, que é a devoração do outro. É preciso comer o tutano do forte para ficar forte também." - Haroldo de Campos.

Apocalipse no Catolicismo: o mundo está sempre acabando

Desde quando eu tinha uns 12 anos, ouço dizer que o mundo vai acabar. Na minha época, a grande data era a virada do milênio, o ano 2000. Passada esta data, já marcaram outra: 2012. Bem, essa data está chegando, e se nada acontecer, como há 2000 anos nada acontece, uma nova data será marcada.

Vejamos qual é a brisa do Apocalipse para o Catolicismo:

Em 130 d.C. Justino, o Mártir acreditava que Deus estaria a atrasar o fim do mundo porque desejava que o Cristianismo se tornasse uma religião mundial. Por volta do Século III a maioria dos professos cristãos acreditava que o fim dos tempos ocorreria depois de suas mortes. Em 250 d.C. Cipriano, Bispo de Cartago, escreveu que os pecados dos cristãos eram um prelúdio e prova de que o fim dos tempos estava próximo. Alguns, recorrendo às Tradições Judaicas, fixaram o fim das eras na Sexta Idade do Mundo. Usando este sistema, o fim foi anunciado para 202 d.C. mas, quando esta data passou, foi fixada uma nova data. Na época de Clóvis I, considerado o fundador da França e que se converteu ao catolicismo após ser entronizado como rei em 481 d.C., alguns escritores católicos haviam apresentado a idéia de que o ano 500 d.C marcaria o fim do mundo. Depois de 500 d.C., a importância e a expectativa da vinda do fim do mundo ou das eras como parte dos fundamentos do Cristianismo foi marginalizada e gradualmente abandonada. Apesar disso, surgiu um temporário reavivamento dos temores relacionados com o fim dos tempos com a aproximação do milésimo ano do nascimento de Cristo. Muitos acreditavam na iminência do fim do mundo ao se aproximar o ano 1000. Segundo consta, as atividades artísticas e culturais nos mosteiros da Europa praticamente cessaram. Eric Russell observou no seu livro Astrology and Prediction: "'Em vista da proximidade do fim do mundo’ era uma expressão muito comum nos testamentos validados durante a segunda metade do Século X."

Para muitos católicos hoje em dia, expressões tais como "Juízo Final", "Dia do Juízo" ou "fim do mundo" suscitam visões dum ajuste de contas final e da destruição da Terra. Sob o cabeçalho "Fim do Mundo", o conceituado Dictionnaire de Théologie Catholique (Dicionário de Teologia Católica), declara: "A Igreja Católica crê e ensina que o mundo atual, assim como Deus o fez e assim como é, não durará para sempre. Todas as criaturas visíveis feitas por Deus no decorrer das eras[...] deixarão de existir e serão transformadas numa nova criação." Também, o católico Dictionary of Biblical Theology (Dicionário de Teologia Bíblica) exalta a criação como "a bondade de Deus", e, como "uma verdadeira obra de arte", mas prossegue descrevendo como os elementos literais, físicos, experimentarão uma "total inversão, mediante uma súbita volta ao caos".

O apocalipse é analisado por Foucault, quando vai perceber que em 1500 a grande moda era o medo do apocalipse, o que representou de fato uma mudança de eras, onde um outro paradigma estava sendo formado (o da Razão). Paul Rabinow recuperará esta idéia para mostrar como há apocalipse nos debates conflituosos entre religião e ciência no século XXI.

Surtos apocalípticos podem se manifestar por um mito bonzinho ou por um mito mal: o pessoal das 12 Tribos acredita no mito bonzinho, e está unindo pessoas e movimento para que o apocalipse chegue logo, já que a segunda vinda de Jesus é a salvação para todos os que tiverem no caminho certo. Já o pessoal da Crash, fala muito em Apocalipse para botar medo nas pessoas com o demônio, daí todo mundo se converte por medo do apocalipse leva-lo ao inferno.

Os bispos e seus chapéus ridículos

Missa de ordenação de um bispo: caramba, nunca vi tanto bispo junto! Juntos, com aqueles chapéus ridículos, em um momento da cerimônia onde eles tinham que andar prá lá e prá cá, pareciam um ritual macabro da ku kux klan. E eles também tem um cajado de ouro. Estranhamento total com o catolicismo hoje. Como eles matam todo o dia o Deus deles na cruz e depois ainda fazem questão de comê-lo?! Acho que entendi um pouco mais a teoria de Sacrifício do Marcel Mauss - no sentido de que o Sacrifício produz um alcance ao sagrado, a partir da descontinuidade. A coisa muda mesmo depois da transubstanciação: não sei se estou muito atingida pela teologia do Padre Roberto e dos vídeos que mostram a hóstia flutuando depois da consagração, mas eu realmente senti uma diferença no clima do lugar depois que o Sacrifício ocorreu! Mas foi sentindo isso (o que seria um sinal do meu compreendimento do nativo), eu senti maior ânsia de vômito com as hóstias, ao ver aquele povo se alimentando da carne do próprio Deus que eles mesmos mataram....

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Eleições

não sei por que as pessoas reclamam tanto do tiririca ter ganhado... a TV Câmara terá o maior ibope da história, todo mundo vai querer acompanhar tudo!

Padre Pio

"A Igreja, que conhece a psicologia das massas, tinha imposto ao padre Pio severas restrições. Não lhe era permitido falar senão no confessionário, que, durante anos, foi o seu único campo de apostolado; já não podia pregar neme screver fosse o que fosse. Todas essas medidas pareciam excessivas e inúteis aos olhos de uns; mas é de espantar ver quantas almas encontraram o caminho de Deus graças a ele. A sua obediência aos superiores, nesta circunstânncia, produziu inúmeros frutos.

Se essas restrições não tivessem sido tomadas, já ele teria durante a vida conhecido uma espécie de canonização popular. Ora, o padre Pio tinha uma verdadeira aversão por tal exagero; aceitava com reconhecimento a proteção de sua humildade e recolhimento." - Ari Decorte, Padre Pio: testemunha privilegiada de Cristo Braga, Ediotiral A.O.
´

Já em Luigi Peroni, Padre Pio: o São Francisco dos nossos tempos, padre Pio tem perseguidores, que são bispos que ele diz o nome; e outros pastores indignos que ficavam desconcertados com o cumprimento tão digno e espiritualizado do padre pio, em relação a eles. O padre pio os ofuscava. Seu apreço exagerado pela santa missa e pela adoração gerava um mal-estar entre os outros padres, que deviam se sentir menos.

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Side effects of stopping the Pill

Segunda semana - Fadiga monumental, durmo dias e noites inteiras como se eu nunca tivesse dormido antes. Depressão. Choro sem motivo, esqueço das coisas, pensamento lerdo, leio um parágrafo três vezes não entendo nada e não sei do que se tratava a primeira frase quando chego no final. Tristeza. Falta de fome. Não almoço, nem janto. Dor!! Muita dor no baixo-abdomen. Não sinto vontade de fazer nada. Nada me agrada,começo a ler um livro, e desisto, vou ouvir um som e desisto. Os passeios me deixam ainda mais triste. Nada me empolga. Me sinto uma mulherzinha, e me pergunto se o que sinto será ausência total de hormônios no corpo ou enxurrada de hormônios, como se o corpo tivesse passado a produzir muito de um dia para o outro. Amo demais, e no minuto seguinte, odeio demais. Quero casar e no minuto seguinte quero terminar. Hoje acordei chorando porque achava que o namoro era extremamente feliz no inicio de primavera do ano passado e nesse ano está extremamente pesaroso e triste. Sinto muita falta de minhas amigas, vontade de conversar sobre esses meus sentimentos de mulherzinha que o stopping-Pill tem me trazido. Mas não saio de casa, não tenho vontade de sair de casa. Hoje faltei da aula. Não consigo me focar em nada. Sinto-me numa nebulosa. Dor sentada, deitada e ao andar. Sensação de estar esquecendo alguma coisa muito importante que não sei o que é. Esquecimento, letargia. Há quatro dias não vou ao kung fu. Cérebro lerdo. Sensação de estar ficando louca - uma loucura de sensações, de sentir demais, de sentir tudo, a razão se perde, tudo se tornou sentires. Melancolia profunda. Identificações com místicos e médiuns. Desejo por vícios e drogas pesadas. Estou esquecendo palavras simples, demorei meia hora para me lembrar da palavra "homeopatia" hoje.

Talvez seja importante anotar que a primeira semana foi ótima, logo que parei com as pílulas eu fiquei menstruada, fluxo em quantidade (a pílula estava me deixando quase sem fluxo), me senti muito bem, a libido aumentou, e talvez uma dorzinha na virilha, mas que eu atribui a um alongamento ruim.

Virginia Woolf - roupas

"Futilidades vãs, como parecem, as roupas têm - dizem eles - funções mais importantes do que simplesmente nos aquecer. Elas mudam nossa visão do mundo e a visão do mundo sobre nós. (...) Assim, pode-se sustentar o ponto de vista de que são as roupas que nos usam, e não nós que as usamos; podemos fazê-las tomar a forma do braço ou do peito, mas elas moldam nosso coração, nosso cérebro, nossa língua, à sua vontade." (Virginia Woolf - Orlando)

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Exorcismo e Igreja Católica

Como são considerados os exorcistas dentro da Igreja?

AMORTH: Somos muito mal tratados. Os irmãos sacerdotes que são encarregados dessa delicadíssima tarefa são vistos como doidos, fanáticos. Em geral quase não são tolerados nem pelos bispos que os nomeiam.

(...) que seja proibido a 150 sacerdotes participar duma audiência pública do Papa na Praça de São Pedro explica o quanto são dificultados os exorcistas pela sua Igreja, quanto são mal vistos por tantas autoridades eclesiásticas.

O Sr. combate o demônio quotidianamente. Qual é o maior sucesso de Satanás?

AMORTH: Conseguir que não creiam na sua existência.

Quase conseguiu.

Também dentro da Igreja. Temos um clero e um episcopado que já não crêem no demônio, nos exorcismos, nos males extraordinários que o diabo pode fazer, e tampouco no poder que Jesus concedeu de expulsar os demônios.

Há três séculos que a Igreja latina - ao contrario dos orientais e de várias confissões protestantes - abandonou quase completamente o ministério dos exorcismos. Sem praticá-los, estudá-los nem vê-los, o clero já não crê.

Já não crê tampouco no diabo. Temos inteiros episcopados contrários aos exorcismos. Há nações completamente carentes de exorcistas, como a Alemanha, a Áustria, a Suíça, a Espanha e Portugal. Uma carência assustadora.

(...) Nós que tocamos todos os dias o mundo sobrenatural sabemos que meteu a colher em tantas reformas litúrgicas.

Por exemplo?

AMORTH: O Concílio Vaticano II tinha comandado a revisão de alguns textos.

Desobedecendo a essa ordem, o que se quis foi refazê-los completamente.

Sem pensar que se podiam piorar as coisas em vez de melhorá-las. E tantos ritos foram piorados por essa mania de querer jogar fora tudo o que havia no passado e refazer tudo desde o começo, como se a Igreja tivesse até hoje sempre tapeado e enganado, e só agora tivesse chegado o tempo dos grandes gênios, dos superteólogos, dos superbiblistas, dos superliturgistas, que sabem dar à Igreja as coisas certas. Uma mentira. O último Concílio tinha simplesmente pedido a revisão desses textos, não a sua destruição.

O Ritual dos exorcismos, por exemplo: era para ser corrigido, não refeito.

Havia orações que têm doze séculos de experiência.

Antes de eliminar orações tão antigas e que por séculos demonstraram a sua eficácia, seria preciso pensar longamente. Mas não. Nós, os exorcistas, experimentando o Ritual "ad interim", vimos que são absolutamente ineficazes.

Também o Ritual do Batismo das crianças foi piorado.

Foi desvirtuado até quase eliminar o exorcismo contra Satanás, que sempre teve enorme importância para a Igreja, tanto que era chamado "exorcismo menor".

Contra esse novo rito protestou publicamente também Paulo VI.

Foi piorado o novo Ritual de Bênçãos. Li minuciosamente todas as suas 1200 páginas. Pois bem, foi cuidadosamente tirada toda referência ao fato de que o Senhor nos protege de Satanás, que os anjos nos protegem do assalto do demônio.

Tiraram todas as orações que havia na bênção das casas e das escolas. Tudo tinha de ser benzido e protegido, mas hoje a proteção contra o demônio já não existe, já não existem defesas e tampouco orações contra ele.

O próprio Jesus tinha-nos ensinado uma oração de libertação no pai-nosso: "Livrai-nos do Maligno. Livrai-nos da pessoa de Satanás". Em vernáculo foi traduzida de forma errônea, e agora se reza dizendo: "Livrai-nos do mal". Fala-se dum mal genérico, do qual no fundo não se sabe a origem. Ao contrário, o mal contra o qual Nosso Senhor Jesus Cristo tinha-nos ensinado a combater é uma pessoa concreta: é Satanás.

Padre Amorth, o satanismo difunde-se cada vez mais. O novo Ritual torna difícil fazer exorcismos. Impede-se aos exorcistas a participação numa audiência papal na Praça de S. Pedro. Diga-me sinceramente: o que está acontecendo?

AMORTH: A fumaça de Satanás entra em todas as partes.

Em todas as partes!

Talvez tenhamos sido excluídos da audiência do Papa porque tinham medo de que tantos exorcistas conseguissem expulsar as legiões de demônios que se estabeleceram no Vaticano.

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É muito interessante vê-lo criticando fortemente o Concílio Vaticano II por suavizar muito a ritualística pesada da Igreja Católica. Na intenção de universalizar mais o catolicismo, o Concílio acabou por inventar uma "missa light". Penso no padre Roberto Lettieri, cuja maior de suas lutas é a do resgate da tradicional Santa Missa. Padre que particularmente celebra a santa missa no rito antigo, e acredita que a eficácia de uma missa voltada para o povo (como quis o Concílio) depende da santidade do sacerdote. Rito novo ou rito antigo, é necessária uma forte espiritualidade da parte do sacerdote. Mas Lettieri não critica o Concílio, o considera como uma obra do Espírito dentro da Igreja, e que são sacerdotes quem deturpam o Concílio. Considera o Concílio obra do Espírito, apesar de defender a missa tradicional.

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Tudo o que eu quero fazer, mas não posso

... porque escrevo minha dissertação. Então deixo anotado para quando tiver de férias e sem emprego:

1) Tirar na flauta a música Serenade to a Cuckoo do disco This Was, do Jethro.
2) Terminar meu cachecol de tear.
3) Fazer um brinco de macramê com cinco cores.
4) Pesquisar/ir conhecer a comunidade Combatentes da Fé em Goiás.
5) Tomar um banho de cachoeira.
6) Tocar, tocaar!! Ir na casa dos amigos e ensaiar por 5 horas seguidas.
7) Comprar uma lata de spray e fazer uma homenagem ao maluco lim.

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Coyote Anthropology




Novo livro de Roy Wagner, publicado em julho de 2010. Segundo a Iracema, ele mergulha de cabeça na influência da antropologia de Carlos Castaneda, construindo um diálogo com Coiote.

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Micro-etnografia de uma paróquia

Antes de dar as bênçãos finais, o padre apresentou o candidato da paróquia (estávamos em 2010, ano de eleições presidenciais) e ofereceu-lhe bênçãos especiais para a sua vocação política. A última frase proferida pelo padre antes de descer do altar me soou realmente estranha: "Caipirinha no mesmo lugar...". Chegando até a porta de saída, fiéis se serviam de caipirinha e uma moça entregava santinhos com a foto e o número do candidato da paróquia.

Quanto mais verdadeiros os fatos, melhor a ficção

"Como já disse que era um dia de outubro, não me atrevo a perder o seu respeito e pôr em risco o bom nome da ficção mudando a estação e descre vendo lilases pendendo de muros de jardins, aça- frões, tulipas e outras flores da primavera. A ficção deve ater-se aos fatos, e, quanto mais verdadeiros os fatos, melhor a ficção — é o que nos dizem. Por tanto, ainda era outono e as folhas ainda estavam amarelecidas e caíam, quando muito, um pouco mais depressa que antes, pois então era noite (sete e vinte e três, para ser precisa) e uma brisa (do sudoeste, para ser exata) começava a soprar." - Virginia Woolf, Um teto todo seu

domingo, 12 de setembro de 2010

Victor Turner e a Modernidade?

"It would seem that with industrialization, urbanization, spreading
literacy, labor migration, specialization, professionalization, bureau-
cracy, the division of the leisure sphere from the work sphere, the
former integrity of the orchestrated religious gestalt that once con-
stituted ritual has burst open and many specialized performative genres
have been born from the death of that mighty opus deorum hominumque.
These genres of industrial leisure would include theater, ballet, opera,
film, the novel, printed poetry, the art exhibition, classical music, rock
music, carnivals, processions, folk drama, major sports events, and doz-
ens more. Disintegration has been accompanied by secularization. Tra-
ditional religions, their rituals denuded of much of their former sym-
bolic wealth and meaning, hence their transformative capacity, persist in
the leisure sphere but have not adapted well to modernity. Modernity
means the exaltation of the indicative mood; but in what Ihab Hassan
has called the "postmodern turn" we may be seeing a re-turn to sub-
junctivity and a rediscovery of cultural transformative modes, particu-
larly in some forms of theater." (TURNER, "Social Dramas and Stories about them" In Critical Inquiry, 1980, p. 166)



"Religion, like art, lives insofar as it is performed, that is, insofar as its
rituals are "going concerns." If you wish to spay or geld religion, first
remove its rituals, its generative and regenerative processes. For religion
is not a cognitive system, a set of dogmas, alone; it is meaningful experi-
ence and experienced meaning. In ritual one lives through events or
through the alchemy of its framings and symbolings; one relives
semiogenetic events, the deeds and words of prophets and saints or, if
these are absent, myths and sacred epics."(TURNER, "Social Dramas and Stories about them" In Critical Inquiry, 1980, p. 167)

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

O Cristo de Giotto di Bondone




Hoje, lendo "Francis Bacon: lógica da sensação", de Gilles Deleuze, me deparo com este quadro surpreendente, acompanhado da fantástica leitura de Deleuze sobre esta pintura:

"(...) o Cristo de Giotto, transformado num pipa em pleno céu, verdadeiro avião, que lança sua cicatriz sobre São Francisco, enquanto as linhas hachureadas do percurso da cicatriz aparecem como as marcas livres com as quais o santo maneja os fios do avião pipa."

Achei muito interessante este Cristo-pipa, que parece estar sendo manejado por um São Francisco que parece dançar sobre a terra. As linhas que ligam Francisco e o Cristo me fizeram sentir como se não fosse possível saber se é Cristo quem faz Francisco dançar, ou se é Francisco quem faz Cristo voar. As linhas são a relação, linhas exatas do titoreiro e seu boneco: metáfora preferida de Deleuze para o conceito de agenciamento.

Mais para além do agenciamento, a partir da relação que as linhas entre Francisco e Cristo supõem, há aqui uma idéia da relação envolvendo agências do sobrenatural, ao mesmo tempo em que é também uma imagem carregada de um sentido de descontinuidade, imediação, entre Francisco e Deus, na forma de Cristo-pipa.

domingo, 29 de agosto de 2010

Deleuze, Figura, figuração

Deleuze vai dizer que as duas formas de figuração – o “conjunto visual provável” e a “Figura visual improvável” –, “a figuração apesar de tudo conservada e a figuração reencontrada, a falsa fiel e a verdadeira, não são de forma alguma da mesma natureza” (2007, p.101), o que se produz entre elas é um salto, uma deformação, o surgimento da Figura. Neste caso, a Figura está representada pela imagem imprecisa, pouco nítida e deformada de Narciso refletida no lago. Deleuze sugere uma espécie de espaço movente e possível, um abismo que abre as dimensões sensíveis, entre o que ele chama de “primeira figuração” e de “segunda figuração”, ou seja, entre um conjunto visual provável, que é deformado, alterado, e outro que tem a ver com um gesto para tornar a figura visual improvável; diz ele:



Produziu-se entre as duas um salto, uma deformação, o surgimento da Figura no próprio lugar, o ato pictural. Entre aquilo que o pintor quer fazer e o que ele faz houve necessariamente um como, um “como fazer”. Um conjunto visual provável (primeira figuração) foi desorganizado, deformado por traços manuais livres, que, reintroduzidos no conjunto, vão tornar a Figura visual improvável (segunda figuração). (Deleuze, 2007, p.101)



Esse mover incessante de um espaço entre as duas possibilidades figurativas, a “primeira figuração” e a “segunda figuração”, ou esta oscilação do ato pictural, dá origem ao que Deleuze vai definir como “histeria” – que é uma histeria da própria pintura e não uma histeria do pintor. É a pintura que se apodera do olho pelas cores e pelas linhas, o olho agora livre e transitório. A histeria revelaria, para Deleuze, uma presença violenta que toma posse do olho, que faz ver aquilo que se pode chamar de “presença”. Dessa forma, a histeria seria algo que habita os corpos em movimento, os corpos intensivos, vibrantes, a Figura que se forma a partir desse traço livre, a partir de um salto ou de uma deformação. Para Deleuze, a Figura em Bacon é a presença do corpo sem órgãos já definido por Artaud, o corpo ocupado por intensidades, o corpo vivo, histérico, porém não orgânico: o corpo-desejo, quando desejar é o ato intenso de querer o querer, de desejar o desejo.

(...)

Deleuze aponta que a Figura é o corpo que se esforça para se tornar Figura, que a Figura é o corpo que se move, que vibra, que salta e, talvez por isso, se possa dizer que é através deste corpo alterado e vibrante que se pode tentar interromper a “catástrofe” no sentido que Benjamin a entende, ou seja, que as coisas continuem no mesmo lugar. Deleuze vai dizer, a partir de Bacon, que este mover se assemelha a um espasmo: “o corpo como plexus, seu esforço ou sua espera de um espasmo.” (Deleuze, 2007, p.23) Assim, a Figura se monta como espasmo, ou seja, como arroubo, êxtase, exaltação, paralisia ou espanto, que pode ser ainda uma forma de contração involuntária, inconsciente e que se realiza sem a intervenção da vontade. Dessa forma, segundo Deleuze, Bacon parece construir a sua cena histérica, por dentro dos espasmos, dos saltos e das deformações, “sempre o corpo que tenta escapar por um de seus órgãos, para se juntar a grande superfície plana, à estrutura material.” (Deleuze, 2007, p.24) Tudo isso pode ser lido como sensação, como forma sensível, que são também possibilidades de saída da narração ou da figuração em direção à Figura, à figura em si ou, como define Giulio Carlo Argan, em direção a “uma objetividade superior, uma condição ideal inerente ao ser do objeto”[4] (Argan, 1987, p.80)

Júlia Studart, in ZUNÁI - Revista de Poesia & Debates (http://www.revistazunai.com/ensaios/julia_studart_o_fantasma_e_o_desejo.htm)

terça-feira, 24 de agosto de 2010

São Francisco de Assis - biografia de Julien Green (breves notas)

Sobre a mudança de uma vida nobre para uma vida simples, a incompreensão do pai:
"A economia é uma coisa, mas uma aparência simples demais é outra coisa, e aborrecida quando se é o filho de um dos burgueses mais ricos." (p. 54) É incrível como os pais criam o maior drama quando seus filhos resolvem se vestir esfarrapados.

"Deus tinha lhe revelado... restaurar as paredes de sua Igreja em perigo." (p. 56)

A cruz que esperava Francisco:
"Preferes o amargor à doçura, se queres me conhecer." (p. 58)

"Calmo e firme, o suave revoltado declarou que qualquer violência era inútil: ele nunca voltaria para casa." (p. 63) - aqui, Green faz uma análise sobre a posição dos pais. Na página 70, Green fala em termos de "desastre familiar".

Pág. 72: o encontro com os amigos do passado festivo. Outros suam pelo pão, uns esmolam - quem é mais digno aos olhos de Deus?

"porque a heresia é a revolução" (p. 92)

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Revista de Antropologia Social - Número Especial sobre Etnografia

Revista de Antropologia Social - Madrid.

Vol. 17, 2008.

Artigos sobre etnografia e fazer etnográfico.
Um do George Marcus, outro sobre autoetnografia norteamericana (Castaneda?)

http://www.ucm.es/BUCM/revistasBUC/portal/modulos.php?name=Revistas2&id=RASO

(neste site, todos os outros n.s da revista e de outras)

A pobreza, para os evangélicos neopentecostais

Encontrei uma análise bastante boa sobre o que significa a pobreza, do ponto de vista cosmológico dos evangélicos pentecostais. Está no artigo de Fábio Lanza e Cláudia Neves da Silva (UFPR), intitulado "Pentecostalismo e Teologia da Libertação: a busca de respostas para enfrentar os problemas sociais", e foi apresentado na RAM 2009.


"Esperam que a religião lhes forneça as respostas de como enfrentar as constantes dificuldades materiais e financeiras. Se a busca para enfrentar as agruras cotidianas se dá no plano espiritual porque depende da fé de cada um em um deus poderoso e onipotente, as razões para existirem homens e mulheres em situação de extrema pobreza também não estariam fora deles, mas em uma esfera interna que somente cada indivíduo poderia superar. A pobreza material poderia ser decorrência da pouca fé em Deus, da desobediência às suas determinações. Por esta razão, nos cultos é exaltada a obediência a Deus e às suas palavras.
Nesse sentido, a pobreza para aqueles que compartilham essa concepção de mundo, decorreria de uma situação individual, tanto do que tem mais, porque movido pelo egoísmo, pelo anseio do ganho fácil, que o leva a explorar seus empregados, pagando-lhes salários injustos e a não ajudar os mais necessitados, quanto do que nada tem, porque uma força fora deste mundo, maligna, o estaria impedindo de prosperar, de ter um emprego, a casa própria. Somente pela fé em Deus e em seu filho, Jesus Cristo, seria possível superar esta força que estaria dominando a vida do crente."
(LANZA e SILVA, 2009, p. 13)


É muito interessante perceber como, a partir desta análise, dentro desta cosmologia um problema social é compreendido como um problema individual, de personalidade, ou de falta de esforço pessoal. Se a pessoa não tem emprego, não é porque o Estado se privatizou ou porque falta emprego no país devido a situação de neocolonialismo: é porque a pessoa não está se esforçando, é porque o demônio está impedindo ela de arrumar um emprego.

Não é explícito, mas fica nas entrelinhas de seu texto que considera que um dos fatores do sucesso das igrejas evangélicas, no momento em que quem era católico começa a virar evangélico, é que a igreja evangélica possibilita, muito mais que a católica, uma aproximação do fiel com o Deus sobrenatural: é um fiel que agencia o sobrenatural, sem mediações humanas tipo padre. Uma ampliação da análise desse fator é dizer que esta agência do sobrenatural confere poder, ou "ilusão de poder" - então quem é apenas uma doméstica fora do templo, no templo é a invocadora do Espírito Santo, é a fortalecedora de exorcismos. E é claro, esta aproximação maior com o sobrenatural certamente dependeu da inserção de mais entidades neste cosmos sobrenatural - como os exus, as pombagiras, os espíritos populares já tradicionalmente consagrados por sua característica de poderem ser incorporados pelo homem no transe.

Um outro fator apontado no texto é que aquelas igrejas evangélicas que surgiam, ofereciam soluções rápidas para tormentos físicos e emocionais.

Toca de Assis na RAM

Saíram todos os artigos apresentados na RAM 2009 no site:

http://www.ram2009.unsam.edu.ar/paginas/GT.html

Entre eles, no GT 56 - Religiones en transformacion en las ciudades latinoamericanas, encontrei um artigo que é uma pesquisa sobre a Toca de Assis. A autora é a Patricia Borges da Silveira Bezerra, da UFRJ (orientada pela Cecília Mariz) e o artigo se chama "Toca de Assis: continuidades e rupturas no catolicismo contemporâneo".

Olhar Assassino

"Peguei um avião, mas minha alma ficou presa no barco, junto com os planos de todos os caranguejos e sururus, a passear. Entranhei na terra e acho que enterrei meus sonhos lá nas raízes daquele mangue. Volto para a lama. Até o pescoço dessa cidade." (Carol Bazzo)


Quando voltei para Banzo, vi tudo estranhado.

Em Brisa Salgada, todos olham para todos de cima para baixo: reparam na roupa. Mas em Banzo, as pessoas se olha com um olhar de assassino. Olhar penetrante, direto nos olhos, acompanhado de uma cara de maldade extrema. Pensei que iam me matar naquelas ruas.

Em Banzo, cidade bruta, não há beleza. E os peixes são enlatados, ficam mortos nestas latas em prateleiras de supermercados por meses, esperando serem comprados. É peculiar esta tristeza de Banzo. Pois em Brisa Doce, também grande cidade, se a pessoa naquelas ruas atoladas de carros e buzinas, sente fome, vai a uma das tantas barraquinhas que existem nas calçadas e encontra: vatapá, maniçoba, tacacá, salada de frutas com creme de leite, açaí com guaraná, vitaminas, sucos com guaraná, tudo a preços módicos. Mas em Banzo, só existe barraquinha de cachorro-quente.

Fizeram de Banzo um lugar tão feio, tão inóspito que o esporte preferido de seus moradores é criar quimeras. seja em suas mentes criativas, seja em caixinhas de luz. Não tem vontade de sair de casa porque é frio, não tem vontade de sair de casa porque lá fora tudo é cinza, é asfalto, é dor.

A Revolução Biográfica

Aquelas músicas dos anos oitenta, tipo Zélia Duncan e Legião Urbana, diziam que alguém estaria em um apartamento perdido na cidade tentando acreditar que o mundo iria melhorar. De uns tempos prá cá, as formas de ação acerca da crença na mudança do mundo mudaram: estes alguéns andam saindo de seus apartamentos e mudando a si próprios.

Já há algum tempo tenho pensado nisso. Lia o Ulrich Beck, que fala algo do tipo "para transformações sociais, soluções biográficas" e via isso acontecendo naqueles jovens ascéticos que se transformavam para agir sobre a pobreza das ruas. Pois bem, estive em Recife e encontrei uma outra amostra comprovativa deste fenômeno.

Agosto de 2010. Em uma praça de Boa Viagem, aonde acontece uma feira típica aos finais de semana, encontramos Mariana, uma artesã de dreads nos cabelos curtos, vestindo roupas despojadas, uma hippie, como muitos diriam. Mariana contou sobre seu estado atual de artesã da seguinte forma: "Eu já rodei todo esse Brasil por conta do meu trampo. Eu era assistente social, tentava ajudar as pessoas, acabar com a desigualdade. Mas fui percebendo que esse negócio de mudar o mundo era impossível. 'Quer saber? Em vez de ficar aqui tentando mudar o mundo sem conseguir, eu vou é mudar eu mesma.' Larguei tudo e saí pro mundão, vivendo de artesanato."

quarta-feira, 21 de julho de 2010

Contracultura e Religião

"É por essa via [da contracultura dos anos 60] que os segmentos letrados das sociedades ocidentais modernas viram proliferar os sentimentos de solidariedade com a totalidade (perdida), a subjetividade (ameaçada), o fluxo (estancado),o sensível (estiolado), o corpo (racionalizado) e a natureza (conspurcada), os quais compuseram a plêiade dos valores essenciais para o horizonte 'nova era' e o reavivamento do sagrado metropolitano. (...) É o continente do self-fulfillment citado por Hervieu-Léger: radical subjetivismo, radical naturalismo (...)." (DUARTE, JABOR, GOMES, LUNA, 2005)

terça-feira, 20 de julho de 2010

A religião de uma Juíza de Direito

Juíza argentina se nega a casar gays mesmo que "custe sua própria vida"


DA FRANCE PRESSE, EM BUENOS AIRES.
Uma juíza de paz argentina afirmou nesta sexta-feira que jamais realizará o casamento de casais homossexuais, um dia depois de o Senado aprovar uma lei que autoriza essas uniões.
"Que me acusem do que quiser. Deus me diz uma coisa e eu vou obedecer com todo rigor, mesmo que custe meu cargo, e mesmo que me custe a vida", afirmou Marta Covella, juíza de paz da cidade de General Pico.
"Fui criada lendo a Bíblia e sei o que Deus pensa. Deus ama a todos, mas não aprova as coisas ruins que as pessoas fazem. E uma relação entre homossexuais é uma coisa ruim diante dos olhos de Deus", assinalou ainda.
A Argentina se converteu na madrugada de quinta-feira no primeiro país da América Latina a autorizar o casamento entre homossexuais, com uma histórica e longa votação no Senado.
A lei foi aprovada com 33 votos a favor, 27 contra e 3 abstenções, depois de uma sessão que durou mais de 14 horas e apesar da oposição da Igreja católica, que liderou uma intensa mobilização social para impedir a aprovação do projeto.
A nova legislação propõe reformar o Código Civil mudando a fórmula de "marido e mulher" pelo termo "contraentes" e prevê igualar os direitos dos casais homossexuais com os dos heterossexuais, incluindo os direitos de adoção, herança e benefícios sociais.
A Igreja lançou na última semana uma forte ofensiva contra a lei e mobilizou na terça-feira milhares de seus fieis para pressionar contra sua aprovação.
http://www1. folha.uol. com.br/mundo/ 767958-juiza- argentina- se-nega-a- casar-gays- mesmo-que- custe-sua- propria-vida. shtml

Medos Públicos

Folha de São Paulo, 20 de julho de 2010.

Opinião

MARCOS NOBRE

Medos públicos


A última comemoração do 14 de Julho na França foi marcada por desastres políticos vários. Forças armadas de ex-colônias desfilaram como forma de reparação e de reconhecimento, mas algumas delas devem reparação urgente em seus próprios países. Em uma disputa judicial entre herdeiros, surgiram fortes indícios de financiamento ilegal do partido do governo.
São questões graves, que acabaram fazendo com que passasse como acontecimento de menor importância a proibição de uso "de vestimenta destinada a dissimular o rosto". É uma proibição dirigida diretamente contra mulheres que usam véus islâmicos que cobrem todo o corpo.
A Revolução Francesa impôs uma única língua, o sistema métrico e um conjunto de valores a serem observados por qualquer pessoa que quiser ser cidadã. Foi o maior avanço histórico do milênio.
Incomparavelmente mais progressista do que o modelo europeu seu rival, o liberalismo inglês.
No Brasil não faltam defensores do republicanismo francês. Aliás, estabeleceu- se por aqui que "republicano" é sinônimo de "boa democracia".
Algo bom por definição.
O problema é que, hoje, o modelo impede avanços democráticos ao invés de fomentá-los. Defende ser preciso restringir previamente a liberdade dos cidadãos para alcançar igualdade no espaço público.
Mas, sob os "valores cívicos" impostos para alcançar a liberdade da cidadania, camufla-se a imposição de um padrão implícito de como se deve levar a vida. E toda tentativa de questionar substantivamente esse padrão social é empurrada para o terreno preferido (e regressivo) do liberalismo: o espaço privado.
Ora, se o objetivo é proteger as mulheres de um costume considerado atentatório aos direitos da pessoa humana, proibir o uso do véu em público é caminho seguro para que essa prática continue.
Porque o resultado é que essas mulheres vão deixar de frequentar os espaços públicos. E, recolhidas ao âmbito doméstico, vão se tornar invisíveis. Não serão mais solicitadas a explicar por que, afinal, usam o véu. Sua atitude não será mais questionada. E invisibilidade e falta de questionamento são os abrigos naturais para tradicionalismos de todos os matizes.
Sob o neoconservadorismo de Sarkozy, a defesa da República tornou-se um fim em si mesmo. Tomou o lugar da defesa de espaços democráticos de autonomia para pessoas e grupos sociais.
São medos públicos de aprofundar a democracia que expulsam os problemas para a invisibilidade dos lugares privados. O preço que cobram é o maior possível: a indiferença.


MARCOS NOBRE escreve às terças-feiras nesta coluna.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Scielo Portugal

Hoje descobri que o Scielo, este repositório de revistas digitalizadas, é todo sectarizado em sub-divisões nacionais. Jeito idiota de se constituir.

Pesquisando sobre os debates recentes da gran mestra Paula Montero acerca das "controvérsias", descobri recente publicação (2009!) dela na revista portuguesa Etnográfica, que anda caindo no gosto das antropólogas brasileiras (Heloísa Pontes também publicou por lá em 2008).

Vale a pena dar uma conferida neste Scielo, e nesta revista - tem muita coisa boa sobre o tema antropologia e religião.

http://www.scielo.oces.mctes.pt/scielo.php/lng_pt

PS: Ah sim!! O arquivo da Etnográfica não se resume ao Scielo Portugal. Suas edições mais antigas se encontram no site da revista.

Brenda Carranza fala sobre as novas comunidades católicas


(fonte: Revista IHU On Line - http://www.ihuonline.unisinos.br/index.php?option=com_tema_capa&Itemid=23&task=detalhe&id=1790)


" Brenda Carranza considera que o crescimento das novas comunidades católicas se deve à agilidade da sua organização. “Livre das amarras canônicas das grandes congregações, as novas comunidades se espalham com maior rapidez”, conclui "

Brenda Carranza: Uma novidade na estrutura de vida consagrada na Igreja
Por: Graziela Wolfart e Márcia Junges , 08/09/2009

Na tentativa de definir o que são as novas comunidades católicas, a teóloga Brenda Carranza entende que elas são “novas agregações religiosas católicas que reúnem homens e mulheres, casados ou solteiros, jovens, famílias em torno de experiências religiosas devocionais, sacramentais e projetos de evangelização”, ou em outras palavras, “um certo vinho novo em odres velhos”. Na entrevista que segue, concedida, por e-mail, à IHU On-Line, Brenda explica as diferenças entre o catolicismo tradicional e as novas comunidades católicas, que “caracterizam-se pelo número pequeno de seus membros, por serem agrupamentos mais controlados socialmente, isto é, estão sob a autoridade de uma liderança, que pode ser o fundador ou formador, convivem mais intensamente, às vezes sob o mesmo teto, e partilham não só seus ideais evangelizadores e de conversão, como seus bens econômicos”.

Brenda Carranza possui graduação em Teologia pela Universidade Francisco Marroquim (UFM), na Guatemala, bacharelado em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas - Unicamp, e bacharelado em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas/ Pontifício Ateneo Santo Anselmo, PUC-Campinas/Roma. É mestre em Sociologia pela Unicamp, com a dissertação Renovação Carismática Católica: Origens, mudanças e Tendências e doutora em Ciências Sociais pela mesma instituição com a tese Movimentos do Catolicismo Brasileiro: cultura, mídia e instituição. Docente na PUC-Campinas, Brenda é também coordenadora da Coleção Sujeitos e Sociedade da Editora Idéias & Letras. Tem publicado o livro Renovação Carismática Católica: origens, mudanças e tendências (2. ed. Aparecida - SP: Santuário, 2000). Junto com Cecília Mariz e Marcelo Camurça, é uma das organizadoras de Novas Comunidades Católicas: em busca do espaço pós-moderno (Aparecida: Idéias & Letras, 2009).

Confira a entrevista.

IHU On-Line - O que são, exatamente, as novas comunidades católicas?

Brenda Carranza - São novas agregações religiosas católicas que reúnem homens e mulheres, casados ou solteiros, jovens, famílias em torno de experiências religiosas devocionais, sacramentais e projetos de evangelização. Elas são, historicamente, um dos desdobramentos da Renovação Carismática Católica — RCC — que, ao longo de quatro décadas, no Brasil, tem se consolidado como movimento espiritual centrado nos dons do Espírito Santo e na vivência de carismas.

IHU On-Line - Em que aspectos elas diferem do modelo tradicional de catolicismo?

Brenda Carranza - O catolicismo tradicional é um catolicismo de massas, que congrega os fiéis em torno de experiências devocionais, sacramentais e, de certo modo, doutrinais. Essas experiências são vivenciadas quase que culturalmente e adquirem feições diferenciadas, dependendo da região geográfica em que acontecem. Já as novas comunidades caracterizam-se pelo número pequeno de seus membros, por serem agrupamentos mais controlados socialmente, isto é, estão sob a autoridade de uma liderança, que pode ser o fundador ou formador, convivem mais intensamente, às vezes sob o mesmo teto, e partilham não só seus ideais evangelizadores e de conversão, como seus bens econômicos.

IHU On-Line - Esse é um novo jeito de ser católico?

Brenda Carranza - É e não é. Enquanto grupos que se propõem a viver juntos sob o mesmo teto, as denominadas comunidades de vida, compartilhando as tarefas domésticas, as responsabilidades econômicas e uma espiritualidade de vida comunitária não diferem da proposta de congregações religiosas tradicionais (salesianos, jesuítas, irmãs paulinas etc.). Porém, por serem grupos de leigos que se propõem a viver esses ideais de castidade, obediência e pobreza em comunidades mistas, isto é, grupos nos quais solteiros e casados submetem-se às mesmas exigências, num mesmo espaço, podemos dizer que é um novo jeito. Até canonicamente vêm representando um impasse que deve ser acomodado na legislação eclesial.

IHU On-Line - Por que as novas comunidades católicas crescem tanto?

Brenda Carranza - Diríamos que crescem dentro da Igreja Católica à sombra da RCC, pois são um desdobramento da mesma. O seu desenvolvimento se deve à proposta de vida comunitária que propõem, pois o fiel que deseja um compromisso religioso encontra nessa maneira de agrupamento duas modalidades de inserção: na primeira, na comunidade de vida, como já disse, na qual pode participar de uma experiência comunitária, sem renunciar à sua profissão ou acomodando-a aos interesses do grupo. Na segunda, na comunidade de aliança, o fiel participa do mesmo estilo e proposta espiritual da comunidade de vida, mas não compartilha a experiência comunitária de viver sob o mesmo teto, além de ficar menos disponível para os deslocamentos geográficos que, porventura, a comunidade nova venha exigir. Por exemplo, fundar um grupo numa determinada área que interesse ter a presença da nova comunidade.

IHU On-Line - O que explica o número de 550 novas comunidades católicas no Brasil, conforme seu artigo Novas Comunidades Católicas: em busca do espaço pós-moderno?

Brenda Carranza - Acho que a agilidade da sua organização. Livre das amarras canônicas das grandes congregações, as novas comunidades se espalham com maior rapidez, ora para fundar novos grupos, realizar projetos, ora para incorporar novos membros e os deslocar de um lado para outro.

IHU On-Line - Qual é o perfil das pessoas que procuram as novas comunidades católicas?

Brenda Carranza - Em geral são de classe média, média baixa, como os profissionais liberais, sobretudo, a liderança. Já os membros tendem a ser de classe popular.

IHU On-Line - Como compreender essa revolução e renovação interna do catolicismo em contraposição ao crescimento das religiões neopentecostais?

Brenda Carranza - Não sei se podem ser compreendidos como revolução, pois suas propostas não trazem transformações estruturais, antes, se alinham numa perspectiva conservadora da Igreja. Talvez seja melhor as designar como inovação, no sentido de que são uma novidade na estrutura de vida consagrada na Igreja, outrora marcada por uma divisão sexual das formas de viver os votos religiosos. Ou seja, as novas comunidades propõem a vivência da castidade aos matrimônios e o celibato aos solteiros. Ambos pertencem ao mesmo grupo e são cobrados, comunitariamente, pela vivência do voto realizado publicamente. O mesmo se pode dizer da obediência e castidade. Já o neopentecostalismo evangélico é o movimento de massas, contrário às novas comunidades.

IHU On-Line - O que é a neopentecostalização católica? Em que contexto ela surge?

Brenda Carranza - Face ao neopentecostalismo, diríamos que ela se caracteriza pelo uso da mídia, sua presença nos meios de comunicação social, a incisiva participação na vida política, a espetacularização do sofrimento, da aflição e da dor, e a demonização do cotidiano. As novas comunidades participam desses elementos à maneira católica, ou seja, muitas assumem o uso da mídia como canal privilegiado de evangelização, outras são preocupadas pela aflição e a dor das pessoas, promovendo uma vida litúrgica e sacramental centrada na cura e libertação. Outras, ainda, se preocupam com a presença do demônio na vida cotidiana das pessoas e, a partir daí, propõem ações concretas de libertação. Já na vida política partidária, normalmente acatam as indicações da RCC.

IHU On-Line - Em que aspectos essas comunidades inauguram um catolicismo midiático?

Brenda Carranza - No sentido em que reforçam uma opção preferencial pelos meios de comunicação de massa como sendo os veículos de evangelização. No entanto, fazer uso desses meios não dispensa da apropriação da cultura midiática que traz no seu seio valores que se contrapõem à doutrina católica. Dito de outra maneira: esses grupos apostam nos valores de uma cultura que, revestida de marketing religioso, propiciam outras formas de experiências religiosas, entretanto, essa cultura pode estar indo contra os princípios dessas comunidades, embora isso não seja perceptível a olho nu.

IHU On-Line - Acredita que essas novas comunidades são expressões pós-modernas de religião? Por quê?

Brenda Carranza - A pós-modernidade é um termo polivalente, que precisa ser matizado a cada vez que é utilizado. Se entendermos a pós-modernidade como expressões conflitantes num mesmo tempo e espaço, acho que as novas comunidades são uma manifestação de um catolicismo que se repõe com matrizes conservadoras e tradicionais num novo contexto de expressão midiática. Um certo vinho novo em odres velhos.

IHU On-Line - Em que medida elas significam “ar fresco” a uma religião milenar que precisa se adaptar aos novos tempos?

Brenda Carranza - Na medida em que essas novas comunidades agregam jovens por meio da música e de projetos de vida, capazes de canalizar suas energias e ideias, e de multiplicar-se por toda a geografia brasileira sob o lema de “ser feliz por ser católico”, talvez possa ser interpretado como ar fresco. Mas acho que, seja mais um “ar” de visibilidade de Igreja do que fresco, no sentido de propostas transformadoras, capazes de revitalizar por dentro a própria Igreja.

IHU On-Line - Como a hierarquia vaticana percebe essas novas comunidades?

Brenda Carranza - Não só as percebe como apoia. Nas últimas cerimônias de celebração de Pentecostes, o Papa Bento XVI tem manifestado seu apoio e impulso a essas novas comunidades, ao mesmo tempo em que as reconhece como um dos desdobramentos da RCC.

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Invisible Religion

Fonte: SWATOS, William H. (ed.) Encyclopedia of religion and society. Verbete: Invisible Religion, por Grace Davie.

A concept introduced through the English title of Thomas Luckmann's first major publication, The Invisible Religion , which appeared in 1967 (Macmillan), four years after its publication in German (original title Das problem der Religion in der modernen Gesellschaft ).

The Invisible Religion has been a highly influential text, and also the concept that its title embodies. The theoretical context of the work provides its point of departure. It forms part of Luckmann's concerted effort to understand the locus of the individual in the modern world. Sociological approaches to religion, deriving from the sociological classics, form a central theme within this quest. Luckmann's essay aims to reestablish this connection, insisting that the problem of individual existence in society is essentially a "religious" one.

It is, precisely, the lack of theoretical reflection within the flourishing subdiscipline of the sociology of religion in the postwar period that concerns Luckmann. The association of religion with church has oriented a whole generation of scholars toward a relatively narrow field, the more so in that church-orientated religion has become a marginal phenomenon in modern societies. [A associação da religião com a igreja orientou toda uma geração de estudiosos em direção a uma área relativamente pequena, tanto mais que a religião em igrejas de orientação se tornou um fenômeno marginal nas sociedades modernas.] To redress this balance, Luckmann opts firmly for a functional definition of religion but differentiates this from the structural-functionalism prevalent in contemporary sociology. Luckmann regards as problematic what is taken for granted in sociological functionalism. His perspective is, essentially, an anthropological one.

The core of the argument can be summarized in the following extract from The Invisible Religion (pp. 48 f):

The organism—in isolation nothing but a separate pole of "meaningless" subjective processes—becomes a Self by embarking with others upon the construction of an "objective" and moral universe of meaning. Thereby the organization transcends its biological nature. [O organismo - não em seu isolamento, mas enquanto um pólo separado dos processos subjetivos da ausência de sentido - se torna um "self" embarcando com os outros na construção de um universo de sentido moral e "objetivo". Assim, a organização transcende sua natureza biológica.] - péssima tradução minha, peço ajuda aos universitários de plantão.

It is in keeping with an elementary sense of the concept of religion to call the transcendence of biological nature by the human organism a religious phenomenon. As we have tried to show, this phenomenon rests upon the functional relation of Self and society. We may, therefore, regard the social processes that lead to the formation of Self as fundamentally religious.

From the narrowly institutional, the notion of religion becomes quite simply part of being human; it is that which transcends biological nature.

The debate between substantive and functional definitions of religion continues within the subdiscipline of the sociology of religion. Hervieu-Léger's La religion pour mémoire (Cerf 1993) contains a recent discussion of the issues involved. Within this debate, Luckmann's notion of invisible religion stands at one extreme; it is the most inclusive of all definitions and will be favored by those who find functional approaches more satisfying than substantive ones. Luckmann's analysis itself, however, remains solid apart from the definitional debate: Out of basic human processes emerge the construction of objective worldviews, the articulation of sacred universes, and, in some situations, the institutional specializations of religion. What forms these take and how they emerge pose important empirical questions. The theoretical position remains, however, unaltered: Religion is present in nonspecific form in all societies and in all socialized individuals. It is part of the human condition.


Observações: não sei não se essa análise do Luckmann é boa... talvez uma releitura, diretamente do autor, possa esclarecer melhor esse elemento estranho de uma religião como "epifenômeno", como "natureza humana"....

Um exemplo interessante da utilização deste conceito está no artigo de Jean Pierre Hiernaux, na Social Compass (vol. 50, n. 3, 2003):

O autor sugere que algumas formas antigas de crenças e práticas simplesmente não desaparecem, mas são rearranjadas em novas disposições que não conduzem a um racionalismo individualista (ou seja, não geram secularização). Neste sentido, poderiam estes rearranjos serem chamados de "religisos"?

terça-feira, 13 de julho de 2010

Leigos no Altar

“Desde suas origens, a RCC se debateu entre sua potencialidade carismática (autonomia dos leigos alicerçados na certeza de serem portadores também do sagrado, exercendo os dons e carismas do Espírito Santo) e a institucionalização do carisma. No entanto, a RCC sucumbiu à rotinização e burocratização da sua capacidade de oposição ao sistema religioso estabelecido, tornando-se um movimento que vivencia o paradoxo entre a espontaneidade do carisma e a cooptação, mediante mecanismos de controle da instituição eclesial.” (Carranza Renovação Carismática: origens, mudanças e tendências. 1998:48)

Interessante: a Brenda vê sob o ponto de vista de uma cooptação eclesial do carisma ardoroso, através do mecanismo de burocratização (institucionalização). Não posso dizer que ela está errada, de fato isso acontece, por um lado. Mas por outro lado, o que acontece é o fiel leigo todo autônomo cheio de dons, que ao mesmo tempo é o grande ortodoxo: é uma ortodoxia que advém da própria mística (!!), como no caso da apropriação recente do milagre de Santa Gianna para defesa da criminalização do aborto.

sexta-feira, 9 de julho de 2010

Desterro

"cadê meu sol dourado e cadê as coisas do meu país?" - Caetano.

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Roger Bastide

"... quando a revolta política é impossível, ela se dá, para exprimir-se, um caráter religioso." - Roger Bastide, O Sagrado Selvagem.

"... o desejo de uma sociedade "outra", impossível de realizar politicamente porque não estruturada e não pensada conceitualmente, poderia assim mesmo se exprimir, senão em um discurso coerente e construtivo, ao menos em gritos desarticulados, em gestos sem significação, logo em puro desencadeamento de selvageria." (idem)

Esta des-domesticação do transe seria consequência de uma crise das instituições religiosas e da anomia social causada pela urbanização (neste segundo ponto, Bastide é bem durkheimiano)

"Toda Igreja constituída tem, sem dúvida, seus místicos, mas ela desconfia deles, ela lhes delega seus confessores e seus diretores para dirigir, canalizar, controlar seus estados extáticos, quando ela não os prende em algum convento que seus gritos de amor perdido não possam perfurar." (idem)

"Quer aceitemos ou não o ponto de vista de Durkheim sobre os estados de efervescência social onde surgiria a religião, um fato é certo: é que estes estados de efervescência não são duráveis - eles são esgotáveis, escreve Durkheim. Há, portanto, em seguida, uma recaída do fervor sociológico; a religião se desenvolve a partir dessa "recaída" como instituição de gestão da experiência do sagrado. Esta "administração" do sagrado pela igreja tem um valor positivo, certamente: ela permite sua continuação sob forma de uma comemoração, e como uma lembrança ensurdecida - mas, por outro lado, a instituição se volta contra o vivido, para aprisioná-lo atrás das grades de seus dogmas ou de sua liturgia burocratizada, de modo que ele não desperte mais, em inovações perigosas, em um outro discurso além do único discurso aceito pela ortodoxia, ou não se exalte na desmedidamente." (idem)

Nos anos 70 e 80, muitos criticaram Roger Bastide por seu "etnocentrismo às avessas", onde, adepto do candomblé, delegava a umbanda e a macumba um estatuto de "sagrado inautêntico". Essa mesma galera o criticava por ser muito durkheimiano, ao conferir à religião uma conceitualização conectada a igreja, ordem, comunidade; versus a magia, individualismo e erotismo desenfreado que caracterizaria o sagrado inautêntico da umbanda e macumba. Na minha opinião, acho que essas pessoas não devem ter lido o ensaio O Sagrado Selvagem, que Bastide escreve em 1975: este ensaio é um verdadeiro elogio à mística desordenada e contracultural, ou contra-sociedade (como parece preferir o autor) do sagrado des-domesticado:

"Porque estes sagrados revoltados desembocam em utopias, em construções da razão, em programas planificados de transformação da sociedade: o Novo cristianismo de São Simão em uma Republica de Produtores - a religião harmoniosa de Charles Fourier em um Novo Mundo industrial - o verdadeiro cristianismo de Etiénne Cabet em um comunismo messiânico. Porque, igualmente, todos esses sagrados oníricos no fim das contas acabaram em heresias, ou seja, em igrejas paralelas, portanto em instituições; caos, sem dúvida, na origem de sentidos desregrados, sentimentos liberados, imaginação desenfreada, mas caos que acaba por se dar normas, como se houvesse uma lógica no excesso que não seria possível não respeitar, e que arrasta atrás dela, na liturgia e dogmática das novas seitas inventadas, abas inteiras da memória coletiva, palavras de profetas, parábolas de Jesus, vide os apocalipses proibidos. A heresia pode aparecer como uma contra-religião, mas inverter uma religião não é, ainda, segui-la? Entretanto, através dessas crises, a instituição religiosa parece bem atingida; ela se enfraquece de vez em quando, malgrado seus esforços para se reformar, responder aos críticos, exorcizar os pesadelos e encontrar um novo equilíbrio com a sociedade em mudanças. Equilíbrio cada vez mais precário e que faz, como eu disse no começo, vaticinar a morte de Deus. (...) Mas a morte de Deus não é necessariamente a morte do sagrado, se é verdade que a experiência do sagrado constitui uma dimensão necessária do homem. À medida que a igreja perde seus fiéis, vê-se pulular, em particular nas grandes metrópoles, as pequenas seitas esotéricas, os consultórios de astrólogos, clínicas de novos "curadores". Espécies de compromisso entre o racionalismo, que constitui o ideal de nossa nova sociedade planificadora, e a necessidade de religião, porque o esoterismo se funda sobre sistemas de idéias simbólicas bem ligadas - a astrologia tem caráter matemático que afirma nosso pensamento - os "curandeiros" opõem ao empirismo dos médicos uma teoria terapêutica utilizando a linguagem dos físicos: ondas, fluidos, átomos. Pode-se, desse modo, deixar-se guiar pela religião sem temor, já que essa religião se exprime, aparentemente, na linguagem mesma da ciência."

"Logo, a crise do instituído, ou seja das igrejas, não entranha em sua continuação uma crise do instituinte, quer dizer, da efervescência de corpos e corações, da buscada experimentação da dinâmica do sagrado. Apenas, as jovens gerações querem permanecer no fervor do instituinte sem ir até a constituição de novos instituídos, que o cristalizariam logo e o mineralizariam em novas instituições, de idéias sistematizadas, gestos estereotipados, de festa regulada e incessantemente recomeçada. Eis porque o sagrado de hoje se quer um sagrado selvagem contra o Sagrado domesticado das Igrejas."

O sagrado selvagem é o sagrado instituinte: "a imaginação no poder", e não "a razão no poder".

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Desânimo

Pela manhã:
O programa te pede para participar de congressos, mas não te dá dinheiro, porque diz que quem tem que bancar é a fapesp. a fapesp não concede auxílio viagem a bolsistas (mas contraditoriamente condede auxilio viagem para docentes, que já ganham sete mil reais por mês) e pede que usemos o dinheiro da reserva-técnica, mil reais que eles te dão no começo do ano, onde você pode comprar livros, fazer seu campo e ir para congressos. desses mil reais, você comprou alguns livros e fez algum campo - a grana que te resta nem de longe é capaz de te levar para belém do pará. Assim, o aluno não vai pro congresso, e o programa continua no seu miserável conceito capes número cinco.

Flávia para Hugo:
ah cara, acho que o texto até ficou massa, viu... peguei o contato com a miraculada, e tal, dá uma olhada no texto semana que vem e opina.

mas eu to bastante desanimada, viu...
eu tava tão empolgada de ir, mas entrei nos tramites burocráticos de pedir grana e descobri que a fapesp não banca nada além da reserva, e o departamento não banca quem é fapesp....

enfim, uma merda - a gente produz, é aceito em congressos bacanas, e depois ninguem dá dinheiro prá concretizar o rolê. dá até vontade de jogar o texto no lixo, esse ppgas do ifch não merece.

é... to pensando em algum jeito de arrumar grana, e até agora tive duas idéias:
1) ir no programa do silvio santos
2) rifar alguma coisa invisível e cobrar cinquenta reais de cada professor.

:P

ah cara, é de se ficar puta mesmo com isso... pagar do bolso prá ir em congresso é a mesma coisa que pagar prá trabalhar, pô. belém não é florianópolis, é longe prá porra.

domingo, 20 de junho de 2010

zen e a arte da pesi-cola

Quando eu pedi a ele um tempo, fiquei triste e estagnada na minha cama, sem vontade de levantar nem de comer. No dia seguinte, fui dar uma volta pela cidade. Era Copa do Mundo, Brasil versus Costa do Marfim, e tudo estava fechado, até o Mc Donalds estava fechado. Comprei uma pepsi com limão em uma lojas americanas e me senti feliz, o gosto do petróleo sanando a falta dele na minha manhã. Pensei como era bom eu poder trocar alguém por uma lata de pepsi, que afinal, dá menos trabalho, não enche o saco e custa um real e cinquenta centavos. Parei com a minha pepsi na padoca de esquina com a minha casa, e vi que surpreendentemente, a Nova Zelândia tinha futebol. Que tinha goleiro. Que tinha jogadores com nomes de pirata. Ali na padoca estava aquele velho senhor bem arrumado que um dia ficou nos contando sobre seus dois filhos, um que virou polícia depois de tomar LSD, e outro que desandou na pedra de crack. Ele continuava com suas altas doses diárias de uísque, sua camisa vermelha de botão e seus óculos raiban. Olhei para um chinês tomando cerveja, e vieram me perguntar se eu queria participar do bolão. Perto da estufa de bolo, estava o moço misterioso do meu prédio que um dia comprou minha velha máquina de lavar roupas. Na mesa do lado, um cara de camisa branca meio aberta começou a dizer a seus camaradas que sempre torcia para o mais fraco: "quando vou no rodeio, eu torço pro boi.". E pegou seu violão. Pensei em lhe dizer que nessa Copa eu ia torcer prá Jabulani, quatro frangos e três cacetadas na trave prá Jabulani. Outro tentava se lembrar se no grupo F jogava a seleção da Eslovênia ou da Eslováquia. Da janela, um bêbado com sorriso de orelha a orelha gritava que a Itália e a Nova Zelândia estavam empatadas em número de pontos: dois pontos prá cada time. No balcão, uma mulher gorda de maria-chiquinhas dizia à balconista que tinha trazido umas coisas no celular pra mostrar prá ela. Foi na prateleira pegar um chocolate e voltou com o celular rosa prá perto da balconista. Fui prá casa e tentei descobrir o resultado do jogo através do oráculo chinês. Foi então que decidi voltar prá ele.

misticismo e novas comunidades católicas

http://www.ihuonline.unisinos.br/index.php?option=com_tema_capa&Itemid=23&task=detalhe&id=1793

Emerson José Sena da Silveira é graduado em Ciências Sociais, além de mestre e doutor em Ciência da Religião pela Universidade Federal de Juiz de Fora - UFJF, onde também realizou o pós-doutorado em Antropologia, subárea Antropologia Urbana. Atualmente, leciona na Faculdade Machado Sobrinho - FMS, e no Instituto Sudeste Mineiro - Faculdade do Sudeste Mineiro – ISMEC / FACSUM, ambas localizadas em Juiz de Fora, MG. É autor de, entre outros, Corpo, emoção e rito: antropologia dos carismáticos católicos (Porto Alegre: Armazém Digital, 2008).

IHU On-Line - Em que medida as aproximações entre fé e misticismo são comuns nas novas comunidades católicas? Por quê?

Emerson José Sena da Silveira - O misticismo, com a ideia de contato íntimo e direto com Deus, por meio de experiências de fé, experiências da ação direta de Deus no mundo e na pessoa, em seu interior e em suas escolhas, percebe-se a ressurgência de uma forma e um estilo de religiosidade, justamente o que privilegia o contato com o sagrado, a partir de uma experiência emocional. Mas aí, se impõe um cuidado com os conceitos. Alguns podem dizer: mas essas comunidades também possuem um elemento ascético, mas cuja radicalização pode instituir um veio místico.

Radicalização dos jejuns, e outros exercícios, por exemplo. Nesse sentido, o mundo é reencantado, já que nessas comunidades católicas, a própria noção de que o sagrado está pronto a irromper nos poros mínimos do cotidiano, do trabalho, das pequenas relações monótonas do dia-a-dia. Porém, elas acabam entrando no circuito da produção e do consumo de produtos e serviços que tentam cotidianizar a religiosidade católica, como é o caso da comunidade Canção Nova, sediada em Cachoeira Paulista. A entrada nesse circuito, impõe uma (re)apropriação dos instrumentos de comunicação e marketing, hiperdesenvolvidos na modernidade tardia ou alta modernidade, segundo expressão de Giddens. Porém, a entrada nesse circuito não restabelece o controle e o primado do dogma e da tradição sobre o comportamento individual. Ao contrário, abrem-se cada vez mais linhas de fuga (para usar um conceito de Deleuze e Guatarri), pontos de força centrífuga, acelerando as hibridações em nível microssocial, que, por sua vez, interagem com o nível macrossocial, onde estão situadas a própria tradição e a instituição que dela se diz guardiã.

IHU On-Line - O que é o catolicismo new age?

Emerson José Sena da Silveira - Seria um tipo-ideal, no estilo weberiano, para expressar as múltiplas formas de combinação de religiosidade encontradas na pesquisa sobre o catolicismo carismático e suas interconexões com o mundo da mídia e do consumo. A erosão das condutas pautadas em regras e normas e nos grandes relatos ou narrativas emanados da religião acelerou o trânsito religioso entre as diversas religiosidades e dentro das próprias tradições religiosas. Ao mesmo tempo, a velocidade com que as pessoas experimentam ritos, valores, verdades e ideias aumentou. Essa experimentação, que pode redundar, ou não, em conversão para dentro da própria tradição religiosa, não pode ser pensada como uma trajetória absolutamente solitária e individual. No caso da pesquisa realizada e publicada como um capítulo no livro Novas Comunidades Católicas, sobre uma católica, ministra extraordinária da eucaristia, frequentadora de grupos da RCC, leitora de um tarô católico (baralho de cartas com figuras e símbolos para fins divinatórios, baseado na vida dos santos e em passagens católicas), constata-se que não é possível desconsiderar a rede de relações em que os atores estão imersos. Essas redes são complexas e abarcam diversos setores da vida, se cruzam e produzem nódulos semânticos, de significado e de identidade.

Por essas redes, os atores se movem, reconfiguram suas identidades, desamarradas das normas institucionalizadoras da tradição religiosa, ao mesmo tempo em que elementos da tradição são amarrados à trajetória individual. O sociólogo Anthony Giddens afirma que vivemos num mundo pós-tradicional, no sentido em que até mesmo a tradição precisa justificar-se como escolha. A Tradição deixa de ser Tradição e passa a ser tradição (jogo com letra maiúscula e minúscula). Em outras palavras, ela não é mais natural e espontânea, mas precisa se lançar nas redes do consumo e da mídia para se tornar pertinente e plausível aos indivíduos, precisa se tornar um horizonte de sentido nas pequenas narrativas individuais, em meio à colisão e à interação entre as diversas esferas de valor: mídia, política, religião, arte e consumo. Em alguns casos, precisa competir com outros relatos da tradição, como no caso do catolicismo. Até mesmo em torno dos ressurgimentos de tradicionalismo no catolicismo, é possível encontrar o grande traço da modernidade, radicalizado na pós-modernidade: a opção e a escolha a partir do indivíduo. Nesse sentido, escolhe-se a tradição, opta-se por ela, por que se convenceu de que ela é A opção (a verdadeira para alguns, mas até quando? Até a próxima experiência? Ou sendo ela A verdadeira, ela é ressignificada ao longo das vivências do sujeito?) entre as diversas disponíveis. O catolicismo new age é uma prática, uma forma de navegar socialmente entre diversos sistemas simbólicos (com seus mitos, rituais e modelos), desterritorializando e reterritorializando elementos desses sistemas, a partir da trajetória pessoal. No caso da pesquisa, tanto a leitora quanto o livro de tarô produzem combinações, hibridação, para usar um termo de Nestor Canclini, em que dogma, tradição e significado estão e são desconectados para serem recompostos e ressignificados novamente em torno de outros eixos: o autoconhecimento, a busca da felicidade, a busca da verdade e da autorrealização como ação humana, da qual irrompe a transcendência do sagrado (selvagem e nômade) por meio dos símbolos religiosos.