quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

"Enfatizando que o contato com a cultura indígena permite o acesso a uma realidade à parte que valeria a pena ser explorada e que pode mudar nossa percepção de mundo, a obra de Carlos Castaneda apresenta a religião ou espiritualidade nativa como um reservatório de ensinamentos para o indivíduo ocidental desorientado: os xamãs são mestres em um caminho de evolução pessoal, o acesso a esta sabedoria mística pode transformar-nos radicalmente, e tudo isso é medido em termos dos resultados alcançados." - SARRAZIN, Jean-Paul. "New Age en Colombia y la busqueda de la espiritualidad indigena" In Revista Colombiana de Antropologia volume 48 (2), 2012. |Tradução minha.

Este autor, Sarrazin, não considera o Castaneda como um antropólogo. Chamando aqui o Roy Wagner, podemos dizer que o que o Sarrazin chama de "desorientado", o Roy Wagner nomearia de "racional". O Castaneda recupera ensinamentos indígenas de acesso a uma outra realidade que não está fundamentada na relação de causa e efeito que rege a razão ocidental.

É importante frizar também que para Castaneda, os xamãs não são mestres em um caminho de evolução pessoal, mas sim mestres em regenerar universos, cosmos e mundos. A atividade do xamã é em direção a cura e transformação do cosmos que o rodeia, e com o qual ele se conecta de forma xamânica, isto é, em conexão com seus ancestrais, espíritos da floresta e do céu, atravessando tempos e espaços. ("O xamã como construtor de mundos").


"Os livros de Castaneda são a crônica de uma conversão, o relato de um despertar espiritual, ao mesmo tempo, são o redescobrimento e a defesa de um saber desprezado pelo Ocidente e pela ciência contemporânea." - Octavio Paz.

Tutorial Flores Huichol

http://www.thebumblebead.co.uk/2013/11/huichol-flower-tutorial.html

A arte começa aos oitenta

Carta de Akira Kurosawa para Ingmar Bergman, no aniversário de 70 anos deste.

“Caro Mr. Bergman.

Quero dar-lhe os parabéns pelo seu 70º. aniversário.

Seu trabalho toca profundamente meu coração toda vez que o vejo, e aprendi muito através de suas obras, além de ser sido encorajado por elas. Meu desejo é que continue com boa saúde para criar para nós muitos outros filmes maravilhosos.

No Japão, houve um grande artista chamado Tessai Tomioka, que viveu na Era Meiji (final do século 19). Este artista pintou muitos quadros maravilhosos quando era ainda jovem, e quando chegou aos 80 anos, de repente começou a produzir pinturas que eram muito superiores às que fizera antes, como se ele tivesse tido um magnífico desabrochar. Cada vez que vejo os quadros dele, compreendo que um ser humano não é realmente capaz de produzir grandes obras de arte enquanto não chega aos oitenta.

Um homem nasce como bebê, torna-se um menino, passa pela juventude, pelo auge da vida e finalmente volta a ser um bebê antes que sua vida se encerre. Esta é, na minha opinião, a vida ideal.

Acho que o sr. concordaria que um ser humano torna-se capaz de produzir obras puras, sem nenhuma restrição, nos dias da sua segunda infância.

Estou agora com 77 anos e estou convencido de que minha verdadeira obra está apenas começando.

Vamos nos manter juntos, pelo bem do cinema.

Akira Kurosawa”

segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Tenetehara-Tembé

AQUINO, Maria José da Silva e PONTE, Vanderlúcia da Silva. " 'Para ser mulher verdadeira' entre os Tenetehara-Tembé: relações entre ritual, direitos e estratégias de afirmação cultural em ações locais" In Nuevo Mundo Mundos Nuevos, dezembro de 2013.

Link: http://mondes-americains.ehess.fr/docannexe/file/1022/nm_sumario_diciembre_2013.pdf

domingo, 22 de dezembro de 2013

São Miguel e Apocalipse

São Miguel e Nova Terra seguem uma epistemologia apocalíptica. Ver ensaio de D. H. Lawrence, "Apocalipse", em que o autor sugere que o Apocalipse trata-se de uma visão cósmica. Não se trata mais de uma questão de profecia: trata-se de uma questão de visão. Para visionar o triunfo, fazia-se necessária uma visão global, do princípio ao fim. Para Lawrence, com o Apocalipse instaura-se o culto cósmico. A salvação da humanidade, aqui, trata-se de regresso ao cosmos: toda a narrativa de S. João consiste em ver arrasado de uma ponta a outra o universo ou cosmo conhecido para dar lugar a uma cidade celestial e a um infernal lago de enxofre. O Apocalipse, através de uma episteme cósmico-visionária, é a produção da Nova Terra, a Nova Jerusalém.

Ademais, o romântico e anti-materialista D. H. Lawrence é bastante citado pelos adeptos da Nova Terra. Lawrence queria escrever grandes livros que mostrassem a decadência da civilização ocidental e fazer o resgate do paganismo, do xamanismo, do sagrado ritual de ligação entre o homem e a natureza. Esta passagem, ainda não descobri a qual obra pertence:

"Os últimos três mil anos da humanidade foram uma excursão por ideais, pelo materialismo e pela tragédia; agora, a viagem chegou ao fim... Trata-se, praticamente, de uma questão de afinidade. Precisamos retomar nossa religação vívida e revigorante com o Cosmo... O caminho é pelo ritual da alvorada, do meio-dia e do pôr-do-sol, o ritual de acender o fogo e o da chuva, o ritual da primeira respiração e da ultima. Precisamos resgatar o caminho de saber em totalidade... A totalidade do corpo, das emoções, das paixões com a Terra, O Sol e as Estrelas." D. H. Lawrence

domingo, 15 de dezembro de 2013

A espiral e o labirinto

Conchas, constelações. Vasos marajoara, danças sagradas, roda, ciranda. A forma do Universo é espiralada, e assim, foram muitas as civilizações que buscaram sua medicina na forma espiral. Girando em espiral, plantando em espiral, construindo aldeias sob a forma circular, no intuito de entrar em harmonia com o Universo que nos guia. Permacultura, hortas em formato de mandala, ecologia, mandalas desenhadas nas monoculturas retilíneas de trigo. Pessoas plantando e cantando em roda, girando e bailando com os pés e mãos na sagrada terra e olhos em direção ao céu. O Sol, a Lua.

O retilínio se enveredou por outros caminhos. Criou a rua, a cidade, a auto-estrada, os shopping centers. Corredores e mais corredores em formato labiríntico por onde pessoas andam e andam e andam olhando para as paredes de vidro que as cercam pelos lados. Esta energia criada pela movimentação labiríntica das grandes cidades e dos shopping centers gera uma energia não canalizada. A sensação é de andar sem saber para onde ir, o andar perdido. O falo, o ego.

sábado, 14 de dezembro de 2013

Mesmo estudando os católicos durante tanto tempo, nunca havia me atentado como dezembro é um mês em que faz-se necessário muita preparação para acompanhar a intensidade das comemorações. Dia 12, Nossa Senhora de Guadalupe; dia 13, Santa Luzia; dia 14, São João da Cruz e aniversário de Mestre Irineu.

sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

2013

6 de Janeiro, Dia de Reis, meu fardamento no Santo Daime em Pirenópolis, Céu de Estrela, Padrinho Rafael.
De janeiro a fevereiro morando no Pirenópolis, em família, na casa linda sem janelas, nossa igrejinha de pedra na sala de casa.
Em fevereiro, a fabulosa viagem de Pirenópolis a Belém em um Voyage velho.
Fevereiro, morando em Belém no meio da mata, algumas felicidades.

Março, primeiro feitio do ano. No Sandrinho, com presenças de Seo Nilson e Marcos Xamânico.

De maio a julho no Rainha do Céu, completamos todo o Festival com imensa satisfação.
Lindas tardes e noites de luar nas matas da Rainha.

Meio de julho de volta ao Piri, hinário da Maria Damião no Céu de Estrela.
Agosto, feitio no Sítio São José (Marabá) e aniversário da Marina em Bariri.

De setembro a final de novembro morando em Marabá, comunidade Santa Rosa.
Novembro, último feitio do ano, no Luz de Maria. Feitio do Portal da Nova Terra - Missão Regeneração. Muitas curas recebidas.

Dezembro, reservando muitos presentes.
Novo emprego em um ambiente puramente cristalino, repleto da presença das crianças, início no dia de Nossa Senhora de Guadalupe.

Um ano bastante nômade e repleto de desafios, no qual dentro da batalha, pudemos apreciar e venerar muitos luares lado a lado, em união.

quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

"Chegávamos ao fim do festival de junho de 2013, e o hinário era Padrinho Alfredo. Foi naquela noite que recebi uma grande e incontrolável força, e me foram apresentados seres extraterrenos, chegando até mim em um jardim através de naves espaciais. Eles vieram avisar que existiam, e estavam chegando. A grande mensagem era: "você precisa acreditar", mas após minha sincera e humilde aceitação daquela existência, quis saber mais, pois havia um sentimento de medo em meu coração. E o que eu ansiava por saber, e pedi licença para perguntar, é se aqueles seres extraterrenos que desceriam na Terra eram do bem ou do mal. E a resposta veio prontamente de um deles: "seremos do bem se seu fluido relacional para conosco for do bem; seremos do mal se seu fluido relacional para conosco for do mal."

Naquela noite, eu fiquei com a impressão de que aquela resposta era algo como os ensinamentos da Umbanda: os exus tem sua parte boa e ruim, depende da energia que você quer captar deles. Mas após a abertura do Portal de Luz em 30/11/2013, durante a realização de um Feitio, foi que pude compreender e até então estou aprendendo com a descida do céu desses seres de luz que vieram dançar conosco e serem nossos guias para a regeneração planetária. Trata-se de mais uma grande chance misericordiosa que a espiritualidade nos tem dado. Resta-nos mantermo-nos firmes na vibração de amor e luz, mais do que conscientes da presença magnífica do celestial em nosso planeta, para que possamos plantar as sementes nesta linda Mãe de amor, Terra."


Esta é a típica narrativa do antropólogo, ou do aprendiz a la Carlos Castaneda. O modo como esta experiência seria narrada por um mestre, ou um "nativo" de longa caminhada nesta estrada cósmica, seria mais ou menos assim:

"Foi-me mostrado um campo extraterreno, de seres celestiais que sobrepunham-se ao cérebro humano. Estamos integrando a funcionalidade da frequência mais elevada, juntamente com o nosso físico. Nosso sistema físico está sendo ampliado com o auxílio das novas e benéficas vibrações das outras dimensões que tem chegado até nós. Se no início de 2013 tivemos a oportunidade de ampliação de nosso escopo cerebral, novembro foi o mês da abertura para a modificação de nossos DNAs."


Esta questão narrativa é essencial, pois é o tom narrativo quem dará tal ou qual eficácia à tais palavras.
Enquanto mensagens, as energias canalizadas tratam-se sobretudo de uma relação entre leitor e escrita.

terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Bibliografia Espiritualidade Nova Terra

http://www.raco.cat/index.php/QuadernseICA/article/view/51395/117182

http://books.google.com.br/books?id=MtMwkcWpFTQC&pg=PA301&dq=FEDELE,+A.+%282004%29+%E2%80%9CMaria+M+agdalena+en+la+Nueva+Era&hl=pt-BR&sa=X&ei=MRunUrqgK8WjkQeLrIGgBQ&ved=0CDMQ6AEwAA#v=onepage&q=FEDELE%2C%20A.%20%282004%29%20%E2%80%9CMaria%20M%20agdalena%20en%20la%20Nueva%20Era&f=false

http://www.icanh.gov.co/grupos_investigacion/antropologia_social/publicaciones_seriadas_antropologia/revista_colombiana_antropologia/6995

http://www.scielo.org.co/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0486-65252012000200004&lng=pt&nrm=iso&tlng=es

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013


"Ante os seres amados, envolvidos em acidentes de alma, silencia, abençoa-os e segue em teu próprio caminho. Ama-os, quais se mostram, e prossegue estrada adiante, na certeza de que tanto eles quanto nós, continuamos em plena vida, apoiados no amor e na sabedoria de Deus." (In Meimei - Deus Aguarda).

quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Dos aperreios na virada de Saturno

Dos 70 reais que havíamos juntado com a venda do filtro dos sonhos e um trocado que havia sobrado de uma diária de garçom no bar, nos alimentamos de quinta-feira a sábado, quando entregamos os 30 reais restantes ao dono do barraco em que já estávamos devendo o aluguel hpa uma semana. Na segunda-feira, conseguimos uma cesta-básica da assistência social da cidade, e passamos a semana sem nenhum centavo, nos alimentando com os elementos daquela que chamávamos "providência de dilma": dois pacotes de açúcar, dois pacotes de café, duas latas de sardinha, quatro latas de carne em conserva, um quilo de arroz, dois quilos de feijão, dois pacotes de flocão de milho, dois pacotes de macarrão. Trocamos um saco de feijão por um pouco de ossada na vizinhança, e o saco de açúcar vendemos por dois reais para comprar um pouco de linguiça toscana.

Saíamos pelas ruas tentando vender algum artesanato, e só recebíamos "não" como resposta. Nenhum centavo, nenhuma moeda. Até que finalmente, descuidando da sacola onde guardávamos as pulseiras de miçanga e os brincos de macramê, fomos roubados.

quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Lux Vidal, Xikrin do Cateté, 1972.

Morte e Vida de uma Sociedade Indígena Brasileira: os Kayapó-Xikrin do rio Cateté, de Lux Boelitz Vidal. São Paulo, HUCITEC/EDUSP, 1977. 268 p.




Na Biblioteca Municipal de Marabá, me deparei com o livro de Lux Vidal. Tal volume, presente na biblioteca e disponível para retirada, pertenceu a Frei Gil Gomes, datado pelo seu presenteador na folha de rosto, a caneta, com o ano de 1978. O livro de Lux Vidal é a publicação de sua tese de doutoramento defendida na USP em 1972, acrescido de um capítulo sobre o estudo ritual realizado em seu mestrado, também pela USP.

"O antropólogo tem uma maneira específica de se ambientar. Imiscui-se num grupo, convive com os indivíduos, trata de estabelecer relações simétricas, porque é de seu interesse e porque são as bases necessárias para o seu trabalho. Acaba adquirindo pai, mãe, tabdjuo (sobrinhos e netos) e um bom número de amigos formais, cujos afins se divertem às suas custas. Por outro lado, o missionário ou a enfermeira estabelecem automaticamente relações assimétricas: "Tudo bom meu filho? vem cá, meu filho, tomar remédio." Eles tem a naturalidade e a segurança de quem sabe." (p.3)

Verde Vagomundo, Benedicto Monteiro

Amazônia fantástica.


sábado, 24 de agosto de 2013

Era de manhãzinha, e a lua ainda seguia brilhante no céu.

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

#PACAmazonia #AmaZoneWar

Leitura obrigatória! #PACAmazonia #AmaZoneWar

http://amazonia.org.br/wp-content/uploads/2012/10/Obras-de-Infraestrutura-do-PAC-e-Povos-Indigenas.pdf

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Clifford Geertz



"... o pensamento não consiste em processos misteriosos localizados naquilo que Gilbert Ryle chamou de gruta secreta na cabeça, mas de um tráfico de símbolos significantes - objetos em experiência (rituais e ferramentas; ídolos esculpidos e buracos de água; gestos, marcações, imagens e sons) sobre os quais os homens imprimiram significado (...)." (GEERTZ, C. A interpretação das culturas, p. 150).

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Mandalas

" - Seja você mesmo - disse ele. - Duvide de tudo. Seja desconfiado.
- Mas não gosto de ser assim, Dom Juan.
- Não se trata de você gostar ou não. O que importa é o que você pode usar como escudo. Um guerreiro tem que usar tudo o que puder para fechar sua brecha mortal, quando ela se abre.
(...)
- Como é que um guerreiro deve morrer, então? - perguntou Dom Genaro, exatamente no meu tom de voz.
- Um guerreiro morre com dificuldade - disse Dom Juan. - Sua morte tem de lutar para levá-lo. Um guerreiro não se entrega a isso.

(...)
Comentei que ele sempre achava defeito no que eu fazia, não importa como eu o fizesse.
- Isso não é verdade! - exclamou ele. - Não há defeito no modo do guerreiro. Siga-o e seus atos não poderão ser criticados por ninguém."


CASTANEDA, Carlos. Porta para o Infinito (Tales of Power). Editora Record, 1974, p. 71.

Cine-Clube SocioAmbiental

http://bahia.cineclubesocioambiental.com.br/filmes/index.php?char=all
http://www.editoraufjf.com.br/revista/index.php/TeoriaeCultura/article/view/1124

Estudos de Impacto Ambiental e o Modelo de Ordenamento Territorial Operado pelo Estado Brasileiro: Território Nacional e Supressão da Alteridade no Brasil Contemporâneo
Heber Rogério Gracio, Soraya Campos de Almeida

Resumo

Este artigo discute a forma como as normas e princípios legais concernentes aos Estudos de Impacto Ambiental - EIA - e aos procedimentos de licenciamento ambiental expressam concepções específicas presentes na construção das noções de território nacional e ordenamento territorial operadas pelo Estado Brasileiro. O objetivo central da análise aqui desenvolvida é evidenciar que essas concepções, características dos EIAs e dos procedimentos de licenciamento ambiental, não contemplam as diversidades sociais e fundiárias que caracterizam a experiência social brasileira. Tal situação contribui para que a maior parte dos EIAs seja peças técnicas pouco elucidativas dos contextos sociais impactados e parâmetros frágeis para balizar as manifestações da sociedade civil e as decisões do poder público.

domingo, 18 de agosto de 2013

sábado, 13 de julho de 2013

A batalha pesada. O sinal da provação

"Quando um espírito imundo sai do homem, anda por lugares áridos, buscando repouso; não o achando, diz: Voltarei à minha casa, donde saí. Chegando, acha-a varrida e adornada. Vai então e toma consigo outros sete espíritos piores do que ele e entram e estabelecem-se ali. E a última condição desse homem vem a ser pior do que a primeira." (Lucas 11: 24-26).

Pajelança, miséria e poder


(Fotografia de Lee Marmon, "White Man's Moccassim")

"De gesto enigmatico, olhar ameaçador, palavra sibilyna, contraditório, miseravel, sordido, o pagé é odiado e respeitado [na malocas indígenas]. Ridiculizam-n'o, desprezam-n'o e escutam-n'o" (1930: 225).
"O pagé é solene. Magro, vermelho, oleoso, nú, o seu trabalho de feiticeiro que é consultado como o eram os Grandes iniciados, desdobra-se com a gravidade sacerdotal, serena, confiante no proprio cordão de augure [...]. Mas o puro pagé aborigene, adstricto ao ritual vindo de longe, através de remotas gerações, projecta-se cruzado no pagé mameluco, no pagé mulato, no pagé curiboco, imaginoso, solerte, que se encontra nos povoados, nos villorios, nas cidades" (:229). Este, "muito desmoralizado já, bebaço, caloteiro, de fraque surrado, botas cambaias, chapeu sem abas, calças cerzidas, collete rasgado, camisa enxovalhada, corrente de relogio de cabellos trançados e cheia de figas, de favas, de dentes, de camafeus — ainda assim é procurado e consultado, não tanto talvez pelas doenças do corpo, sim pelas doenças da alma" (:230).


Raymundo Moraes 1930. Paiz das Pedras Verdes. Manaus: Impresa Publica.



"Sujo e bêbado, é apresentado como malandro, marginal, pobre e fetichista. A pajelança "degenerada" é então condenada a desaparecer com o progresso da civilização, e com ela o pajé urbano. (...) o personagem do pajé só adquire feições aceitáveis quando projetado longe do presente e da miscigenação, na maloca indígena. Quando situado o seu desempenho no mundo contemporâneo, aproveitar-se-ia do pior das crenças e superstições populares, favorecendo a permanência da ignorância (característica fundamental do povo segundo as elites), incompatível com o estado de civilização desejado."

BOYER, Véronique. « O pajé e o caboclo : de homem a entidade » In Mana 5 (1), 1999.

sábado, 22 de junho de 2013

Análise do Boaventura de Souza Santos sobre o Acorda, Brasil

http://www.cartamaior.com.br/templates/colunaMostrar.cfm?coluna_id=6151

sábado, 25 de maio de 2013

http://plantandoconsciencia.wordpress.com/2012/10/

quarta-feira, 22 de maio de 2013

Tutoriais Festa Junina

http://drikatrevilato.blogspot.com.br/2012/05/coracao-para-o-dia-das-maes-pap-de.html

http://www.acrilex.com.br/educadores.asp?conteudo=53&visivel=sim&mes=24

http://floresemimosbypaula.blogspot.com.br/2010/05/favo-de-papel-passo-passo.html

http://drikatrevilato.blogspot.com.br/2012/05/pap-da-margarida-de-papel-com-casa-de.html

http://www.lilouestudio.com/blog/casinha-de-abelha-como-fazer/

terça-feira, 23 de abril de 2013

O Profeta e o Principal

Autor: Renato Sztutman

Editora: Edusp

Ano: 2012

Nº de Páginas: 576 pp


Sinopse: Assim os antigos Tupi da costa brasílica chamavam seus grandes pajés e chefes de guerra. Nas fontes dos séculos XVI e XVII estes eram muitas vezes reconhecidos como profetas e principais. Como um problema relacionado a povos do passado – a imbricação entre o que convencionamos chamar de “religioso” e “político” – pode ser repensado agora, em vista das etnografias sobre povos atuais, com suas novas interrogações? Em que medida é possível falar em uma “ação política ameríndia”, uma vez revelada a constante metamorfose de intrigantes personagens, como chefes, guerreiros, xamãs, profetas, sacerdotes, feiticeiros, entre tantos outros? Eis as questões e os desafios lançados por este livro, que toma como ponto de partida as ideias de Pierre e Hélène Clastres sobre os mecanismos indígenas de recusa e conjuração do poder coercitivo e de toda unificação ontológica.

sábado, 20 de abril de 2013

O Santo da Casa na Árvore




Santo Antonio foi um franciscano da primeira década de 1200, e ao se encontrar com o franciscanismo, após muito pregar pelas cidades, ele constrói uma casa na árvore de um convento da Ordem de Santa Clara e nesta casa ele mora, ele prega para as pessoas e ele publica suas pregações. Um pregador, curador, milagreiro do contato franciscano com a natureza.


Sermões de S. Antônio: O Bom Cristão segue o exemplo das abelhas.

Os Sermões, de onde se extraiu este trecho aqui apresentado, encontram-se na íntegra em: Sermões Dominicais e Festivos de Santo Antônio. Doutor Evangélico, por Henrique Pinto Ramos (Org.), Editorial Restauração, Lisboa 1970.

O Bom Cristão segue o exemplo das abelhas

Lê-se na história natural que as abelhas pequeninas trabalham sem descanso. Têm asas fininhas e são de cores mais escuras, como se fossem queimadas.

Abelhas pequenas são os bons cristãos sem pretensões que só se ocupam de boas e úteis obras, de forma que o diabo não os encontra nunca de mãos vazias ou desocupadas.

Têm asas finas, isto é, desprezam as vaidades e os prazeres do mundo e se inflamam de amor pelo Reino Celestial. Com essas asas sobem alto, voando livres no ar puro, com o coração fixo na Glória de Deus.

As abelhas trabalhadeiras são de cor escura, como se fossem queimadas. A respeito disto, a alma cristã exclama no Cântico dos Cânticos (1.5-6): "Sou morena, mas formosa, ó filhas de Jerusalém, sou como as tendas de Cedar, como os pavilhões de Salomão. Não repareis na minha tez morena, pois foi o sol que me queimou!" Oh! anjos do céu, oh! almas santas, sou morena porque as abstinências, os jejuns, as vigílias e outras penitências me tomaram assim. Porém, sou bela na alma pela pureza da mente e pela integridade da fé. Sou morena como as tendas de Cedar, que quer dizer nômade; habito de fato em tendas móveis que se transportam de um lugar para o outro, das quais os soldados atacam ou nas quais são atacados, "porque não temos aqui embaixo nenhuma cidade permanente, andamos em busca da que há de vir" (Hb 13,14).

Não deis importância ao fato de eu ser morena, pois sou morena porque o sol me queimou. O sol em eclipse descora todas as coisas. Assim Jesus Cristo, o verdadeiro sol, "que conheceu seu ocaso" (SI 103,19) quando na cruz padeceu o eclipse da morte, deixou a atração das vaidades, as falsas glórias, todas as honras mundanas.

Por isso, a alma cristã pode afirmar com razão: "Sim, sou morena, minha pele é escura, o sol me queimou". Enquanto, com efeito, com os olhos da fé eu contemplo a meu Deus, meu esposo, meu Jesus, pregado na cruz, atravessado por cravos, alimentado com fel e vinagre, e coroado de espinhos, toda a beleza, toda a glória, toda a honra, toda a pompa mundana empalidece a meus olhos e perde todo o valor... Eis aqui, estas são as abelhas pequenas e escuras, como se fossem queimadas. Assim pensam e atuam os verdadeiros cristãos.

Abelhas de bela aparência são ao contrário todos os cristãos inautênticos e todos os que não sabem fazer outra coisa senão agitar aos quatro ventos as falsas credenciais de sua falsa honestidade e bondade, enquanto na realidade são somente sepulcros, de aparência bela e solene, porém cheios por dentro de podridão e ossos ressequidos...

As tentações do maligno atacam especialmente aquelas pessoas honestas e virtuosas que, quando percebem que não agiram corretamente, logo reconhecem suas culpas e se apressam a confessá-las e a fazer uma justa reparação. E aí, então, que na consciência dessas pessoas retas o maligno procura penetrar e instalar-se com o fim de transtornar sua sensibilidade moral. O bom cristão, porém, sabe opor-se com todas as forças a esses intentos e nunca permitir que tal projeto se realize.

Os bons cristãos deveriam seguir o exemplo das abelhas. Diz-se que as abelhas se colocam com todo o cuidado nos buracos da entrada da colméia e, na eventualidade de que algum bichinho consiga entrar, elas não o deixam em paz e o perseguem por todos os lados até expulsá-lo para fora da colméia.

O nome em latim das abelhas parece derivar do fato de que elas se entrelaçam entre si por melo das patinhas as quais, no entanto, elas não possuem no momento do nascimento. Por isso é que se chamam "apes", isto é, "sem pés". Os cristãos também se encontram unidos entre si por sentimentos de caridade, de recíproco amor. Esta, porém, não é uma prerrogativa natural; até São Paulo (cf. Ef 2,3) afirma que "somos destinados por natureza à cólera". É, antes, um dom gratuito depositado em seus corações por Deus.

Como as colméias, assim são os nossos corpos: possuem cinco entradas que são os cinco sentidos. Entre estes, de especial importância são os olhos com os quais temos que vigiar atentamente para que não penetre em nós algo estranho e turvo. Se alguma sugestão diabólica ou algum instinto perverso perturbar nosso espírito, não devemos de jeito nenhum e por nenhum motivo permitir que permaneça por muito tempo em nós. Com efeito, sua demora transforma-se em perigo e, assim o afirmam os moralistas, um pensamento mau, conservado com complacência, já constitui uma falta mortal. Portanto, logo que a consciência adverte que o pensamento está indo para o ilícito e não o afasta, está permitindo que se forme o assim chamado pensamento mau cultivado.

Como as abelhas, assim o bom cristão deve movimentar-se prontamente e, com o ferrão de sua boa consciência e da oração, tem que perseguir sem se cansar os intrusos até expulsá-los para fora da colméia do seu coração. (Dom. III in Quadr. 153, 27155, 10).

segunda-feira, 15 de abril de 2013

A Virgem Maria Oriental

Nota Sobre a Misericórdia de Bodhisattva Guan-Yin:
reflexão a partir do artigo “Mother Mary Comes To Me
– A Radical Insegurança da Condição Humana”


Ho Yeh Chia
(FFLCH-USP)





Empreendi a tarefa da tradução do artigo “Mother Mary comes to me – a radical insegurança da condição humana” para o chinês, porque fiquei impressionada, não só pela beleza mas principalmente, pela relevância do tema: a insegurança humana e a misericórdia divina, configurada em Maria de Nazaré. Esta misericórdia nos é concedida uma vez que tenhamos a humildade de pedi-la...

Sendo eu budista, a figura da Virgem Maria me lembra muito a de Bodhisattva Guan-Yin, não somente porque ambas simbolizam – cada qual na sua tradição – a pureza, a coragem, e a fé, mas principalmente porque representam o amor feminino (essencialmente materno), a compaixão e a misericórdia, ou seja, aquela que tudo perdoa.

No atual budismo chinês, os Bodhisattvas mais populares são a Guan-Yin e o Di Zhang Wang [1] .

Para leitores ocidentais, vale lembrar aqui que Bodhisattvas (em chinês, pu-ti-sa-to, 菩提薩多, ou pu-sa菩薩) são espíritos perfeitos, como explica Karl Ludvig Reichelt, em Truth and Tradition in Chinese Buddhism:

“Eles podem, se quiserem, entrar na plena dignidade búdica na eterna paz e felicidade, mas eles não o fazem no tempo presente, porque como bodhisattvas eles podem mais facilmente buscar aquela parte da criação ainda submetidas a peculiares condições incertas e dolorosas para almas a caminho.

“Kuan-Yin, um dos cinco bodhisattvas mais conhecidos, é o Avalokitesvara Indo-Tibetano, a divindade que atende ao grito da angústia, e se volta para o sofredor. Esta figura, pouco a pouco, vem se destacando mais que outros bodhisattvas para significar o espírito, o misericordioso e bondoso espírito que acende em todas as criaturas o desejo de uma renovação do coração, e que os protege contra toda dor e tristeza. Nos tempos primitivos, Kuan-Yin era geralmente considerado como masculino, e ainda se vê em certos mosteiros na China uma enorme figura com barba e expressão viril, que mostra Kuan-Yin como um homem. Nessa forma, Kuan-Yin é chamado filho de Amitabha. Pouco a pouco, características femininas vão se tornando mais proeminentes. Isto ocorre na medida em que a concepção de espírito torna-se dominante, e tudo que os chineses podem imaginar de ternura materna e graça feminina foi atribuído a ela. Ela se tornou a Senhora compassiva do oriente.

“Kuan-Yin, como os outros bodhisattvas, fez grandes votos. Ela irá se encarnar nas mais variadas formas, para salvar a humanidade. Por isso ela se deixa nascer ora nesse grupo, ora naquele: entre ladrões, entre criminosos na prisão, entre angustiados marinheiros e viajantes. Conhecemos cerca de trinta e duas diferentes formas, “ying”. Seu aniversário é celebrada no décimo nono dia do segundo mês; seu ingresso na Sabedoria Plena é comemorado no décimo nono dia do sexto mês; sua morte, ou melhor, seu ingresso no Nirvana, é dado por ocorrido no décimo nono dia do nono mês. Entre o povo, essas três datas são muitas vezes conhecidas como “aniversário de Kuan-Yin”. A confusão é fácil de entender: Essas festas são ocasiões muito alegres. Todos saem à rua, os templos e as cidades são decorados para a festa, para kuan-Yin, a Divindade da Misericórdia, é extremamente popular”. (p. 179 e pps)



Bodisatwa Guan-Yin foi consagrada, universalmente nas diversas correntes budistas, como principal figura da devoção. Não é necessariamente uma deusa, porque guarda traços humanos. Por exemplo, conta-se, na tradição popular, que ela foi uma princesa na antiga Índia, era a mais bela e piedosa entre todas; não gostava de vestidos luxuosos, nem de pratos finos feitos com carnes de animais, embora tudo isso lhe fosse oferecido como direito. Alimentava-se de verduras, porque não suportava ver animais sendo mortos; vestia-se de panos grossos porque gostava de ser simples; e era a mais piedosa entre as filhas. Mas quando chegou o momento de casar, fugiu do palácio porque queria buscar o seu caminho e se dedicar ao ascetismo, seguir o exemplo de Buda. Ao ser obrigada pelos seus pais a contrair casamento, ajoelhou-se diante do palácio do rei, durante dias e noites, sem nada comer, passando frio e tomando vento e chuva, apenas recitando o “Sutra da Grande Compaixão”. E assim, sua fé venceu todas as barreiras. Quando alcançou o Nirvana, não teve desprendimento suficiente para deixar o mundo, porque a sua compaixão era tão forte e infinita que lhe deu forças para fazer o maior voto que alguém podia desejar realizar: “enquanto houver almas sofredoras sobre a face da Terra, não abandonarei esse mundo, e ajudarei todos a alcançar a libertação”. E assim, ela é oficialmente chamada a “Grande Misericordiosa e Grande Compassiva Bodhisattva Guan-Shi-Yin” (a propósito, Guan-Shi-Yin, em chinês, significa literalmente: “Aquela que vê e que ouve o Mundo”).

Ela atende todos os apelos. Por mais desesperadas e “perdidas” que as pessoas possam estar, ela é incapaz de abandonar quem quer que seja, budista ou não, pois, na compreensão budista, todos os homens são de natureza búdica (luz que reflete a si mesmo), pouco importa a que religião pertençam; ou seja, seres humanos são budas em potencial.

Feitas as considerações acima, vale dizer que o referido artigo é importante e recomendável também para leitores budistas que vivem na atual sociedade consumista e materialista. Torna-se ainda mais relevante uma vez que o quadro internacional que se encontra nesse momento extremamente delicado e crítico; quanto ao mundo chinês (o continental) que há pouco se abriu para o mundo capitalista, e agora ingressa na Organização Mundial de Comércio, uma reflexão profunda é prudente. Cabe a cada um discernir e não deixar que desvie a sua infinitude para desejos superficiais! De qualquer forma, as graças que propiciam a salvação, quer pela Maria Mãe, quer pelo Bodhisattva, nos são oferecidas, de forma aberta e maternal, pacientemente, incondicionalmente e eternamente.
Eu estava quase caindo quando uma voz me cantou:

PEDI A MEU MESTRE
Padrinho Alfredo

Eu pedi a meu Mestre
Não me deixe cair
Ele me respondeu
Teus esforços são meus
e temos que seguir

quinta-feira, 21 de março de 2013

Educação do Campo

"A educação do campo é uma noção em construção, em disputa, que nasce na e da tensão enre Estado e movimenos sociis, nasce como luta pela garantia dos direitos básicos do cidadão, e portanto, tem a marca dos movimentos sociais do campo. Na sua identidade de origem, está a luta por escolas do e no campo, mas seu debate não está enraizado apenas na pedagogia. Sua especificidade está no campo, nos sujeitos do campo e seu contexto." (Projeto Unaí: pesquisa e desenvolvimento em assentaments de reforma agrária; Embrapa: Brasília, 2009, p. 31.)

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Corpo e Palavra, Deleuze.

"Toda palavra é física, afeta imediatamente o corpo. O procedimento é do seguinte gênero: uma palavra, frequentemente de natureza alimentar, aparece em maiúsculas impressas como em uma colagem que a fixa e a destitui de seu sentido; mas ao mesmo tempo em que perde o seu sentido, a palavra afixada explode em pedaços, decompõe-se em sílabas, letras, sobretudo consoantes que agem diretamente sobre o corpo, penetrando-o e modificando-o. (...) Ao efeito de linguagem se subistitui uma pura linguagem-afeto neste procedimento da paixão (...)." Deleuze, Lógica do Sentido, p. 90 (Editora Perspectiva, 2007)

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

A Renúncia da Cruz

Partindo apenas de uma análise do discurso de renúncia proferido por Bento XVI, podemos encontrar o argumento principal para sua resignação: do ponto de vista de Bento XVI, é preciso mais força física, mais saúde para se exercer o ministério de São Pedro - elementos os quais, em sua opinião, ele não mais teria a seu dispor.

Assim, ao renunciar o posto a partir do argumento da "vitalidade", Bento XVI renuncia também o martírio; e se mostra em grande consonância com uma das características mais marcantes da nossa modernidade: a separação da dor da trama cultural. Como nos mostra Foucault, conquistamos a modernidade e a civilização a partir de um árduo processo de higienização e medicalização de um mundo em que toda doença, toda velhice e toda loucura deve ser encarceirada em conventos, asilos, hospitais e prisões. Todo pus, toda infelicidade e todo martírio devem, necessariamente, ser postos bem longe de nossos olhares civilizados e limpos. Assim, o homem moderno se divorciou da dor e da morte, e se armou com analgésicos, anestesias e processos cirúrgicos mais "felizes", pois menos "dolorosos".

A "escolha de vida" de Bento XVI, apesar de ter deixado muitos católicos e analistas boquiabertos, está também em completa consonância com algumas políticas que levou a cabo durante seu ministério. Uma delas, que pude acompanhar etnograficamente, diz respeito a processos de institucionalização (ou dito de outro modo, de adequação às normas da Igreja de Bento XVI) de algumas comunidades e institutos com propostas de vida consagrada. No caso analisado, o processo de institucionalização da Toca de Assis, pude observar a supressão dos elementos passionais, agonísticos e sacrificiais que compunham a ascese toqueira, em prol da criação de um modelo mais apolíneo e intelectual, em que o corpo que "morria de amor pela Santa Igreja" saía de cena para a entrada em uma vida religiosa mais "digna": menos sangue, mais livros; menos ritual, mais estudo; menos Paixão, mais administração. Um adeus à mística, ao êxtase, ao corpo supliciado por horas e horas de joelhos em adoração.

Do ponto de vista da cruz, a renúncia de Bnto XVI também nos fornece outra chave: o par de oposição "escolha pessoal" versus "vontade de Deus", tão caro a certa vertente do catolicismo. Sua decisão de renúncia não foi motivada por qualquer manifestação divina, visão profética ou êxtase místico, mas, pelo contrário, seu discurso de renúcia se apresentou sob a forma mais limpa e estéril de uma decisão humana, pessoal e racional. Um homem do nosso tempo, adepto da opinião de que "lugar de velho é no asilo" e "lugar de doente é no hospital" - ou, em seu caso, retirado a quatro paredes em um mosteiro, em oração. Características estas que colocam Bento XVI em profunda dissonância com seu antecessor, João Paulo II. Este, por sua vez, abraçou a virtude da cruz até a morte. Mesmo doente, com seus membros a tremer, com o Mal de Parkinson atingindo até a sua fala, ele estava lá, em seu posto de timoneiro da barca de São Pedro, gritando, conforme seu corpo o permitia, "avante, avante!". Um casamento com seu ministério de cruz, este presente de Cristo, até que a morte o separasse. Até então, era isso o que se esperava de um papa: aceitar beber o copo de vinagre oferecido por seus algozes, ir até o fim. O corpo ativo de João Paulo II foi, por muitos anos ao longo de seu ministério, um corpo doente, um corpo tremente, um corpo beirando a morte. Por outro lado, o discurso de renúncia de Bento XVI denota a necessidade de uma corporalidade papal preferencialmente "sadia", "jovem", distante da morte.

Tanto a política de Bento XVI como as escolhas que compõem sua biografia se colam, neste sentido, ao que culturalmente nomeamos, hoje, como democracia. As agonias de Santa Rita de Cássia já não estão mais na moda pelos corredores do Vaticano, as mulheres não aceitam mais apanhar de seus maridos, as crianças e até os fetos tem direitos, um papa pode escolher optar pela renúncia, pois afinal, somos cidadãos e cidadãos não se subjugam, antes, escolhem, e a escolha é pela vida. "Direito de morte e poder sobre a vida", diria Foucault.

A boa dose de ironia na atitude de Bento XVI está em renunciar a sua cruz em plenas vésperas da Quaresma - este período mítico tão marcante em que todos os católicos buscam vivenciar a salvação através de penitências e provações, num exercício do imitati christi. Ao renunciar a dor e a provação às vésperas da Quaresma, Bento XVI renuncia a própria Quaresma, denotando a este período outros ares de uma catolicidade que, do ponto de vista do Sumo-Pontífice, deve ser mais "saudável", menos crucificante.

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

O banheiro do papa

Os católicos do mundo estão todos com a pulga atrás da orelha. Todos se perguntam, no calar da noite, antes de pregarem seus olhos, por que é que será que o papa desistiu do seu posto. Todos acham que há algo de muito grandioso e misterioso a ser desvendado. Cada qual tem sua hipótese escondida. Confissões inconfessas, mistérios indesvendáveis, fatos inexplicáveis: tudo o que a doutrina católica mais gosta e preza.

Mas eu já desvendei o mistério: obviamente que a culpa é do mordomo.