domingo, 21 de novembro de 2010

O duplo de Don Juan Maltus

Em The Eagle's Gift (1981), Carlos Castaneda revela ao leitor que era o homem duplicado de Don Juan Maltus. Don Juan conta a Castaneda sua saga em busca de sua mulher nagual duplicada, e de seu homem duplicado. Depois de muitos anos, Don Juan finalmente se depara com seu homem duplicado: "Este homem era eu.", diz Castaneda (O presente da águia, p. 179, versão Scribd).

Daqui em diante, toda a aproximação de Castaneda com Don Juan via interesse antropológico é novamente recontada, agora sob a perspectiva de um agenciamento feiticeiro de Don Juan, que chamou Castaneda até seu campo de visão, e até uma intimidade maior a partir do "aprendizado", sob a tática do stalking.

Foi interessante descobrir, ou redescobrir isso. Quando eu lia que as discípulas de Castaneda se diziam discípulas de Don Juan, eu sempre tivera a impressão de que elas não haviam conhecido o nagual, mas sim se referiam a Castaneda: Castaneda como o Don Juan incorporado, ou como o outro Don Juan. É muito interessante essa perspectiva de Castaneda como o duplo de Don Juan Maltus: o que corrobora ainda mais para a riqueza de sua autobiografia e biografia, já que aqui, literalmente, ao falar de seu outro, ele está falando de si mesmo.


Vejamos o excerto dessa mais uma recontação daquele primeiro encontro de Castaneda com Don Juan. Temos essa contação primeira no Erva do Diabo, depois contação de novo, sob outro ponto de vista, no seu segundo livro, e agora neste sexto livro, mais uma vez vemos a mesma história do primeiro encontro, sob uma perspectiva totalmente diferente:

"Depois que Dom Juan e seu grupo de guerreiros perderam as esperanças — ou melhor, como disse ele, depois que ele e os guerreiros homens chegaram ao fundo do poço e as mulheres encontraram meios adequados de mantê-los de bom humor — ele finalmente deparou com um homem duplicado. Esse homem era eu. Ele disse que já que ninguém no seu juízo normal vai se oferecer para um projeto tão absurdo como a luta pela liberdade, teve de seguir os ensinamentos do seu benfeitor e, num estilo de verdadeiro espreitador, ir me buscar como buscara os membros do seu próprio grupo. Precisaria estar sozinho comigo num lugar onde pudesse aplicar uma pressão física no meu corpo, e seria necessário que eu fosse lá pela própria vontade. Atraiu-me à sua casa com grande desenvoltura — mas, disse ele, assegurar o homem duplicado nunca é um grande problema. A dificuldade é encontrar um que esteja disponível.

Aquela primeira visita foi, do ponto de vista de minha conscientização diária, uma sessão sem conseqüência. Dom Juan foi muito charmoso e brincou comigo. Levou a conversa para assuntos como a fadiga do corpo, depois de longas horas guiando um carro, assunto esse que me pareceu bastante inconseqüente, por eu ser estudioso em antropologia. Depois fez um comentário acidental de que minhas costas pareciam estar fora de alinhamento, e sem dizer mais nada pôs a mão no meu peito, endireitou meu corpo e me deu um soco forte nas costas. Pegou-me tão distraído que eu desmaiei. Quando abri os olhos achei que ele tinha quebrado minha espinha, mas no fundo sabia que não era nada disso. Eu era outra pessoa e não a pessoa de sempre. Dali por diante, sempre que o via ele me fazia mudar minha conscientização do lado direito para o lado esquerdo, e então me revelava o regulamento."


Assim, desse novo ponto de vista, todas as experiências relatadas em A Erva do Diabo são, agora, as revelações do regulamento nagual.

Um comentário:

João Mezzomo disse...

Li todos os livros de Castaneda, os quais acreditava piamente serem relatos de eventos reais.
Atualmente tenho certeza (será que existe isso?) de que foram inventados.
Não acredito que Don Juan Matus tenha existido, e que Castaneda era brasileiro. Existe hoje na internet o seu pedido de naturalização americana, onde consta sua naturalidade (a cidade de Cajamarca, no Peru). Existem biografias de sua vida, escritas por pessoas que o conheceram, com relatos de sua vida no Peru, antes de se mudar para os EEUU, e o fato de sempre ter sido uma pessoa de pensamento criativo, que inventava uma segunda realidade.
Mesmo assim a quase totalidade das publicações na internet que falam sobre Castaneda tratam os eventos de seus livros como eventos reais. Me parece que as pessoas desejam que seja verdade, e então evitam olhar para a realidade, a qual nos mostra que Castaneda inventou tudo.
Eu acredito no sobrenatural, ou mágico, como queiramos chamar esta possibilidade de ultrapassar o mundo que consideramos real. Acho a obra de Castaneda pertinente e merecedora de estudos. Mas ignorar que ela é fruto de um embuste não nos auxilia em nada se queremos tratar com pertinência o sobrenatural e o mágico.