segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Meu encontro com José Saramago

Primeira vez que li este velhinho bacana foi em 2010: o Ensaio sobre a Cegueira.



O cara é genial e tem me embasbacado a cada leitura. Tem umas idéias únicas: como a de reescrever o Velho Testamento sob o ponto de vista de Caim. Este livro, Caim, é por demais lúdico. A maneira como ele fala sobre o senhor que visitava algumas vezes Adão e Eva num jardim tedioso é impagável. Mostra o senhor como um personagem muito do malvado, cheio de frescuras e dado a picuinhas:

"Lúcifer sabia bem o que fazia quando serebelou contra deus, há quem diga que o fez por inveja e não é certo, o que ele conhecia era a maligna natureza do sujeito."

Faz-me pensar como é que em tempos como os nossos, podemos falar o que quisermos sobre a bíblia, que caiu na boca do povo e adeus, inquisidores. Narrativas fascinantes, senhor José!

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Dos poderes de um chapéu engraçado

A vida estava uma desgraça, e há pelo menos uns cinco dias que eu só pensava fortemente em como ganhar dinheiro rápido para pagar as contas pendentes - 35 reais do celular, 100 reais dos dreads no cabelo, 120 reais do kung fu - e para as contas vindouras da viagem para o Pará. Além do mais, desde domingo eu estou na Grande Fossa, por ter detonado com mais um namoro que para mim duraria pelo menos uns dez anos (e não passou dos um ano e meio). A Grande Fossa: sem vontade de levantar da cama, sem vontade de comer, ou de ao menos ver um filme engraçado. Menos ainda vontade de ler qualquer coisa, no que diz respeito a literaturas lúdicas ou místicos febris, ou qualquer outra coisa. Isso, aliado a gritante falta de grana, resultava em uma situação realmente deprimente.

Quando ontem a coisa pareceu mudar de figura: o Vagal apareceu em casa e comprou dois livros que ando vendendo. Fiquei bem feliz por ter nas mãos 20 reais para poder terminar a semana. Hoje o dia começa, e eu consigo fazer as coisas burocráticas da inscrição para o concurso do Pará. Eu estava tão animada com o fato de ter ganho vinte reais! E ainda tinha mais uns 8 reais no bolso, o que garantiria meu almoço e meu jantar do dia. Fui na Copy One escanear a ficha de inscrição e imprimir o currículo, e de repente fui tomada pelo desejo incontrolável de comprar um chapéu que eu havia visto na semana passada numa lojinha na Benjamin Constant. Pensei: não posso comprar nada, eu não tenho nem dinheiro para pagar minhas contas! Mas o desejo incontrolável me dizia: vai lá, você ganhou vinte reais, vai lá!

Passei em frente a loja, que era caminho para os correios, e simplesmente entrei e comprei o chapéu. Desde ali, eu não sabia como aquele chapéu ia transformar a minha sorte. Fui ao correio e gastei 50 reais para mandar a porra da carta para o Pará: desgraça! Ainda me sobravam os 8 reais para o almoço e o jantar, e eu tinha vontade de cozinhar, então parti para o Mercadão. Do nada, me aparece um hippie, que começou com uma conversinha mole e pirou que eu estava sofrendo e passando fome e que iria me ajudar. Começou a me pagar tudo: o peixe, os pêssegos, a verdura. Pensei poxa até que enfim todas as moedas que dou para os pedintes da rua estão voltando, alguém resolveu olhar para mim e me fazer caridade. Pegou meu telefone e disse que ia me arrumar umas pulseiras fulerágem pra eu vender na viagem para o Pará.

Cheguei em casa e estava muito perturbada com aquele acontecimento. A perturbação demorou alguns bons minutos para passar. E eis que a minha sorte começou a mudar. Como hoje foi um dia produtivo! Cozinhei, li James Joyce, escrevi etnografia de pastor e de crente, comi pêssegos, até consegui ver um filme inteiro, o Machete, descobri o incrível efeito do chá verde com jasmim e mel, fiz carteiras de caixa de leite, desmontei um guarda-chuva e montei outro - o que aliás é uma experiência incrível esta de desmontar guarda-chuvas -, são 21h30 e ainda quero começar a ver um dos dois filmes que finalmente chegaram: mais um Agnes Varda e um filme de Bollywood. Acho que vai ser o Bollywood. E para melhorar mais ainda, o dinheiro que gastei no chapéu já voltou: consegui a minha primeira venda pela Internet, a Jocimara comprou uma de minhas bonitas carteiras feitas a mão por 20 reais. (!!!)

Incrível o que um chapéu engraçado não faz com sua vida. Os chapéis engraçados realmente possuem poderes ainda desconhecidos pela raça humana.

Ps: Não posso deixar de notar que ler o blog do Bill o dia inteiro foi uma atividade, senão a principal, importantíssima para me tirar da Grande Fossa, assim como para me levar a ver um filme inteiro e a escrever esse texto no blog. Obrigada, Bill!!

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Sobre quilombolas não serem ex-escravos

Preciso registrar aqui uma conversa que tive com o Andread enquanto ele fazia meus dreads. Era sobre um mito de origem que eu reconheci ao transcrever as entrevistas do Isaías, que estava pesquisando o quilombo do Baixius (MT).





O Andread relembrou da coisa do John Montero, teoria dos negros da terra. De que já existia gente aqui antes da "descoberta" dos europeus. Gente que não era só índio, mas gente de todo o tipo.

Questão de Fé e Questão de Realidade

Lendo o blog do Bill (billmementomori.blogspot.com), me deparei com um parágrafo muito bom. Resolvi copiá-lo aqui, para usar depois. Quem sabe em futuras aulas de Antropologia sobre Carlos Castaneda e seus xamãs acrobáticos.


"Penso agora em alguém que vai pruma sessão espírita, e o médium recebe um espírito. Praquelas pessoas, aquilo é real. Não é uma questão de fé. Há realmente um espírito ali. E foda-se o que eu acho. Aquilo é real. Independente do que a ciência ou o ateu que mora dentro de mim diz."

Muito bem, Bill.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Esther Vivas/Via Campesina - Comer é um ato político

Esther Vivas é membro do Centro de Estudos sobre Movimentos Sociais de la Universitat Pompeu Fabra en Barcelona, ativista e co-autora de livros como Del campo al plato (Icaria editorial, 2009) o Supermercados, no gracias (Icaria editorial, 2007), entre outros.

Você é co-autora do livro “Del Campo al Plato” (Ed. Icaria, 2009). ¿Opinas que estão nos envenenando?

O modelo de produção de alimentos antepõe interesses privados e empresariais às necessidades alimentares das pessoas, a sua saúde e a respeito ao meio ambiente. Comemos o que as grandes empresas do setor querem. Hoje há o mesmo número de pessoas no mundo que passam fome que pessoas com problemas de sobrepeso, afetando, em ambos casos, aos setores mais pobres da população tanto nos países do norte como do sul. Os problemas agrícolas e alimentares são globais e são o resultado de converter os alimentos em uma mercadoria.

925 milhões de pessoas no mundo ainda passam fome. Esta é uma prova do fracasso do capitalismo agro-industrial?

Sim. A agricultura industrial, quilométrica, intensiva e petrodependente demonstrou ser incapaz de alimentar a população, uma vez que tem um forte impacto no meio ambiente reduzindo a agro-diversidade, gerando mudança climática e destruindo terras férteis. Para acabar com a fome no mundo não se trata de produzir mais, como afirmam os governos e as instituições internacionais. Pelo contrário, faz falta democratizar os processos produtivos e propiciar que os alimentos estejam disponíveis para o conjunto da população.

As empresas multinacionais, a ONU e o FMI propõe uma nova “revolução verde”, alimentos transgênicos e livre comécio. Que alternativa pode ser proposta desde os movimentos sociais?

Faz falta recuperar o controle social da agricultura e da alimentação. Não é possível que umas poucas multinacionais, que monopolizam cada uma das etapas da cadeia agro-alimentar, acabem decidindo o que comemos. A terra, a água e as sementes devem estar nas mãos dos campesinos, daqueles que trabalham na terra. Estes bens naturais não devem servir para fazer negócio, para especulação. Os consumidores devem ter o poder de decidir o que comer, se queremos consumir produtos livres de transgênicos. Em definitivo, temos que apostar na soberanía alimentar.

Poderia definir o conceito de “soberanía alimentari”?

Consiste em tener a capacidade de decidir sobre tudo aquilo que esteja relacionado com a produção, distribuição e consumo de alimentos. Apostar no cultivo de variedades autóctonas, de temporada, saldáveis. Promover os circuítos curtos de comercialização, os mercados locais. Combater a competencia desleal, os mecanismos de dumping, os incentivos a exportação. Conseguir este objetivo implica uma estratégia de ruptura com as políticas da Organização Mundial do Comércio (OMC).

Mas reivindicar a soberanía alimentar não implica um retorno romântico ao passado, pelo contrário, se trata de recuperar o conhecimento das práticas tradicionais e combiná-las com as novas tecnologías e saberes. Asim mesmo, não consiste em uma proposição localista e sim de promover a produção e o comércio local, na qual o comércio internacional funcione como um complemento do anterior.

A Vía Campesina afirma que hoje comer se converteu em um “ato político”. Está de acordo?

Completamente. O que comemos é resultado da mercantilizaç]ao do sistema alimentar e dos intereses do agro negócio. A mercantilização que se está levando a cabo na produção agro-alimentar é a mesma que afeta a outros muitos âmbitos de nossa vida: privatização dos serviços públicos, precarização dos direitos trabalhistas, especulação com a habitação e o território. É necessário antepor outra lógica e organizar-se contra o modelo agro-alimentar atual nos marcos de um combate mais geral contra o capitalismo global.

Estamos nas mãos das grandes cadeias de distribução? O que implica isso e que efeitos tem este modelo de consumo?

Hoje, sete empresas no Estado Español controlam 75% da distribuição dos alimentos. E esta tendencia representa mais. De tal maneira que o consumidor cada vez tem menos portas de acesso a comida e o mesmo acontece com o produtor na hora de chegar ao consumidor. Este monopolio garante um controle total aos supermercados na hora de decidir sobre nossa alimentação, o preço que pagamos pelo que comemos e como foi elaborado.

Servem as soluções individualistas para romper com estas pautas de consumo?

A ação individual tem um valor demostrativo e aporta coerência, mas não gera mudanças estruturais. Faz falta uma ação política coletiva, organizar-nos no âmbito do consumo, por exemplo, a partir de grupos e cooperativas de consumo agroecológico; crias alternativas e promover alianças amplas a partir da participação em camapanhas contra a crise, em defesa de territorio, fóruns sociais, etc…

Também és necessário sair as ruas e atuar políticamente, como em determinado momento se fez com a campanha da Iniciativa Legislativa Popular contra os transgênicos impulsionada por “Som lo que Sembrem”, porque, como já sew viu em muitas ocasiões, aqueles que estão nas instituições não representam nossos interesses mas sim os privados.

Kyoto, Copenhague, Cancún. Qual o baçanço geral que se pode fazer das diferentes cúpulas sobre mudança climática?

O balanço é muito negativo. Em todas estas cúpulas pesaram muito mais os interesses privados e o curto prazo e não a vontade política real para acabar com a mudança climática. Não foram feitos acordos vinculantes que permitam uma redução efetiva dos gases de efeito estufa. Ao contrário, os critérios mercantis têm sido uma vez mais a moeda de troca, e o mecanismo de comércio de emissões são, neste sentido, a máximo expressão disso.

Em Cancún foi muito utilizada a ideia de “adaptação” a mudança climática. Se escondem detrás os interesses das companhias multinacionais e de um suposto “capitalismo verde”?

Isso mesmo. Em lugar de dar soluções reais, se opta por falsas soluções como a energía nuclear, a captação de carvão da atmosfera para seu armazenamento ou os agro-combustíveis. Se trata de medidas no qual o único que fazem é agudizar ainda mais a atual crise social e ecológica e, isto sim, proporcionar uma grande quantidade de beneficios para umas poucas empresas.

O Movimento pela Justiça Climática trata de oferecer alternativas. Como nasce e quais são seus princípios?

O Movimiento Pela Justiça Climática faz uma crítica às causas de fundo da mudança climática, questionando o sistema capitalista e, como muito bem diz seu lema, se trata de “mudar o sistema, não o clima”. Deste modo expressa esta relação difusa que existe entre justiça social e climática, entre crise social ecológica.

O movimento vem tendo um forte impacto internacional, sobretudo esteve na raíz dos protestos na cúpula do clima de Copenhague e, mais recentemente, nas mobilizações de Cancún. Isto contribuiu para visualizar a urgencia de atuar contra a mudança climática. O desafio é ampliar sua base social, vinculando as lutas cotidianas e buscar alianças com o sindicalismo alternativo.

A solução é mudar o clima ou mudar o sistema capitalista?

Faz falta uma mudança radical de modelo. O capitalismo não pode solucionar uma crise ecológica que o sistema mesmo criou. A crise atual coloca a necessidade urgente de mudar o mundo de base e fazê-lo desde uma perspectiva anticapitalista e ecologista radical. Anticapitalismo e justiça climática são dois combates que devem estar estreitamente unidos.

*Entrevista realizada por Enric Llopis para Rebelión.

Tradução de Paulo Marques para o site Brasil Autogestionário www.brasilautogestionario.org