domingo, 20 de junho de 2010

Carlos Castaneda, um antropólogo

"Da forma como os Azande os concebem, bruxos não podem evidentemente existir." (Evans-Pritchard)


"Everything you can imagine is real." (Pablo Picasso)


"... nosso trabalho precisa ser um reflexo completo de nossas vidas." (Carlos Castaneda, Prefácio para The Witchs'Dream, de Florinda Donner)


Carlos Castaneda e seus discípulos:

1) Amy Wallace

Amy Wallace é autora do livro Aprendiz de feiticeito: minha vida com Carlos Castaneda. Sua figura se tornou bastante central na concepção do público americano em relação a Castaneda. Quanto a esta relação, que se torna central para o público, entre o antropólogo e uma mulher, é interessante pensar à luz de Michel De Certeau:

“A estrutura binária formada (juízes – feiticeiros) se torna ternária, e é o terceiro termo, as mulheres possuídas, quem recebe a maior proporção da atenção pública: em outras palavras, as mulheres se tornam vítimas, e já não são mais culpadas." (The Possession at Loudun, p. 4)

2) Florinda Donner-Grau

Conheceu Castaneda quando estudava antropologia na UCLA, e este havia publicado seu livro Uma Estranha Realidade. Florinda inicia sua carreira de antropologia na UCLA, realizando seu mestrado e entrando para o doutoramento. É considerada, pela narrativa norte-americana em torno de Carlos Castaneda, uma de suas feiticeiras-seguidoras, ou seja, uma antropóloga-feiticeira.

Publicou os seguintes livros:
Shabono: A visit to a remote and magical world in the South American rainforest (1982)
The Witch's Dream (a versão traduzida para o português pela Editora Record - Coleção Nova Era, leva o título A bruxa e a arte do sonhar)
Being-In-Dreaming: An Initiation Into the Sorcerers' World (a versão para o português leva o título Sonhos Lúcidos e está amplamente difundida em versão nuvem)

Em 1983, a American Anthropology (vol. 85, p. 664) publica o artigo "Shabono: Scandal or Superb Social Science?", que alegava que o livro Shabono, de Florinda, tinha muitas semelhanças com um livro publicado em 1971 por Ettore Bioca, o livro se chamava Yanoáma e se tratava de uma autobiografia oral de Helena Valero. Muito da narrativa (des)legitimadora do público norte-americano considera as obras de Florinda Donner-Grau ficções inspiradas na antropologia, uma contadora de histórias pseudo-antropológicas. Um bom filé para ser pensada nos termos de Roy Wagner, defensor da idéia de que toda antropologia é ficção.

3) Taisha Abelar

Se formou em antropologia na UCLA e lá conheceu Carlos Castaneda, de quem ficou muito próxima. Publicou o livro The Sorcerer’s Crossing: A Woman’s Journey em 1992.


Carlos Castaneda: bom para pensar

(1) A estreita relação entre a antropologia e a feitiçaria; assim como entre o feiticeiro e o antropólogo (VIVEIROS DE CASTRO, "Zenão e a arte da arquearia");

(2) Uma experiência antropológica que levou aos extremos a máxima do "levar a sério" o que os nativos pensam, chegando ao ponto de o antropólogo alegar estar perdendo suas próprias bases cosmológicas;

(3) A compreensão de um feiticeiro, a partir da aproximação que Castaneda intentou realizar, envolveu outro elemento interessantíssimo para tensionar a máxima antropológica do "levar a sério": a saber, a ingestão, da parte do antropólogo, de substâncias psicoativas (BURROUGHS, Naked Lunch);

(4) O quarto ponto diz respeito e costura todos os outros três: o que a obra e a experiência de Castaneda tensiona é o próprio estatuto do real. Sem apelar para as fracas concepções de crença ou pensamento, o que Castaneda corajosamente disse em seus livros é que aquilo que Don Juan lhe ensinara (e foram ensinamentos do olhar, do ver), existia.

(5) Exploração do inconsciente individual. Autoconhecimento via alteridade.

(6) Castaneda se torna um best-seller dos anos 70. Documentos históricos evidenciam seu maior sucesso entre jovens da contraculutura. A narrativa de seus três primeiros livros se aproxima bastante do estilo dos livros da contracultura: a velha história do jovem garoto se iniciando em um "outro tipo" de realidade está nos livros de Herman Hesse, Jack Kerouac (aqui a iniciação é na realidade do Zen budismo), o Holden Caufield de Apanhador no Campo de Centeio (iniciação da criança à juventude) e o cara que escreveu Trout fish in America (que é uma iniciação doida também a uma coisa parecida com um Tao Americano). Tudo isso pode ser pensado conectando o belo curso de literatura norte-americana que fiz com o professor Eric em 2009.

(7) O mundo tem se tornado coerente pela nossa descrição dele. Desde o momento do nascimento, este mundo tem sido descrito para nós. O que vemos é apenas uma descrição.", palavras de Castaneda segundo a reportagem da TIME Magazine de 1973. Isso dá conta da necessidade da escrita, da construção de uma narrativa para as experiências tanto de Castaneda como de suas discípulas, que se tornarão bruxas e escreverão sobre isso.

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