domingo, 20 de junho de 2010

misticismo e novas comunidades católicas

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Emerson José Sena da Silveira é graduado em Ciências Sociais, além de mestre e doutor em Ciência da Religião pela Universidade Federal de Juiz de Fora - UFJF, onde também realizou o pós-doutorado em Antropologia, subárea Antropologia Urbana. Atualmente, leciona na Faculdade Machado Sobrinho - FMS, e no Instituto Sudeste Mineiro - Faculdade do Sudeste Mineiro – ISMEC / FACSUM, ambas localizadas em Juiz de Fora, MG. É autor de, entre outros, Corpo, emoção e rito: antropologia dos carismáticos católicos (Porto Alegre: Armazém Digital, 2008).

IHU On-Line - Em que medida as aproximações entre fé e misticismo são comuns nas novas comunidades católicas? Por quê?

Emerson José Sena da Silveira - O misticismo, com a ideia de contato íntimo e direto com Deus, por meio de experiências de fé, experiências da ação direta de Deus no mundo e na pessoa, em seu interior e em suas escolhas, percebe-se a ressurgência de uma forma e um estilo de religiosidade, justamente o que privilegia o contato com o sagrado, a partir de uma experiência emocional. Mas aí, se impõe um cuidado com os conceitos. Alguns podem dizer: mas essas comunidades também possuem um elemento ascético, mas cuja radicalização pode instituir um veio místico.

Radicalização dos jejuns, e outros exercícios, por exemplo. Nesse sentido, o mundo é reencantado, já que nessas comunidades católicas, a própria noção de que o sagrado está pronto a irromper nos poros mínimos do cotidiano, do trabalho, das pequenas relações monótonas do dia-a-dia. Porém, elas acabam entrando no circuito da produção e do consumo de produtos e serviços que tentam cotidianizar a religiosidade católica, como é o caso da comunidade Canção Nova, sediada em Cachoeira Paulista. A entrada nesse circuito, impõe uma (re)apropriação dos instrumentos de comunicação e marketing, hiperdesenvolvidos na modernidade tardia ou alta modernidade, segundo expressão de Giddens. Porém, a entrada nesse circuito não restabelece o controle e o primado do dogma e da tradição sobre o comportamento individual. Ao contrário, abrem-se cada vez mais linhas de fuga (para usar um conceito de Deleuze e Guatarri), pontos de força centrífuga, acelerando as hibridações em nível microssocial, que, por sua vez, interagem com o nível macrossocial, onde estão situadas a própria tradição e a instituição que dela se diz guardiã.

IHU On-Line - O que é o catolicismo new age?

Emerson José Sena da Silveira - Seria um tipo-ideal, no estilo weberiano, para expressar as múltiplas formas de combinação de religiosidade encontradas na pesquisa sobre o catolicismo carismático e suas interconexões com o mundo da mídia e do consumo. A erosão das condutas pautadas em regras e normas e nos grandes relatos ou narrativas emanados da religião acelerou o trânsito religioso entre as diversas religiosidades e dentro das próprias tradições religiosas. Ao mesmo tempo, a velocidade com que as pessoas experimentam ritos, valores, verdades e ideias aumentou. Essa experimentação, que pode redundar, ou não, em conversão para dentro da própria tradição religiosa, não pode ser pensada como uma trajetória absolutamente solitária e individual. No caso da pesquisa realizada e publicada como um capítulo no livro Novas Comunidades Católicas, sobre uma católica, ministra extraordinária da eucaristia, frequentadora de grupos da RCC, leitora de um tarô católico (baralho de cartas com figuras e símbolos para fins divinatórios, baseado na vida dos santos e em passagens católicas), constata-se que não é possível desconsiderar a rede de relações em que os atores estão imersos. Essas redes são complexas e abarcam diversos setores da vida, se cruzam e produzem nódulos semânticos, de significado e de identidade.

Por essas redes, os atores se movem, reconfiguram suas identidades, desamarradas das normas institucionalizadoras da tradição religiosa, ao mesmo tempo em que elementos da tradição são amarrados à trajetória individual. O sociólogo Anthony Giddens afirma que vivemos num mundo pós-tradicional, no sentido em que até mesmo a tradição precisa justificar-se como escolha. A Tradição deixa de ser Tradição e passa a ser tradição (jogo com letra maiúscula e minúscula). Em outras palavras, ela não é mais natural e espontânea, mas precisa se lançar nas redes do consumo e da mídia para se tornar pertinente e plausível aos indivíduos, precisa se tornar um horizonte de sentido nas pequenas narrativas individuais, em meio à colisão e à interação entre as diversas esferas de valor: mídia, política, religião, arte e consumo. Em alguns casos, precisa competir com outros relatos da tradição, como no caso do catolicismo. Até mesmo em torno dos ressurgimentos de tradicionalismo no catolicismo, é possível encontrar o grande traço da modernidade, radicalizado na pós-modernidade: a opção e a escolha a partir do indivíduo. Nesse sentido, escolhe-se a tradição, opta-se por ela, por que se convenceu de que ela é A opção (a verdadeira para alguns, mas até quando? Até a próxima experiência? Ou sendo ela A verdadeira, ela é ressignificada ao longo das vivências do sujeito?) entre as diversas disponíveis. O catolicismo new age é uma prática, uma forma de navegar socialmente entre diversos sistemas simbólicos (com seus mitos, rituais e modelos), desterritorializando e reterritorializando elementos desses sistemas, a partir da trajetória pessoal. No caso da pesquisa, tanto a leitora quanto o livro de tarô produzem combinações, hibridação, para usar um termo de Nestor Canclini, em que dogma, tradição e significado estão e são desconectados para serem recompostos e ressignificados novamente em torno de outros eixos: o autoconhecimento, a busca da felicidade, a busca da verdade e da autorrealização como ação humana, da qual irrompe a transcendência do sagrado (selvagem e nômade) por meio dos símbolos religiosos.

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