domingo, 17 de outubro de 2010

Livro de Emerson da Sena Silveira

Carismáticos católicos em foco


SILVEIRA, Emerson J. Sena da. Corpo, emoção e rito: antropologia dos carismáticos católicos. Porto Alegre: Armazém Digital, 2008.


"Corpo, Emoção e Rito: Antropologia dos Carismáticos Católicos" traz um conjunto de idéias derivado do estudo do surgimento e desenvolvimento da Renovação Carismática Católica (RCC). A instauração ritual do carisma, da emoção e da espacialidade carismática são alguns dos temas trabalhados na publicação, que acompanha uma religiosidade que está entre as mais expressivas do panorama contemporâneo. O livro de Emerson Sena da Silveira é resultado de dez anos de pesquisa (1996-2006) em cursos de Especialização, Mestrado e Doutorado no Programa de Pós-Graduação em Ciência da Religião da Universidade Federal de Juiz de Fora.

A partir da leitura do conjunto de escritos do livro, percebe-se que as práticas carismáticas vivenciadas pelos fiéis, principalmente no que diz respeito ao fenômeno da cura, têm provocado polêmicas entre os católicos conservadores e também os de libertação, acusando-as de serem pseudo-psicoterapias ou alienadas, misticismo e prática new age ou esotérica disfarçada.

O livro cobre uma série de fenômenos e estruturas da RCC, desde sua inserção no mundo da política até sua presença na internet, a juventude, os grupos de oração etc. No capítulo "Estética e Salvação: subjetividade e "cuidado de si" no movimento carismático", a discussão do carisma e suas peculiaridades podem ser identificadas no fenômeno de cura interior e "batismo no Espírito".

A idéia de cura na RCC volta-se, na linguagem dos carismáticos, para um combate à "profanação", ao "mundo materialista". Sob uma perspectiva sociológica, trata-se da inserção das trajetórias individuais / familiares num "quadro" de construção de sentidos. Em outras palavras, as experiências vividas pelo sujeito como desagregadoras do sentido, da "harmonia interior e familiar", vividas como traumáticas, são reinterpretadas / reinseridas numa construção intersubjetiva que resolve a conflitividade inerente a essas situações.

Esses procedimentos levam os fiéis a um contato com o poder de Deus, desencadeado para combater aquilo que, para os carismáticos, seria a "profanação": dos corpos (prostituição, aborto); a dogmática (multiplicação de seitas, práticas esotéricas e as ligadas às religiões afro-brasileiras) e a psicossomática (as "doenças" corporais e especialmente as ligadas à psique, como as depressões e angústias). Essa sensação de "poder" atua como uma poderosa retórica na vida do adepto, permitindo que cultive atitudes como auto-estima, confiança, entre outras, em sua subjetividade.

Assim, no âmbito ritual, o dispositivo central é a revelação divina através do ministro de cura, o qual trabalha com a intersubjetividade, ou seja, emoção e memória se reúnem tornando-se humanas e sagradas. Humanização por conta da corporeidade (união de sentidos); e sacralização porque o Espírito Santo, na crença dos carismáticos, vem se apossar da humanidade e à medida que a revelação divina é acionada, esta propicia a sinergia entre corpo e subjetividade. As práticas de cura interior desenvolvidas pela Renovação Carismática Católica (RCC) trazem uma complexa tecnologia de reconstrução da memória autobiográfica (tecnologia mnemônica), estabelecendo uma interação com conteúdos de cunho coletivo e individual.

A tecnologia mnemônica, no movimento carismático, segundo o estudo, desenvolve no sujeito a expansão de sua interioridade, fazendo com que os mesmos reflitam e reconstituam em seu interior a sua trajetória de vida, fazendo uma grande circulação de emoções e de trabalho de produção da memória. Essa "tecnologia do eu" passa a se constituir numa mediação entre biografia individual, fragmentada entre memórias perdidas, e a grande narrativa da tradição religiosa.

No catolicismo tradicional, o corpo é o lugar da ascese, ou seja, aspiração às mais altas virtudes; do martírio e da batalha contra as paixões. As músicas, orações, práticas sacramentais seriam executadas a partir de uma determinada configuração: relembrar as verdades e a monumentalidade da fé católica. Assim, na RCC, o corpo, antes de ser "domado", é para ser habitado pelo "Espírito", para ser lócus de "alegria". Assim, ritmos diversificados, como samba e rock, penetram as "partituras" das composições de bandas surgidas dentro do movimento carismático e trazem para a subjetividade um horizonte de ressignificação da própria modernidade.

As orações organizam e tornam densas as experiências do sujeito, especialmente quando estas possuem um caráter disruptivo (traumas, medos, depressões, angústias, rancores), em outras palavras, quando não foram integradas numa ordenação que permita ao sujeito construir um sentido e um espaço de manifestação das mesmas. Quanto mais a oração concentra-se sob o aspecto da experiência afetual do sujeito, mais ela constrói o ambiente propício ao florescimento de uma "cultura de si". O fenômeno do "batismo do Espírito" estaria aí incluído.

Com foco nas performances dos rituais carismáticos, o livro procura compreender o sentido que os fiéis atribuíam a essas experiências com o "Espírito Santo" na direção da construção de suas subjetividades. A etnografia revela que os carismáticos, à sua maneira, aproximam o catolicismo da (pós) modernidade, ao embutir, no mesmo processo de significado, dimensões modernas (adesão individual, subjetividade), tradicionais (dogmas, estruturas holísticas, mitos de origem) e pós-modernas (emocionalidade, corporeidade)".

Texto preparado pelo autor do livro. Contato: emsena@terra.com.br

Imagem: editora Armazem Digital

O livro pode ser adquirido pelo site: http://www.armazemdigital.com.br/v2/ad.php?idmenu=5

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