sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

"Bem, isto quanto à vida diurna e terrena dos viventes Araweté, esse agrupamento caótico, errático e descuidade de plantadores de milho e caçadores das matas do Ipixuna. Porque toda noite, a noite toda, as vozes sobrepostas dos xamãs põem em cena o lado invisível do mundo, aquele onde o sentido da vida Araweté está depositado: o céu, com seus deuses e seus mortos. Cantando infatigavelmente dentro de suas pequenas casas conjugais ou nos pátios fronteiros a elas, cada xamã traz uma multidão de divindades celestes - os Máï - e de almas de mortos para passearem a terra. Esses cantos, solos individuais induzidos por sonhos ou por transe de tabaco, são discursos extensos e elaborados, que não só narram os acontecimentos em curso no mundo celeste (o lugar em que as coisas realmente acontecem, aos olhos Araweté) como comentam e consagram ou determinam os ritmos econômicos da aldeia e os eventos da vida cotidiana. O canto xamanístico é o discurso por excelência, a palavra em sua potência plena. E assim, o xamã Araweté distingue-se da maioria de seus congêneres amazônicos por ser menos um curador que um orador, ou melhor, um narrador do que falam os deuses: seus cantos são citações dos discursos divinos, não enunciados na primeira pessoa." - VIVEIROS DE CASTRO, E. "Escatologia pessoal e poder entre os Araweté" In Religião e Sociedade, 13/3, novembro 1986.

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