quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Lançamento de “Imagens de Cura: Ayahuasca, imaginação, saúde e doença na Barquinha”, de Marcelo S. Mercante, pela Editora Fiocruz.

Em situação de doença ou sofrimento, muitas pessoas buscam uma religião. Não é diferente nas religiões ayahuasqueiras, cujos rituais são conhecidos por utilizar uma bebida à base de Ayahuasca, uma substância psicoativa. O Santo Daime é a mais conhecida dessas religiões, mas existem outras, como a União do Vegetal e a Barquinha – esta última restrita ao Acre. Pessoas em tratamento de saúde com Ayahuasca vivenciam e relatam mirações após o consumo da bebida, cuja eficácia – seja simbólica, seja física – tem sido bastante discutida. Entender o papel dessas mirações, mas ultrapassando o tradicional debate sobre a ação da substância: esta é a proposta do livro Imagens de Cura: Ayahuasca, imaginação, saúde e doença na Barquinha, lançamento da Editora Fiocruz. O autor, Marcelo S. Mercante, estudou um centro ligado ao sistema religioso da Barquinha. O diferencial dessa pesquisa é que ela compreende as mirações a partir do diálogo entre múltiplos saberes, como antropologia, psicologia, filosofia da mente, estudos da consciência, química, neurofisiologia e espiritualidade.

“Sim, os elementos espirituais devem ser levados em conta ao se trabalhar com e sobre a consciência. Não clamo aqui pelo retorno de uma metafísica, mas sim que se leve em conta um fenômeno que tem forte influência na vida de milhares de indivíduos”, defende Mercante na apresentação do livro. “A consciência é um palco onde interagem neurônios, elementos químicos, fatores psicológicos, culturais, sociais e espirituais”, define.

De acordo com o autor, por um lado, a cultura influencia o modo como a pessoa experiencia o mundo espiritual. Por outro, durante um ritual religioso, o indivíduo “tem a chance de se tornar consciente de outros níveis de existência, além das tarefas convencionais diárias”. Ou seja: o mundo espiritual também pode influenciar a cultura, modificando-a.

“Na medida em que se aprofunda o processo de cura, considera-se que qualquer problema tem uma fonte espiritual, e a distinção entre doença física e espiritual é diluída”, conta Mercante. Entendidas como um desequilíbrio de forças, as doenças são curadas quando se restabelece a sintonia. “A principal expressão ativa da cura seria o ato de ajudar outras pessoas a atingirem a mesma experiência – a caridade”, comenta. Embora, em alguns casos, as doenças sejam completamente tratadas através das cerimônias de cura, em outros, apenas a parte espiritual é reequilibrada. “E recomenda-se procurar um biomédico ocidental para cuidar do corpo físico”, observa o pesquisador.

O ritual religioso estudado por Mercante inclui música, canto, dança e orações, além da ingestão da Ayahuasca. O ritual e a bebida se combinam, na consciência dos indivíduos participantes, com processos de autoconhecimento e elementos do espaço espiritual. Essa combinação resulta nas mirações, “as imagens mentais espontâneas experienciadas durante o transe induzido pela ingestão ritual de Ayahuasca”. Para receber uma miração, não basta vontade: é preciso merecê-la. E, após o recebimento da miração, ocorre um momento de interpretação e entendimento, estabelecendo-se “os elos entre as imagens mentais e o mundo do dia a dia”, explica Mercante.

Dessa forma, a miração é também uma mediação, pois ela envolve corpo, sentimentos, emoções, o espaço espiritual e a mente. “Os processos de cura estariam também conectados com a mudança de percepção de si mesmo”, diz o autor. Assim, no processo de cura, a percepção do indivíduo como sendo formado por várias partes isoladas – corpo físico, mente, emoções, espírito – dá lugar à consciência que integra todas essas partes em um indivíduo total. Lembrando que a fé é muito importante em qualquer processo de cura, o autor destaca que as mirações podem ser “não somente a fonte de imagens de cura, mas também a fonte da cura, uma cura que, de forma ampla, envolve o sujeito como um todo”.

O livro é fruto da tese de doutorado de Mercante realizada na Saybrook University, um instituto interdisciplinar de pós-graduação, nos Estados Unidos.

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