domingo, 12 de agosto de 2012

Sobre a Dor

Em São Paulo, fui ao médico-parteiro, o homem que fará o meu parto, o máximo de adesão ao parto normal que encontrei no meio médico por estas terras. Pois bem, ele sempre me pergunta se tenho dor de cabeça e se precisei tomar remédio. Finalmente as dores de cabeça chegaram, e ele perguntou se tomei remédio, disse que não.

Ao passo que minha mãe, que estava ao meu lado, lhe pergunta: o que faz com a dor de cabeça?; querendo perguntar, na verdade, se é um mal sinal ou mal sintoma. O médico-parteiro responde, simplesmente: Toma um Tilenol. Minha mãe reitera, dizendo que eu só me submeto a remédios quando estou realmente morrendo. E então diz o médico-parteiro, do alto de sua sapiência medicinal: Deixa de ser masoquista. Toma um Tilenol e pronto.


Passam-se uns dias, e estava eu lendo sobre os antigos índios do Grão-Pará. Havia um desejo pela dor ali, uma valoração pelo castigo. E então me lembrei de Foucault, e Deleuze, e Bataille, grandes caras que nos mostram toda a saga ocidental-civilizacional que, juntamente com a invenção da Medicina e dos Cuidados de Si, vem banalizando a anestesia, dando adeus ao corpo, vem construindo um corpo sem dor, remediado. Foi se negando a experiência da dor, por séculos e séculos.

E então encontrei-me com a Antropologia da Dor. Artigo interessante de Antonio Guerci e Stefania Consigliere que saiu na |Revista Ilha de 1999: "Por uma antropologia da dor. Nota preliminar."

Dizem eles, dentre outras coisas:

"Mas desde que a medicina se esforce em separar a dor da trama cultural, encontrar-se-á com a dificuldade (ou a incapacidade) de tratar grande número de dores invalidantes. E mais, o limiar da dor baixa na medida em que os analgésicos se banalizam. A procura por anestesia aumenta também em função da desaparição de valores outrora associados à resistência pessoal à dor."


Por outro lado, o martírio tem andando na moda, tal como podemos ver nas tatuagens, nos regimes malucos, nos carismáticos católicos. É um martirizar-se para atingir uma felicidade. De repente, a cosmologia indígena da dor se parece com a cosmologia dos monges do kung fu: apanhar para saber apanhar, levar na cara para ser um forte e ganhar cada vez mais resistência frente às porradas da vida; frente à peia terrestre.


Voltando à medicina ocidental, creio que pelos séculos anda viajando: a cura não tem nada a ver com a anestesia. São muitas e muitas medicinas tradicionais a nos mostrar o exato contrário: o alcance da cura exige a passagem pela dor - e dor extrema. Curar é ganhar da dor. Cura como guerra, como batalha. Todos-querem eliminar a dor, mas os caminhos tomados são distintos. Afastar a dor se anestesiando (a medicina ocidental anestesia os partos, as depressões, os lutos, com seus remédios tarja preta), ou expurgar a dor pelo martírio mesmo (a medicina tradicional vai lá na raíz do sofrimento, destrincha o sofrimento e o cospe feito sangue escarrado).



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