sábado, 13 de julho de 2013
Pajelança, miséria e poder
(Fotografia de Lee Marmon, "White Man's Moccassim")
"De gesto enigmatico, olhar ameaçador, palavra sibilyna, contraditório, miseravel, sordido, o pagé é odiado e respeitado [na malocas indígenas]. Ridiculizam-n'o, desprezam-n'o e escutam-n'o" (1930: 225).
"O pagé é solene. Magro, vermelho, oleoso, nú, o seu trabalho de feiticeiro que é consultado como o eram os Grandes iniciados, desdobra-se com a gravidade sacerdotal, serena, confiante no proprio cordão de augure [...]. Mas o puro pagé aborigene, adstricto ao ritual vindo de longe, através de remotas gerações, projecta-se cruzado no pagé mameluco, no pagé mulato, no pagé curiboco, imaginoso, solerte, que se encontra nos povoados, nos villorios, nas cidades" (:229). Este, "muito desmoralizado já, bebaço, caloteiro, de fraque surrado, botas cambaias, chapeu sem abas, calças cerzidas, collete rasgado, camisa enxovalhada, corrente de relogio de cabellos trançados e cheia de figas, de favas, de dentes, de camafeus — ainda assim é procurado e consultado, não tanto talvez pelas doenças do corpo, sim pelas doenças da alma" (:230).
Raymundo Moraes 1930. Paiz das Pedras Verdes. Manaus: Impresa Publica.
"Sujo e bêbado, é apresentado como malandro, marginal, pobre e fetichista. A pajelança "degenerada" é então condenada a desaparecer com o progresso da civilização, e com ela o pajé urbano. (...) o personagem do pajé só adquire feições aceitáveis quando projetado longe do presente e da miscigenação, na maloca indígena. Quando situado o seu desempenho no mundo contemporâneo, aproveitar-se-ia do pior das crenças e superstições populares, favorecendo a permanência da ignorância (característica fundamental do povo segundo as elites), incompatível com o estado de civilização desejado."
BOYER, Véronique. « O pajé e o caboclo : de homem a entidade » In Mana 5 (1), 1999.
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