- Dou-lhe uma pisa!
E tudo era tão bruto, tal como a pedra bruta, a pedra não-lapidada. Simples assim, como uma bofetada na cara; ou melhor dizendo, como umas quatro bofetadas bem dadas na minha cara. A pisa paraense, muito usada como remédio pra colocar cabeça alheia no lugar. E carregar o bucho por nove meses vendo o rio passar, e as crianças crescendo e sendo levadas por sua bruta e alegre correnteza, e guerrear, que é a tradução para viver, e significa simplesmente desarmar sua rede e fabricar o peixe com açaí para o almoço ao som de um carimbó caribenho.
Já em São Paulo, tudo ganha os ares da produção. Produzir, produzir; e a coisa foi andando nesse bonde através do século que chegou a tal ponto que uma simples reuniãozinha na casa de amigos significa um "momento de produção"; ou um simples mutirão para construir um barracão atrás de casa é traduzido, pelos paulistas, por "Mini-Curso de Bioconstrução" - e não se engane: você vai ter que pagar uma contribuição para poder "aprender" a "fazer um mutirão" ecológico-socialista.
E assim, até o ecologismo por aqui vira produção, e plantar uma árvore significa se promover, e se promover é uma produção de si mesmo, que vai lhe trazer consequencias financeiras.
Escrever um esboço qualquer, de musica ou poema ou uma besteirola de um recadinho de geladeira, o paulista vai chamar de "minha produção intelectual", ou "minha produção artística". Senta na frente de uma tela de computador e se vê como o grande produtor, o grande trabalhador, aquele que constrói o Brasil varonil e faz o país andar. Se a pessoa tem um dom de cura, ou de massagem, ou de fazer um parto; bem, isso em São Paulo se torna uma carreira, um ganha-pão, e aquele quartinho de costura lá no fundo da casa em São Paulo é "ateliê", onde rolam "mini-cursos" de "aromaterapia", "musicoterapia", com os preços módicos que os paulistas adoram pagar e estão acostumados.
(É a distinção, já observada por Joana Overing, entre uma "sociedade regida pelo status" (=São Paulo, centros urbanos de razão ocidental) e uma "sociedade regida pela razão prática do cotidiano" (=Amazônia). Nas primeiras, importa a legitimidade adquirida por um "poder" externalizado e institucional (= um diploma, um curso, um certificado). Isso é o que "faz a pessoa", a torna humana. O que a "faz pessoa" é algo externo a ela. Nas últimas, importa a eficácia das atividades pessoais cotidianas (como a arte de produzir alimento, por exemplo), adquirida por uma ascese estritamente pessoal. O que "faz a pessoa" é a pessoa mesma, ou suas atividades; e a experiência pessoal nestas agências. Algo como a distinção entre dom e profissionalização.) Povos prescritivos versus povos performativos, tal qual conceitualizou Marshall Sahlins.
Daí é que me vem a saudade da pisa paraense, do sobe aí no jambeiro e pega uma fruta, do senta aí e pesca logo um mupará, do boraembora. Rude e simplesmente. Sem fuleragem.
ai, que meu amor é guerra sem fim, é desapegar-se de mim, me entregar a alucinação de suas águas e perder-me.
minha paixão pelo Norte é mística de São João da Cruz e Santa Teresa D'Ávila.
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