Reporto a um excerto do texto de Lévi-Strauss, Introdução à obra de Marcel Mauss, seguindo a perspicaz observação de Manuela Carneiro da Cunha em seu brilhante Pontos de vista sobre a floresta amazônica: xamanismo e tradução (MANA, vol.4, n. 1, 1998). Neste artigo, a autora sublinha o modo como Lévi-Strauss constrói a problemática do xamã a partir de Marcel Mauss, colocando em relação a psicopatologia ocidental e as condutas xamanísticas.
"Vê-se portanto que os etnólogos que pretendem dissociar completamente certos rituais de todo contexto psicopatológico são movidos de uma boa vontade um tanto timorata. A analogia é manifesta e as relações são talvez mesmo suscetíveis de medida. Isso não significa que as sociedades ditas primitivas se coloquem sob a autoridade de loucos, mas sim que nós mesmos tratamos às cegas fenômenos sociológicos como se eles pertencessem à patologia, quando nada tem a ver com ela, ou, pelo menos, quando os dois aspectos devem ser rigorosamente dissociados. Na realidade, é a noção mesma de doença mental que está em causa. Pois, se o mental e o social se confundem, como afirma MAuss, seria absurdo, nos casos em que o social e o fisiológico estão diretamente em contato, aplicar a uma das duas ordens uma noção (como a de doença) que só tem sentido na outra.
Ao entregarmo-nos a uma excursão, que alguns por certo julgarão imprudente, aos mais extremos confins do pensamento de Mauss e talvez até mais além, quisemos apenas mostrar a riqueza e a fecundidade dos temas que ele oferecia à meditação de seus leitures ou ouvintes. Sob esse aspecto, sua reivindicação do simbolismo como pertencendo integralmente às disciplinas sociológicas pode ser, como em Durkheim, imprudentemente formulada: pois, na comunicação sobre as Relações entre a psicologia e a sociologia, Mauss julga ainda possível elaborar uma teoria sociológicca do simbolismo, quando é preciso evidentemente buscar uma origem simbólica da sociedade. (...) Ainda assim é verdade que todas as ilusões ligadas hoje à noção de "personalidade modal" ou de "caráter nacional", com os círculos viciosos decorrentes, devem-se à crença de que o caráter individual é simbólico por si mesmo, quando, como Mauss nos advertia (e excetuados os fenômenos psicopatológicos), ele fornece apenas a matéria-prima, ou os elementos, de um simbolismo que - como vimos mais acima - mesmo no plano do grupo não chega nunca a se completar. (COSAC-NAIFY, p. 19-20).
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