terça-feira, 30 de novembro de 2010

Jack Kerouac e uma deliciosa torta de maçã com sorvete de creme




Essa é a minha capa preferida de todos os livros de Kerouac: Tristessa, edição de 1978. Já tive ela em minha estante, hoje o livro se encontra à venda por modestos cinquenta mangos na Estante Virtual, aguardando por um ávido e apaixonado leitor. Há dias que vivo na miséria e tenho sentido tanta fome que acabei compreendendo por que Kerouac tanto descreve os pratos de comida que comia na sua caminhada incessante e peregrina pela estrada. Hoje, ao conseguir um prato de feijão com filé de frango e farofa no Mercadão da cidade, me lembrei de quando chegamos a Santarém depois de uma viagem de três dias em um navio-motor. Três dias que passamos nos alimentando de haribo, frango e arroz branco. Passados os três dias, chegamos na cidade, e ávidos que estávamos por conhecer o paraíso de Alter do Chão, corremos para lá logo que pisamos no porto. Lá chegando, almoçamos apenas um pescado com um suco de nome estranho, e passamos a infinita tarde nas doces águas do rio Tapajós. Um pouco mais tarde, sentimos fome, mas já não havia mais nada aberto no vilarejo e tivemos que tomar um sorvete. No dia seguinte, iríamos partir para o navio-motor Nélio Corrêia, para uma viagem de mais dois dias e meio até chegar em Belém. Subimos no navio, deixamos as nossas malas e redes por lá, e nos informamos com o capitão sobre o horário de saída do navio-motor. Ainda tínhamos duas horas pela frente, então atravessamos as ruas do porto para dentro da cidade de Santarém, e demos a sorte de encontrarmos, em uma avenida, uma generosa e bela moça de pele marrom que trabalhava em um modesto restaurante de esquina. Percebendo nossa magreza e perguntando se iríamos embarcar no Nélio, a moça encheu nosso prato feito (de 7 reais) com três pedaços fartos de bife acebolado, mais uma porção generosa de verdura e muita salada - acompanhados de arroz branco e feijão, e uma estupidamente gelada jarra de água que sempre era reposta quando acabava (a jarra estava inclusa nos 7 reais). É isso, no on the road, não há como não descrever à exaustão tudo aquilo que comemos como se fosse o manjar dos deuses bem ali na nossa frente.

Hoje fiquei degustando a prosa de Kerouac em Tristessa por infinitas horas de prazer. Leio Kerouac devagarinho, como a fruição de pequenos diamantes, por saber que sua obra é curta, e por querer levá-lo comigo, inédito para mim, pela vida toda.

domingo, 28 de novembro de 2010

Tsc, feministas

Hoje as feministas universitárias enviaram uma mensagem sobre um Ato em que pedem por seguranças homens e armados nas entradas e saídas do campus para protegerem seus corpos dóceis de possíveis estupradores.

não entendo vocês, feministas, diante desses casos de violência corporal ... pedem seguranças homens e armados nas saídas do campus para a proteção de seus corpos dóceis...

deviam era se espelhar em Yim Wing Chun e não sair de casa sem seus nunchakus! A defesa pessoal é bem público e direito da mulher a ser conquistado! Valham-se por si próprias, se querem serem livres e autônomas de homens estupradores! Transformem seus corpos em máquinas mortíferas, lutando pelo direito das mulheres em terem custeado pelo Estado uma educação corporal de defesa de si próprias! Se até hoje no nosso país temos homens que decidem o que fazemos ou não com os nossos corpos (como na questão do aborto), é porque a luta nunca foi pensada em termos de uma construção da autonomia corporal da mulher.

Um pouco mais tarde, recebi uma mensagem de que as garotas se organizaram e pediram a dois amigos que seguissem e abordassem o possível suspeito da tentativa de estupro, que pegaram o cara e deram um pau nele. Precisa, gente? As mulheres, em busca de sua liberdade e autonomia, já deveriam há tempos ter formado grupos de mulheres ninjas para se vingar de caras assim.

domingo, 21 de novembro de 2010

O duplo de Don Juan Maltus

Em The Eagle's Gift (1981), Carlos Castaneda revela ao leitor que era o homem duplicado de Don Juan Maltus. Don Juan conta a Castaneda sua saga em busca de sua mulher nagual duplicada, e de seu homem duplicado. Depois de muitos anos, Don Juan finalmente se depara com seu homem duplicado: "Este homem era eu.", diz Castaneda (O presente da águia, p. 179, versão Scribd).

Daqui em diante, toda a aproximação de Castaneda com Don Juan via interesse antropológico é novamente recontada, agora sob a perspectiva de um agenciamento feiticeiro de Don Juan, que chamou Castaneda até seu campo de visão, e até uma intimidade maior a partir do "aprendizado", sob a tática do stalking.

Foi interessante descobrir, ou redescobrir isso. Quando eu lia que as discípulas de Castaneda se diziam discípulas de Don Juan, eu sempre tivera a impressão de que elas não haviam conhecido o nagual, mas sim se referiam a Castaneda: Castaneda como o Don Juan incorporado, ou como o outro Don Juan. É muito interessante essa perspectiva de Castaneda como o duplo de Don Juan Maltus: o que corrobora ainda mais para a riqueza de sua autobiografia e biografia, já que aqui, literalmente, ao falar de seu outro, ele está falando de si mesmo.


Vejamos o excerto dessa mais uma recontação daquele primeiro encontro de Castaneda com Don Juan. Temos essa contação primeira no Erva do Diabo, depois contação de novo, sob outro ponto de vista, no seu segundo livro, e agora neste sexto livro, mais uma vez vemos a mesma história do primeiro encontro, sob uma perspectiva totalmente diferente:

"Depois que Dom Juan e seu grupo de guerreiros perderam as esperanças — ou melhor, como disse ele, depois que ele e os guerreiros homens chegaram ao fundo do poço e as mulheres encontraram meios adequados de mantê-los de bom humor — ele finalmente deparou com um homem duplicado. Esse homem era eu. Ele disse que já que ninguém no seu juízo normal vai se oferecer para um projeto tão absurdo como a luta pela liberdade, teve de seguir os ensinamentos do seu benfeitor e, num estilo de verdadeiro espreitador, ir me buscar como buscara os membros do seu próprio grupo. Precisaria estar sozinho comigo num lugar onde pudesse aplicar uma pressão física no meu corpo, e seria necessário que eu fosse lá pela própria vontade. Atraiu-me à sua casa com grande desenvoltura — mas, disse ele, assegurar o homem duplicado nunca é um grande problema. A dificuldade é encontrar um que esteja disponível.

Aquela primeira visita foi, do ponto de vista de minha conscientização diária, uma sessão sem conseqüência. Dom Juan foi muito charmoso e brincou comigo. Levou a conversa para assuntos como a fadiga do corpo, depois de longas horas guiando um carro, assunto esse que me pareceu bastante inconseqüente, por eu ser estudioso em antropologia. Depois fez um comentário acidental de que minhas costas pareciam estar fora de alinhamento, e sem dizer mais nada pôs a mão no meu peito, endireitou meu corpo e me deu um soco forte nas costas. Pegou-me tão distraído que eu desmaiei. Quando abri os olhos achei que ele tinha quebrado minha espinha, mas no fundo sabia que não era nada disso. Eu era outra pessoa e não a pessoa de sempre. Dali por diante, sempre que o via ele me fazia mudar minha conscientização do lado direito para o lado esquerdo, e então me revelava o regulamento."


Assim, desse novo ponto de vista, todas as experiências relatadas em A Erva do Diabo são, agora, as revelações do regulamento nagual.

A polêmica de Florinda Donner

Em dezembro de 1983, depois de quatro resenhas publicadas em diversos jornais e na American Anthropologist sobre seu primeiro livro Shabono, três responsáveis pela antropologia da UCLA publicam a seguinte carta no Anthropology Newsletter, explicando o posicionamento da faculdade a respeito de Shabono e de Florinda Donner:

JOURNEY TO A SHABONO

Published in Anthropology Newsletter. (American Anthropological Association) December 1983, pp 2,7.
Shabono has been described by one reviewer (Kendall 1982) as an "anthro-romance", by another (Vesper 1982) as a "modern-day version of the British colonial novel", and in the pages of the American Anthropologist Picchi (1983:674) as well-written but with a narcissistic focus. Adding to the evaluations of this book is not the purpose of our commentary. As the former committee of a previously registered graduate student, now turned author, it is incumbent on us to provide some information to the serious implications raised by Holmes (AA 1983:664), who strongly suggests affinities of this book with a previously published account of life with the Yanoáma by Helena Valero (1971). When Shabono was first published, this committee did express our concern privately to a prominent Yanomama scholar. Since that time three issues now force us to make a public statement. The first is the commentary by Holmes; the second is the fact that the author of Shabono, Florinda Donner, has been reported by the press as currently pursing her studies at UCLA (Japenga 1983), and the third is the reported chronology of the Yanomama peregrination which appears to show that it was done while Donner was a student under our supervision.
Legal and confidential factors constrain what her committee can report. We are not able, for example, to reveal Donner's name under which she was registered at UCLA. For convenience we will refer to her as Donner.
It should be immediately pointed out that the publication of Shabono was four years after Donner had allowed her graduate studies at UCLA to lapse, and that there had been no formal connection between this student and her committee since the fall of 1977. Indeed, on publication of this book in 1982,, this committee was not even aware that its author was our ex-student. It was only after one reviewer, learning from the publishers that Donner had been at UCLA and eventually tracking down her chairman, that the connection was made (reported in Vesperi 1982). On learning that her student identity had now been discovered, Donner telephoned the chairman and acknowledged that she had changed her name and written this book.
Briefly, all that we are advised to report on Donner's graduate career is the historical record. She entered the anthropology department as a graduate in 1972. She was advanced to doctoral candidacy in April, 1976. She applied successfully for leave of absence for 1977-78, after which time she never re-registered. It is true to state that Ms. Donner was in good scholastic standing when she left.
Donner's graduate committee approved her dissertation proposal, which was for the study of curing practices at Curiepe, on the coastal region of Venezuela, which she subsequently reported. It may be pertinent to state that the graduate record indicated that another research proposal was earlier made in the spring of 1973 for a study of curanderos in Tucipata, described as an urban center on the Orinoco river in Venezuela. This proposal stated that she had already made a visit to this town.
All the time that Donner was under our supervision she never informed this committee of any extended visit, research or contact with the Yanomama. We find it perplexing that she failed to tell us of this undoubtedly exciting trip and of her traumatic experiences with the people there. Thus this committee regrets that we are unable to provide any information on this reported field experience. It would be helpful if Donner had been precise as to exactly when this trip was made. In Shabono there are no dates whatsoever. It was only subsequent to publication of the book that some dates have been reported to reporters for local presses. These dates have left this committee further puzzled. From Vesperi (1982) the chronology was given out as 1976-77. From Japenga (1983) the dating was extended to "about 10 years ago". This implies that the period was 1974-75, or perhaps 1975-76, which would mean that it was before her research visit to the coast. It is possible that will never know for sure, as from the helpful interview with Japenga (1983) we learn that "Donner said she gave up keeping track of the years when she lived with Ritimi, Tutemi and Texoma, her Yanomama friends, who never saw a need to count higher than three".
Holmes makes the point that by "coincidence" Carlos Castaneda graced the jacket cover with his comments. By further coincidence, and as an aficionado of the Don Juan series could scarcely miss, an entire chapter in Castaneda's sixth book (1981) was devoted to a certain sorceress by name of Florinda. This lady taught Castaneda the art of "stalking" (original italics). Alluding to stalkers she said: "If they're not afraid of being a fool, they can fool anyone" (Castaneda 1981:293). Perhaps there is some truth in this.
D.R. Price-Williams 
R.B. Edgerton
L.L. Langness 
University of California, Los Angeles.


REFERENCES CITED
Castaneda, Carlos. 1981. The Eagle's Gift. New York: Simon and Schuster Holmes, Rebecca. 1983 "Shabono: Scandal or superb social science?" American Anthropologist, 85: 664-667. 
Japenga, Ann. 1983. "The saga of a cultural cross-over". Los Angeles Times, September 11 
Kendall, Elaine. 1982. "Review of Shabono by Florinda Donner." Los Angeles Times, May 9 
Picchi, Debra. 1983. "Review of Shabono by Florinda Donner. American Anthropologist 86: 674-675 
Valero, Helena: as told to Ettore Biocca. 1971 Yanoáma: the narrative of a white girl kidnapped by Amazonian Indians. New York: E.P. Dutton 
Vesperi, Maria D. 1982. "Mystery clouds the air in tale of Indian life". St. Petersburg Times (Florida), April 25.

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Lançamento do Livro: Jovens religiosos e a subjetividade




Mais um livro para comprar.

Da Sílvia Regina Fernandes.

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Mais um amor que chega ao fim

(ATENÇÃO: este depoimento terá a narrativa da conversão mística. O sentimento que se quer evidenciar não condiz exatamente com uma estrutura antes/depois, porém sua autora encontra-se ligeiramente alterada por uma alta quantidade de leitura de livros de padres.)

Antes, o barulho do mundo era um som raivoso de guitarras death metal e gutural.
mas você me fez escutar a melodia do baixo,
dos sinos,
o som que a água faz quando pinga,
o som que tem o cheiro de um vapor de chá
e a cor da música,
o céu de bolinhos muffins com simpáticos homenzinhos rechonchudos voando feito bolha de um vinil cremoso.

foi você, ou foi a primavera?


(satori de alan's psychedelic breakfast na alta, e veloz, madrugada
)


para Luiz Henrique Cruz, ex-amor que, ao chegar a primavera do ano seguinte, decidiu cortar com faca todas as flores do nosso jardim.

domingo, 7 de novembro de 2010

Redirecionando o fluxo de dinheiro

O que é dinheiro? Se pergunta Strathern em "Cutting the Network".

Irmã Dorothy construía seu hospital pedindo dinheiro para os ricaços do nordeste: ela redirecionava o fluxo de grana invocando a "boa obra".

O padre redirecionava o fluxo de dinheiro dos ricos da RCC, convencendo-os que ao invés de comprarem o carrão do ano, deveriam doar sua grana para Jesus Cristo: esse deus encarnado no povo da rua. Então os ricões compravam casas e doavam para a obra do padre. Acontece que no meio desse fluxo de grana, surgiu um novo nó: a Igreja. O redirecionamento do fluxo de grana, agenciado pelo padre, agora tinha que passar por um nó da conexão, a Igreja. E os ricos se negaram a tanto, pensando neste nó-Igreja como uma barragem do fluxo. A Igreja, que sempre cobrou impostos (o dízimo) não podia estar ali mediando a situação, com leis, cartórios, entrega das escrituras de casa para o nome da Igreja, este ente que ninguém sabe ao certo o que é. Então, para os ricões, a Toca era uma coisa, e a Igreja era outra. Doar direto pro mendigo, ou pro toqueiro, era bom; agora, entrar nas legalidades de doação da Igreja, já não era assim tão interessante.

Isso é um protesto claro contra uma Igreja do tipo Diocese.
Isso é um protesto claro contra uma imaginação social de Igreja, e em prol de uma outra Igreja imaginada em termos de comunidade (local e fraterna).

sábado, 6 de novembro de 2010

Laura Palmer

"Gosto da idéia de colocar todos os meus pensamentos num único lugar, como um cérebro onde se possa olhar dentro." - Diário Secreto de Laura Palmer.