quarta-feira, 21 de julho de 2010

Contracultura e Religião

"É por essa via [da contracultura dos anos 60] que os segmentos letrados das sociedades ocidentais modernas viram proliferar os sentimentos de solidariedade com a totalidade (perdida), a subjetividade (ameaçada), o fluxo (estancado),o sensível (estiolado), o corpo (racionalizado) e a natureza (conspurcada), os quais compuseram a plêiade dos valores essenciais para o horizonte 'nova era' e o reavivamento do sagrado metropolitano. (...) É o continente do self-fulfillment citado por Hervieu-Léger: radical subjetivismo, radical naturalismo (...)." (DUARTE, JABOR, GOMES, LUNA, 2005)

terça-feira, 20 de julho de 2010

A religião de uma Juíza de Direito

Juíza argentina se nega a casar gays mesmo que "custe sua própria vida"


DA FRANCE PRESSE, EM BUENOS AIRES.
Uma juíza de paz argentina afirmou nesta sexta-feira que jamais realizará o casamento de casais homossexuais, um dia depois de o Senado aprovar uma lei que autoriza essas uniões.
"Que me acusem do que quiser. Deus me diz uma coisa e eu vou obedecer com todo rigor, mesmo que custe meu cargo, e mesmo que me custe a vida", afirmou Marta Covella, juíza de paz da cidade de General Pico.
"Fui criada lendo a Bíblia e sei o que Deus pensa. Deus ama a todos, mas não aprova as coisas ruins que as pessoas fazem. E uma relação entre homossexuais é uma coisa ruim diante dos olhos de Deus", assinalou ainda.
A Argentina se converteu na madrugada de quinta-feira no primeiro país da América Latina a autorizar o casamento entre homossexuais, com uma histórica e longa votação no Senado.
A lei foi aprovada com 33 votos a favor, 27 contra e 3 abstenções, depois de uma sessão que durou mais de 14 horas e apesar da oposição da Igreja católica, que liderou uma intensa mobilização social para impedir a aprovação do projeto.
A nova legislação propõe reformar o Código Civil mudando a fórmula de "marido e mulher" pelo termo "contraentes" e prevê igualar os direitos dos casais homossexuais com os dos heterossexuais, incluindo os direitos de adoção, herança e benefícios sociais.
A Igreja lançou na última semana uma forte ofensiva contra a lei e mobilizou na terça-feira milhares de seus fieis para pressionar contra sua aprovação.
http://www1. folha.uol. com.br/mundo/ 767958-juiza- argentina- se-nega-a- casar-gays- mesmo-que- custe-sua- propria-vida. shtml

Medos Públicos

Folha de São Paulo, 20 de julho de 2010.

Opinião

MARCOS NOBRE

Medos públicos


A última comemoração do 14 de Julho na França foi marcada por desastres políticos vários. Forças armadas de ex-colônias desfilaram como forma de reparação e de reconhecimento, mas algumas delas devem reparação urgente em seus próprios países. Em uma disputa judicial entre herdeiros, surgiram fortes indícios de financiamento ilegal do partido do governo.
São questões graves, que acabaram fazendo com que passasse como acontecimento de menor importância a proibição de uso "de vestimenta destinada a dissimular o rosto". É uma proibição dirigida diretamente contra mulheres que usam véus islâmicos que cobrem todo o corpo.
A Revolução Francesa impôs uma única língua, o sistema métrico e um conjunto de valores a serem observados por qualquer pessoa que quiser ser cidadã. Foi o maior avanço histórico do milênio.
Incomparavelmente mais progressista do que o modelo europeu seu rival, o liberalismo inglês.
No Brasil não faltam defensores do republicanismo francês. Aliás, estabeleceu- se por aqui que "republicano" é sinônimo de "boa democracia".
Algo bom por definição.
O problema é que, hoje, o modelo impede avanços democráticos ao invés de fomentá-los. Defende ser preciso restringir previamente a liberdade dos cidadãos para alcançar igualdade no espaço público.
Mas, sob os "valores cívicos" impostos para alcançar a liberdade da cidadania, camufla-se a imposição de um padrão implícito de como se deve levar a vida. E toda tentativa de questionar substantivamente esse padrão social é empurrada para o terreno preferido (e regressivo) do liberalismo: o espaço privado.
Ora, se o objetivo é proteger as mulheres de um costume considerado atentatório aos direitos da pessoa humana, proibir o uso do véu em público é caminho seguro para que essa prática continue.
Porque o resultado é que essas mulheres vão deixar de frequentar os espaços públicos. E, recolhidas ao âmbito doméstico, vão se tornar invisíveis. Não serão mais solicitadas a explicar por que, afinal, usam o véu. Sua atitude não será mais questionada. E invisibilidade e falta de questionamento são os abrigos naturais para tradicionalismos de todos os matizes.
Sob o neoconservadorismo de Sarkozy, a defesa da República tornou-se um fim em si mesmo. Tomou o lugar da defesa de espaços democráticos de autonomia para pessoas e grupos sociais.
São medos públicos de aprofundar a democracia que expulsam os problemas para a invisibilidade dos lugares privados. O preço que cobram é o maior possível: a indiferença.


MARCOS NOBRE escreve às terças-feiras nesta coluna.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Scielo Portugal

Hoje descobri que o Scielo, este repositório de revistas digitalizadas, é todo sectarizado em sub-divisões nacionais. Jeito idiota de se constituir.

Pesquisando sobre os debates recentes da gran mestra Paula Montero acerca das "controvérsias", descobri recente publicação (2009!) dela na revista portuguesa Etnográfica, que anda caindo no gosto das antropólogas brasileiras (Heloísa Pontes também publicou por lá em 2008).

Vale a pena dar uma conferida neste Scielo, e nesta revista - tem muita coisa boa sobre o tema antropologia e religião.

http://www.scielo.oces.mctes.pt/scielo.php/lng_pt

PS: Ah sim!! O arquivo da Etnográfica não se resume ao Scielo Portugal. Suas edições mais antigas se encontram no site da revista.

Brenda Carranza fala sobre as novas comunidades católicas


(fonte: Revista IHU On Line - http://www.ihuonline.unisinos.br/index.php?option=com_tema_capa&Itemid=23&task=detalhe&id=1790)


" Brenda Carranza considera que o crescimento das novas comunidades católicas se deve à agilidade da sua organização. “Livre das amarras canônicas das grandes congregações, as novas comunidades se espalham com maior rapidez”, conclui "

Brenda Carranza: Uma novidade na estrutura de vida consagrada na Igreja
Por: Graziela Wolfart e Márcia Junges , 08/09/2009

Na tentativa de definir o que são as novas comunidades católicas, a teóloga Brenda Carranza entende que elas são “novas agregações religiosas católicas que reúnem homens e mulheres, casados ou solteiros, jovens, famílias em torno de experiências religiosas devocionais, sacramentais e projetos de evangelização”, ou em outras palavras, “um certo vinho novo em odres velhos”. Na entrevista que segue, concedida, por e-mail, à IHU On-Line, Brenda explica as diferenças entre o catolicismo tradicional e as novas comunidades católicas, que “caracterizam-se pelo número pequeno de seus membros, por serem agrupamentos mais controlados socialmente, isto é, estão sob a autoridade de uma liderança, que pode ser o fundador ou formador, convivem mais intensamente, às vezes sob o mesmo teto, e partilham não só seus ideais evangelizadores e de conversão, como seus bens econômicos”.

Brenda Carranza possui graduação em Teologia pela Universidade Francisco Marroquim (UFM), na Guatemala, bacharelado em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas - Unicamp, e bacharelado em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas/ Pontifício Ateneo Santo Anselmo, PUC-Campinas/Roma. É mestre em Sociologia pela Unicamp, com a dissertação Renovação Carismática Católica: Origens, mudanças e Tendências e doutora em Ciências Sociais pela mesma instituição com a tese Movimentos do Catolicismo Brasileiro: cultura, mídia e instituição. Docente na PUC-Campinas, Brenda é também coordenadora da Coleção Sujeitos e Sociedade da Editora Idéias & Letras. Tem publicado o livro Renovação Carismática Católica: origens, mudanças e tendências (2. ed. Aparecida - SP: Santuário, 2000). Junto com Cecília Mariz e Marcelo Camurça, é uma das organizadoras de Novas Comunidades Católicas: em busca do espaço pós-moderno (Aparecida: Idéias & Letras, 2009).

Confira a entrevista.

IHU On-Line - O que são, exatamente, as novas comunidades católicas?

Brenda Carranza - São novas agregações religiosas católicas que reúnem homens e mulheres, casados ou solteiros, jovens, famílias em torno de experiências religiosas devocionais, sacramentais e projetos de evangelização. Elas são, historicamente, um dos desdobramentos da Renovação Carismática Católica — RCC — que, ao longo de quatro décadas, no Brasil, tem se consolidado como movimento espiritual centrado nos dons do Espírito Santo e na vivência de carismas.

IHU On-Line - Em que aspectos elas diferem do modelo tradicional de catolicismo?

Brenda Carranza - O catolicismo tradicional é um catolicismo de massas, que congrega os fiéis em torno de experiências devocionais, sacramentais e, de certo modo, doutrinais. Essas experiências são vivenciadas quase que culturalmente e adquirem feições diferenciadas, dependendo da região geográfica em que acontecem. Já as novas comunidades caracterizam-se pelo número pequeno de seus membros, por serem agrupamentos mais controlados socialmente, isto é, estão sob a autoridade de uma liderança, que pode ser o fundador ou formador, convivem mais intensamente, às vezes sob o mesmo teto, e partilham não só seus ideais evangelizadores e de conversão, como seus bens econômicos.

IHU On-Line - Esse é um novo jeito de ser católico?

Brenda Carranza - É e não é. Enquanto grupos que se propõem a viver juntos sob o mesmo teto, as denominadas comunidades de vida, compartilhando as tarefas domésticas, as responsabilidades econômicas e uma espiritualidade de vida comunitária não diferem da proposta de congregações religiosas tradicionais (salesianos, jesuítas, irmãs paulinas etc.). Porém, por serem grupos de leigos que se propõem a viver esses ideais de castidade, obediência e pobreza em comunidades mistas, isto é, grupos nos quais solteiros e casados submetem-se às mesmas exigências, num mesmo espaço, podemos dizer que é um novo jeito. Até canonicamente vêm representando um impasse que deve ser acomodado na legislação eclesial.

IHU On-Line - Por que as novas comunidades católicas crescem tanto?

Brenda Carranza - Diríamos que crescem dentro da Igreja Católica à sombra da RCC, pois são um desdobramento da mesma. O seu desenvolvimento se deve à proposta de vida comunitária que propõem, pois o fiel que deseja um compromisso religioso encontra nessa maneira de agrupamento duas modalidades de inserção: na primeira, na comunidade de vida, como já disse, na qual pode participar de uma experiência comunitária, sem renunciar à sua profissão ou acomodando-a aos interesses do grupo. Na segunda, na comunidade de aliança, o fiel participa do mesmo estilo e proposta espiritual da comunidade de vida, mas não compartilha a experiência comunitária de viver sob o mesmo teto, além de ficar menos disponível para os deslocamentos geográficos que, porventura, a comunidade nova venha exigir. Por exemplo, fundar um grupo numa determinada área que interesse ter a presença da nova comunidade.

IHU On-Line - O que explica o número de 550 novas comunidades católicas no Brasil, conforme seu artigo Novas Comunidades Católicas: em busca do espaço pós-moderno?

Brenda Carranza - Acho que a agilidade da sua organização. Livre das amarras canônicas das grandes congregações, as novas comunidades se espalham com maior rapidez, ora para fundar novos grupos, realizar projetos, ora para incorporar novos membros e os deslocar de um lado para outro.

IHU On-Line - Qual é o perfil das pessoas que procuram as novas comunidades católicas?

Brenda Carranza - Em geral são de classe média, média baixa, como os profissionais liberais, sobretudo, a liderança. Já os membros tendem a ser de classe popular.

IHU On-Line - Como compreender essa revolução e renovação interna do catolicismo em contraposição ao crescimento das religiões neopentecostais?

Brenda Carranza - Não sei se podem ser compreendidos como revolução, pois suas propostas não trazem transformações estruturais, antes, se alinham numa perspectiva conservadora da Igreja. Talvez seja melhor as designar como inovação, no sentido de que são uma novidade na estrutura de vida consagrada na Igreja, outrora marcada por uma divisão sexual das formas de viver os votos religiosos. Ou seja, as novas comunidades propõem a vivência da castidade aos matrimônios e o celibato aos solteiros. Ambos pertencem ao mesmo grupo e são cobrados, comunitariamente, pela vivência do voto realizado publicamente. O mesmo se pode dizer da obediência e castidade. Já o neopentecostalismo evangélico é o movimento de massas, contrário às novas comunidades.

IHU On-Line - O que é a neopentecostalização católica? Em que contexto ela surge?

Brenda Carranza - Face ao neopentecostalismo, diríamos que ela se caracteriza pelo uso da mídia, sua presença nos meios de comunicação social, a incisiva participação na vida política, a espetacularização do sofrimento, da aflição e da dor, e a demonização do cotidiano. As novas comunidades participam desses elementos à maneira católica, ou seja, muitas assumem o uso da mídia como canal privilegiado de evangelização, outras são preocupadas pela aflição e a dor das pessoas, promovendo uma vida litúrgica e sacramental centrada na cura e libertação. Outras, ainda, se preocupam com a presença do demônio na vida cotidiana das pessoas e, a partir daí, propõem ações concretas de libertação. Já na vida política partidária, normalmente acatam as indicações da RCC.

IHU On-Line - Em que aspectos essas comunidades inauguram um catolicismo midiático?

Brenda Carranza - No sentido em que reforçam uma opção preferencial pelos meios de comunicação de massa como sendo os veículos de evangelização. No entanto, fazer uso desses meios não dispensa da apropriação da cultura midiática que traz no seu seio valores que se contrapõem à doutrina católica. Dito de outra maneira: esses grupos apostam nos valores de uma cultura que, revestida de marketing religioso, propiciam outras formas de experiências religiosas, entretanto, essa cultura pode estar indo contra os princípios dessas comunidades, embora isso não seja perceptível a olho nu.

IHU On-Line - Acredita que essas novas comunidades são expressões pós-modernas de religião? Por quê?

Brenda Carranza - A pós-modernidade é um termo polivalente, que precisa ser matizado a cada vez que é utilizado. Se entendermos a pós-modernidade como expressões conflitantes num mesmo tempo e espaço, acho que as novas comunidades são uma manifestação de um catolicismo que se repõe com matrizes conservadoras e tradicionais num novo contexto de expressão midiática. Um certo vinho novo em odres velhos.

IHU On-Line - Em que medida elas significam “ar fresco” a uma religião milenar que precisa se adaptar aos novos tempos?

Brenda Carranza - Na medida em que essas novas comunidades agregam jovens por meio da música e de projetos de vida, capazes de canalizar suas energias e ideias, e de multiplicar-se por toda a geografia brasileira sob o lema de “ser feliz por ser católico”, talvez possa ser interpretado como ar fresco. Mas acho que, seja mais um “ar” de visibilidade de Igreja do que fresco, no sentido de propostas transformadoras, capazes de revitalizar por dentro a própria Igreja.

IHU On-Line - Como a hierarquia vaticana percebe essas novas comunidades?

Brenda Carranza - Não só as percebe como apoia. Nas últimas cerimônias de celebração de Pentecostes, o Papa Bento XVI tem manifestado seu apoio e impulso a essas novas comunidades, ao mesmo tempo em que as reconhece como um dos desdobramentos da RCC.

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Invisible Religion

Fonte: SWATOS, William H. (ed.) Encyclopedia of religion and society. Verbete: Invisible Religion, por Grace Davie.

A concept introduced through the English title of Thomas Luckmann's first major publication, The Invisible Religion , which appeared in 1967 (Macmillan), four years after its publication in German (original title Das problem der Religion in der modernen Gesellschaft ).

The Invisible Religion has been a highly influential text, and also the concept that its title embodies. The theoretical context of the work provides its point of departure. It forms part of Luckmann's concerted effort to understand the locus of the individual in the modern world. Sociological approaches to religion, deriving from the sociological classics, form a central theme within this quest. Luckmann's essay aims to reestablish this connection, insisting that the problem of individual existence in society is essentially a "religious" one.

It is, precisely, the lack of theoretical reflection within the flourishing subdiscipline of the sociology of religion in the postwar period that concerns Luckmann. The association of religion with church has oriented a whole generation of scholars toward a relatively narrow field, the more so in that church-orientated religion has become a marginal phenomenon in modern societies. [A associação da religião com a igreja orientou toda uma geração de estudiosos em direção a uma área relativamente pequena, tanto mais que a religião em igrejas de orientação se tornou um fenômeno marginal nas sociedades modernas.] To redress this balance, Luckmann opts firmly for a functional definition of religion but differentiates this from the structural-functionalism prevalent in contemporary sociology. Luckmann regards as problematic what is taken for granted in sociological functionalism. His perspective is, essentially, an anthropological one.

The core of the argument can be summarized in the following extract from The Invisible Religion (pp. 48 f):

The organism—in isolation nothing but a separate pole of "meaningless" subjective processes—becomes a Self by embarking with others upon the construction of an "objective" and moral universe of meaning. Thereby the organization transcends its biological nature. [O organismo - não em seu isolamento, mas enquanto um pólo separado dos processos subjetivos da ausência de sentido - se torna um "self" embarcando com os outros na construção de um universo de sentido moral e "objetivo". Assim, a organização transcende sua natureza biológica.] - péssima tradução minha, peço ajuda aos universitários de plantão.

It is in keeping with an elementary sense of the concept of religion to call the transcendence of biological nature by the human organism a religious phenomenon. As we have tried to show, this phenomenon rests upon the functional relation of Self and society. We may, therefore, regard the social processes that lead to the formation of Self as fundamentally religious.

From the narrowly institutional, the notion of religion becomes quite simply part of being human; it is that which transcends biological nature.

The debate between substantive and functional definitions of religion continues within the subdiscipline of the sociology of religion. Hervieu-Léger's La religion pour mémoire (Cerf 1993) contains a recent discussion of the issues involved. Within this debate, Luckmann's notion of invisible religion stands at one extreme; it is the most inclusive of all definitions and will be favored by those who find functional approaches more satisfying than substantive ones. Luckmann's analysis itself, however, remains solid apart from the definitional debate: Out of basic human processes emerge the construction of objective worldviews, the articulation of sacred universes, and, in some situations, the institutional specializations of religion. What forms these take and how they emerge pose important empirical questions. The theoretical position remains, however, unaltered: Religion is present in nonspecific form in all societies and in all socialized individuals. It is part of the human condition.


Observações: não sei não se essa análise do Luckmann é boa... talvez uma releitura, diretamente do autor, possa esclarecer melhor esse elemento estranho de uma religião como "epifenômeno", como "natureza humana"....

Um exemplo interessante da utilização deste conceito está no artigo de Jean Pierre Hiernaux, na Social Compass (vol. 50, n. 3, 2003):

O autor sugere que algumas formas antigas de crenças e práticas simplesmente não desaparecem, mas são rearranjadas em novas disposições que não conduzem a um racionalismo individualista (ou seja, não geram secularização). Neste sentido, poderiam estes rearranjos serem chamados de "religisos"?

terça-feira, 13 de julho de 2010

Leigos no Altar

“Desde suas origens, a RCC se debateu entre sua potencialidade carismática (autonomia dos leigos alicerçados na certeza de serem portadores também do sagrado, exercendo os dons e carismas do Espírito Santo) e a institucionalização do carisma. No entanto, a RCC sucumbiu à rotinização e burocratização da sua capacidade de oposição ao sistema religioso estabelecido, tornando-se um movimento que vivencia o paradoxo entre a espontaneidade do carisma e a cooptação, mediante mecanismos de controle da instituição eclesial.” (Carranza Renovação Carismática: origens, mudanças e tendências. 1998:48)

Interessante: a Brenda vê sob o ponto de vista de uma cooptação eclesial do carisma ardoroso, através do mecanismo de burocratização (institucionalização). Não posso dizer que ela está errada, de fato isso acontece, por um lado. Mas por outro lado, o que acontece é o fiel leigo todo autônomo cheio de dons, que ao mesmo tempo é o grande ortodoxo: é uma ortodoxia que advém da própria mística (!!), como no caso da apropriação recente do milagre de Santa Gianna para defesa da criminalização do aborto.

sexta-feira, 9 de julho de 2010

Desterro

"cadê meu sol dourado e cadê as coisas do meu país?" - Caetano.

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Roger Bastide

"... quando a revolta política é impossível, ela se dá, para exprimir-se, um caráter religioso." - Roger Bastide, O Sagrado Selvagem.

"... o desejo de uma sociedade "outra", impossível de realizar politicamente porque não estruturada e não pensada conceitualmente, poderia assim mesmo se exprimir, senão em um discurso coerente e construtivo, ao menos em gritos desarticulados, em gestos sem significação, logo em puro desencadeamento de selvageria." (idem)

Esta des-domesticação do transe seria consequência de uma crise das instituições religiosas e da anomia social causada pela urbanização (neste segundo ponto, Bastide é bem durkheimiano)

"Toda Igreja constituída tem, sem dúvida, seus místicos, mas ela desconfia deles, ela lhes delega seus confessores e seus diretores para dirigir, canalizar, controlar seus estados extáticos, quando ela não os prende em algum convento que seus gritos de amor perdido não possam perfurar." (idem)

"Quer aceitemos ou não o ponto de vista de Durkheim sobre os estados de efervescência social onde surgiria a religião, um fato é certo: é que estes estados de efervescência não são duráveis - eles são esgotáveis, escreve Durkheim. Há, portanto, em seguida, uma recaída do fervor sociológico; a religião se desenvolve a partir dessa "recaída" como instituição de gestão da experiência do sagrado. Esta "administração" do sagrado pela igreja tem um valor positivo, certamente: ela permite sua continuação sob forma de uma comemoração, e como uma lembrança ensurdecida - mas, por outro lado, a instituição se volta contra o vivido, para aprisioná-lo atrás das grades de seus dogmas ou de sua liturgia burocratizada, de modo que ele não desperte mais, em inovações perigosas, em um outro discurso além do único discurso aceito pela ortodoxia, ou não se exalte na desmedidamente." (idem)

Nos anos 70 e 80, muitos criticaram Roger Bastide por seu "etnocentrismo às avessas", onde, adepto do candomblé, delegava a umbanda e a macumba um estatuto de "sagrado inautêntico". Essa mesma galera o criticava por ser muito durkheimiano, ao conferir à religião uma conceitualização conectada a igreja, ordem, comunidade; versus a magia, individualismo e erotismo desenfreado que caracterizaria o sagrado inautêntico da umbanda e macumba. Na minha opinião, acho que essas pessoas não devem ter lido o ensaio O Sagrado Selvagem, que Bastide escreve em 1975: este ensaio é um verdadeiro elogio à mística desordenada e contracultural, ou contra-sociedade (como parece preferir o autor) do sagrado des-domesticado:

"Porque estes sagrados revoltados desembocam em utopias, em construções da razão, em programas planificados de transformação da sociedade: o Novo cristianismo de São Simão em uma Republica de Produtores - a religião harmoniosa de Charles Fourier em um Novo Mundo industrial - o verdadeiro cristianismo de Etiénne Cabet em um comunismo messiânico. Porque, igualmente, todos esses sagrados oníricos no fim das contas acabaram em heresias, ou seja, em igrejas paralelas, portanto em instituições; caos, sem dúvida, na origem de sentidos desregrados, sentimentos liberados, imaginação desenfreada, mas caos que acaba por se dar normas, como se houvesse uma lógica no excesso que não seria possível não respeitar, e que arrasta atrás dela, na liturgia e dogmática das novas seitas inventadas, abas inteiras da memória coletiva, palavras de profetas, parábolas de Jesus, vide os apocalipses proibidos. A heresia pode aparecer como uma contra-religião, mas inverter uma religião não é, ainda, segui-la? Entretanto, através dessas crises, a instituição religiosa parece bem atingida; ela se enfraquece de vez em quando, malgrado seus esforços para se reformar, responder aos críticos, exorcizar os pesadelos e encontrar um novo equilíbrio com a sociedade em mudanças. Equilíbrio cada vez mais precário e que faz, como eu disse no começo, vaticinar a morte de Deus. (...) Mas a morte de Deus não é necessariamente a morte do sagrado, se é verdade que a experiência do sagrado constitui uma dimensão necessária do homem. À medida que a igreja perde seus fiéis, vê-se pulular, em particular nas grandes metrópoles, as pequenas seitas esotéricas, os consultórios de astrólogos, clínicas de novos "curadores". Espécies de compromisso entre o racionalismo, que constitui o ideal de nossa nova sociedade planificadora, e a necessidade de religião, porque o esoterismo se funda sobre sistemas de idéias simbólicas bem ligadas - a astrologia tem caráter matemático que afirma nosso pensamento - os "curandeiros" opõem ao empirismo dos médicos uma teoria terapêutica utilizando a linguagem dos físicos: ondas, fluidos, átomos. Pode-se, desse modo, deixar-se guiar pela religião sem temor, já que essa religião se exprime, aparentemente, na linguagem mesma da ciência."

"Logo, a crise do instituído, ou seja das igrejas, não entranha em sua continuação uma crise do instituinte, quer dizer, da efervescência de corpos e corações, da buscada experimentação da dinâmica do sagrado. Apenas, as jovens gerações querem permanecer no fervor do instituinte sem ir até a constituição de novos instituídos, que o cristalizariam logo e o mineralizariam em novas instituições, de idéias sistematizadas, gestos estereotipados, de festa regulada e incessantemente recomeçada. Eis porque o sagrado de hoje se quer um sagrado selvagem contra o Sagrado domesticado das Igrejas."

O sagrado selvagem é o sagrado instituinte: "a imaginação no poder", e não "a razão no poder".