domingo, 25 de abril de 2010

Leibniz

Apresenta a idéia nova de que a substancia é essencialmente coisa ativa, ser é atuar, agir. O movimento visível não é simples movimento local observado, ele deve ser o resultado de uma força; é produzido por uma força viva, que está na mônada. Era uma formulação na qual, ao contrário da concepção da Mecânica cartesiana, o movimento não é criado por uma energia cinética, mas conservado como parte da mônada A chamada matéria, na sua essência, é força. A ideia de uma natureza estática e inerte é substituída por uma idéia dinâmica; em contraste com uma física da extensão ele retoma o pensamento grego de que a natureza é princípio de movimento.

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Michel Foucault, História da Loucura

"A Igreja não aplica sanções contra um sacerdote que se torna insano; mas em Nuremberg, em 1421, um padre louco é expulso com uma particular solenidade, como se a impureza se acentuasse pelo caráter sacro da personagem, e a cidade retira de seu orçamento o dinheiro que devia servir-lhe de viático." (FOUCAULT, p. 11, Ed. Perspectiva 2004)

A nau dos loucos (Sultifera Navis, Narrenschiff), ou sobre confiar os loucos aos marinheiros:


A Sultifera Navis de Hieronimus Bosch. Quem são esses religiosos? Comporiam, também, a tripulação de loucos? Bosch se inspirou na sátira Das Narrenschiff (1494), de Sebastian Brant, para formular este quadro. Sobre Bosch, ver também MILLER, Henry, "Big Sur and the oranges of Hieronimus Bosch".


"Esta navegação do louco é simultaneamente a divisão rigorosa e a Passagem absoluta. Num certo sentido, ela não faz mais que devolver, ao longo de uma geografia semi-real, semi-imaginária, a situaçào liminar do louco no horizonte das preocupações do homem medieval - situação simbólica e realizada ao mesmo tempo pelo privilégio que se dá ao louco de ser fechado às portas da cidade: sua exclusão deve encerrá-lo; se ele não pode nem deve ter outra prisão que o próprio limiar, seguram-no no lugar de passagem, Ele é colocado no interior do exterior, e inversamente. Postura altamente simbólica, e que permanecerá sem dúvida a sua até nossos dias, se admitirmos que aquilo que outrora foi fortaleza visível da ordem tornou-se agora castelo da nossa consciência. (...) É o Passageiro por excelência, isto é, o prisioneiro da passagem. E a terra a qual aportará não é conhecida, assim como não se sabe, quando desembarca, de que terra vem. Sua única verdade e sua única pátria são essa extensão estéril entre duas terras que não lhe podem pertencer. (...) Uma coisa pelo menos é certa: a água e a loucura estarão ligadas por muito tempo no sonho do homem europeu." (FOUCAULT, p. 12, Ed. Perspectiva 2004)

A navegação dos loucos, marcante em toda a Idade Média, só vêm à tona nas iconografias e na literatura bruscamente no século XV, pois a nau "simboliza toda uma inquietude, soerguida subitamente no horizonte da cultura européia, por volta do fim da Idade Média. A loucura e o louco tornam-se personagens maiores em sua ambiguidade: ameaça e irrisão, vertiginoso desatino do mundo e medíocre ridículo dos homens." (FOUCAULT, p. 14, Ed. Perspectiva 2004)

A loucura e o fim do mundo: um animal espreita o homem


Pintura de Grunewald, A Tentação de Santo Antônio. Temos aqui o santo ermitão assolado por um completo arsenal de monstros infernais. Pintura rica em implicações sobre o fantástico, o drama do duplo, as alucinações ou estados alterados de consciência como tragédia, quando relacionados aos dramas do demônio e da culpa.

"... agora a sabedoria consistirá em denunciar a loucura por toda parte, em ensinar aos homens que eles não são mais que mortos (...) (FOUCAULT, p.16).

Somos covardes, mesquinhos e indolentes
velhos, cobiçosos e maldizentes,
Vejo apenas loucas e loucos
O fim se aproxima em verdade.
Tudo vai mal (EUSTACHE DESCHAMPS, citado por Foucault, p. 16)

"Agora, os elementos inverteram-se. Não é mais o fim dos tempos e do mundo que mostrará retrospectivamente que os homens eram uns loucos por não se preocuparem com isso; é a ascensão da loucura, sua surda invasão, que indica que o mundo está próximo de sua derradeira catástrofe, é a demência dos homens que a invoca e a torna necessária." (FOUCAULT, p. 17)

"No pensamento da Idade Média, as legiões de animais, batizados definitivamente por Adão, ostentavam simbolicamente os valores da humanidade. Mas no começo da Renascença, as relações com a animalidade se invertem: a besta se liberta, escapa do mundo da fábula e da ilustração moral a fim de adquirir um fantástico que lhe é próprio. E, por uma surpreendente inversão, é o animal, agora, que vai espreitar o homem, apoderar-se dele e revelar-lhe sua própria verdade. (...) A animalidade escapou à domesticação pelos valores e pelos símbolos humanos; e se ela agora fascina o homem com sua desordem, seu furor, sua riqueza de monstruosas impossibilidades,é ela quem desvenda a raiva obscura, a loucura estéril que reside no coração dos homens." (FOUCAULT, p. 18)


A simbolização da loucura traz consigo os animais enquanto bestas perigosas e impuras: traz consigo a verdadeira desordem de um fim catastrófico do mundo, no entrecruzamento de sentidos, ou excesso de sentidos sobre as coisas. Este século XV, da passagem entre uma Idade Média e a Idade Moderna, vivencia deveras a Passagem: é o Satã quem vai ser recuperado, e quem vai espreitar os homens em sua locuura e animalidade, que os habita internamente. "Trata-se de um perigo mudo, de uma alteridade que provém "do outro mundo", mas que invade esse como que saindo das entranhas da própria terra. E o sábio, diante dessa alteridade, se inclina, fascinado por esse murmúrio que pode revelar a própria verdade do homem." (segundo um texto de Catatau)

A tragédia da loucura e o nascimento do sujeito

O século XVII, com Descartes, vê o advento da ratio (razão). Com e para a ratio, o século XVII criou diversas casas de internação, inventou o hospital para loucos e solidificou a idéia de que o louco deveria ser internado. “A não-razão do século XVI constituía uma espécie de ameaça aberta cujos perigos podiam sempre, pelo menos de direito, comprometer as relações da subjetividade e da verdade.” (FOUCAULT, p. 47). O inevitável cortejo da razão precisa da loucura como sua alteridade, como sua régua de medida. “Sob controle, a loucura mantém todas as aparências de seu império. Doravante, ela faz parte das medidas da razão e do trabalho da verdade.” (FOUCAULT, p. 43)


Para talhar este sujeito racional, será preciso todo um suporte moral, cosmológico e espacial: a subsistência, a boa conduta, a ordem geral. Mas a loucura continuará sempre à espreita, junto com outros sinônimos seus, os pobres, doentes, miseráveis; todos eles se opondo simbolicamente a esta ordem (e coerencia) esterilizada que se quer instituir. “(...) preocupação burguesa de pôr em ordem o mundo da miséria; o desejo de ajudar e a necessidade de reprimir; o dever de caridade e a vontade de punir; toda uma prática equívoca cujo sentido é necessário isolar, sentido simbolizado sem dúvida por esses leprosários, vazios desde a Renascença mas repentinamente reativados no século XVII e que foram rearmados com obscuros poderes. O Classicismo inventou o internamento, um pouco como a Idade Média a segregação dos leprosos (...)” (p. 53). A miséria (e sinônimos vadiagem, insanidade, má conduta) se insere numa relação entre a ordem e a desordem, passando de uma experiência religiosa que santifica para uma concepção moral que a condena. Toda essa coerencia implantada sob a ótica da ordem acontece junto ao processo da Reforma Protestante, que traz consigo a cosmologia capitalista de que trabalhar é bom e faz você ir para o céu. Desse modo, cria-se uma sensibilidade que inventa um policiamento para impedir a mendicância e a ociosidade, bem como as fontes de todas as desordens. A miséria e a mendicância é assim despida de todo seu sentido místico e sagrado – este sagrado impuro – e a partir de então, este tema não será mais tão claro, posto que se enviezaram mística e moral (uma moral que sustenta todo um sistema econômico).

O sacerdote louco

"A Igreja não aplica sanções contra um sacerdote que se torna insano; mas em Nuremberg, em 1421, um padre louco é expulso com uma particular solenidade, como se a impureza se acentuasse pelo caráter sacro da personagem, e a cidade retira de seu orçamento o dinheiro que devia servir-lhe de viático." (FOUCAULT, p. 11, Ed. Perspectiva 2004)